Chegada de óleo ameaça fauna, flora e sustento de famílias na foz do rio São Francisco
As manchas de óleo que surgiram no litoral do Nordeste desde o dia 2 de setembro já atingiram a foz do rio São Francisco, entre os Estados de Alagoas e Sergipe, e ameaçam contaminar uma parte da mais importante fonte de água do Nordeste.
Autoridades, criadores e ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil contam que o óleo já é encontrado na parte final do rio, o que desperta uma grande preocupação com possíveis prejuízos ambientais, de abastecimento e econômicos na região.
O problema pode ser agravado já que a vazão do rio controlada pela represa de Sobradinho (BA) está menor devido às reiteradas secas no Nordeste e no norte de Minas Gerais (onde o rio nasce). Isso faz com que a água do oceano, na maré alta, avance alguns quilômetros adentro, num fenômeno conhecido como salinização do rio. Por tabela, essa mesma dinâmica fará com que as manchas "desafiem" a força do