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Obras hídricas no Nordeste atrasam e ficam R$ 7 bilhões mais caras, diz TCU

Canal da transposição do rio São Francisco tem problemas estruturais  - Divulgação/MPF
Canal da transposição do rio São Francisco tem problemas estruturais Imagem: Divulgação/MPF

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

15/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Obras representam 80% dos gastos em infraestrutura hídrica do país
  • Tempo para finalizar projetos chega a 26 anos
  • Aumento no custo é elevado em R$ 7 bilhões

Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou que as cinco maiores obras de infraestrutura para fornecimento de água do país custaram mais do que o esperado e apresentam resultado pior que o previsto por falta de planejamento e erros nos projetos.

O UOL teve acesso ao relatório da auditoria, analisado por ministros do TCU no último dia 25 de setembro. As cinco obras citadas são no Nordeste e representam 80% dos recursos federais investidos na infraestrutura hídrica do país entre 2012 e 2017.

Inicialmente, as obras da transposição do rio São Francisco, do Canal Adutor do Sertão Alagoano, da Adutora do Agreste (PE), do Canal Adutor Vertente Litorânea (PB) e do Cinturão das Águas do Ceará deveriam custar R$ 17,9 bilhões, em valores atualizados para janeiro de 2018. Entretanto, eles devem custar R$ 25,2 bilhões —41% a mais que o previsto.

Além disso, as obras colecionam atrasos. "Temos em média duração de 12 anos de execução, sem que nenhum dos empreendimentos tenham sido concluídos até a data de conclusão desta auditoria, havendo o caso do extremo do Canal Adutor do Sertão Alagoano, cujo termo de compromisso e contrato do 1º lote de obras é de 1993", diz um trecho do relatório.

Segundo o relatório, todas as obras ainda estão em execução, passíveis de sofrerem novos atrasos. "Tais atrasos, por si só, já denotam o mau uso do dinheiro público, ao imobilizar aproximadamente R$ 25 bilhões em obras que já deveriam estar servindo às populações alvo desses investimentos há, no mínimo, quatro anos", aponta o documento.

Problemas acumulados

Os dados da auditoria revelam como o TCU têm flagrado problemas em obras hídricas. "Entre 2003 e 2017, foram encontrados 200 processos com 789 achados relacionados com 59 obras hídricas de: adutoras, barragens, açudes, canais e perímetros de irrigação. Foram levantados achados que se enquadram, de forma geral, ou ao planejamento ou à execução da obra, assim divididos: 465 achados sobre as falhas relacionadas ao planejamento, como falhas no projeto, no orçamento, na licitação, sobrepreços e superfaturamentos; e 324 na execução da obra", afirma.

No caso das cinco obras apuradas, diz o TCU, há vários procedimentos de apuração das obras. "Os achados mais recorrentes nessas fiscalizações do TCU foram a falta de adequabilidade do projeto básico e dos quantitativos e serviços da planilha orçamentária, sobrepreço, superfaturamento e atrasos nas obras", diz. "Todas essas constatações poderiam ter sido mitigadas por meio de um planejamento prévio fundamentado em políticas e planos elaborados com critérios técnicos e objetivos."

Para os técnicos do TCU, um dos principais problemas são os aditivos contratuais. "Aditivos superiores a 25% conduzem (ou deveriam conduzir) a novas licitações. Não raro esse processo esbarra em problemas identificados em auditorias do TCU e fica paralisado enquanto se busca uma solução. Por sua vez, a paralisação eleva os custos da obra, pois, mesmo que nada esteja sendo feito, os valores indiretos e a mobilização de pessoal e máquinas continuam se acumulando", constata.

Problemas na transposição

O relatório aponta, por exemplo, que o projeto de transposição do rio São Francisco é o que mais consumiu recursos públicos das cinco grandes obras (R$ 17 bilhões). Entretanto, "para atingir plenamente seus objetivos declarados, custará anualmente aos cofres públicos para sua operação e manutenção o valor próximo de R$ 1 bilhão".

Além disso, o custo de implementação das obras complementares para garantir que a água chegue à população será de "pelo menos R$ 27 bilhões".

"Não obstante esse custo elevado, não existem evidências nem garantias de que a redução de custos com ações emergenciais de combate à seca no Nordeste será proporcional aos recursos despendidos para a implementação, operação e manutenção do projeto, ainda que essa afirmação faça parte do seu Relatório de Impacto Ambiental", aponta.

Em agosto, reportagem do UOL revelou que o canal do eixo leste apresenta rachaduras e fissuras que, segundo o MPF (Ministério Público Federal) na Paraíba, são incompatíveis com o tempo de inauguração.

Sertania - Leo Caldas/Folhapress - Leo Caldas/Folhapress
2019: Agricultores de Sertânia (PE) buscam água ao lado de canal seco da transposição do São Francisco
Imagem: Leo Caldas/Folhapress

Para o TCU, o projeto da transposição tem erros de planejamento estratégico, como a falta de clareza das necessidades, resultados e objetivos esperados, além da falta da apreciação de outras opções disponíveis. Como consequência, diz o relatório, "tem-se a escolha de projetos com grau de qualidade e maturação deficientes".

"Os resultados dessas falhas no planejamento refletem-se na execução e foram colhidos ao longo das várias auditorias de conformidade realizadas pelo TCU: projetos deficientes, quantitativos inadequados, sobrepreços, mudança de objeto, orçamento incompleto, atrasos na execução e entrega das obras etc.", afirma.

Recomendações ao governo

No acórdão final do processo relatado por Augusto Nardes, os ministros decidiram informar à Casa Civil da Presidência, ao Ministério da Economia e à ANA (Agência Nacional de Águas) do não encaminhamento ao Congresso Nacional de proposta de marco legal da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica. Para o TCU, esse ponto é uma falha grave do governo federal.

Ao MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), o TCU deu um prazo 90 dias para que apresente um plano de ação com as medidas a serem adotadas, com "os responsáveis pelas ações, o prazo previsto para cada uma delas e os produtos a serem obtidos, assim como o plano de implementação de sua política de governança".

Ainda foi determinado ao governo federal que inclua, no próximo Plano Plurianual, "metas e indicadores que permitam aferir com maior clareza os objetivos e os benefícios sociais almejados".

Outro lado

Em resposta ao UOL, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou que lançou, em abril, o Plano Nacional de Segurança Hídrica. O documento agrega as principais propostas de intervenções estruturantes do país para dar maior eficiência na implementação das políticas públicas para oferta de água para o abastecimento humano.

Para a pasta, obras de infraestrutura hídrica têm complexidade, grande porte e longas distâncias lineares e "podem ter seu planejamento impactado pela necessidade de sanear questões relacionadas à regularização fundiária, licenciamento ambiental, salvamento de fauna e arqueologia, restrições quanto a negociações com quilombolas e indígenas, além da complexidade técnica, demonstrando que o prazo inicial planejado foi subestimado".

A nota ainda cita as restrições fiscais do governo, que obrigaram a reduzir o ritmo das obras a partir de 2015 —o que teria reduzido a capacidade operacional das contratadas para as obras. Mesmo em crise fiscal, o MDR afirma que o governo tem "preservado os pagamentos nas obras de segurança hídrica".

"Os investimentos realizados nesse setor até o momento correspondem a 16,53% de tudo o que foi pago pela pasta no exercício, no âmbito das despesas discricionárias", diz, sem citar valores.

Sobre o acórdão do TCU, o ministério disse vai acolher os pontos citados e garantiu que as inconsistências em relação à carência em diretrizes, critérios e normativos relativos ao planejamento serão resolvidas.

Outro ponto citado pela pasta é que o governo deve elaborar o marco nacional de infraestrutura hídrica, que pretende organizar a atuação do poder público e "definir instrumentos que possam melhor organizar o setor de forma cooperativa com outras políticas setoriais e nacionais".

Sobre a transposição do rio São Francisco, o ministério informou que a entrada em operação do projeto já impacta na redução dos gastos com ações emergenciais, como pôde ser verificado nas áreas abastecidas pelo Eixo Leste.

"Mesmo em fase pré-operacional, o trecho garante o abastecimento de mais de 1 milhão de pessoas em 46 municípios, sendo 12 em Pernambuco e 34 na Paraíba", diz a pasta, citando que a água evitou "o colapso total do abastecimento de água em Campina Grande" e que dez municípios pernambucanos deixassem de ser abastecidos por caminhões-pipa.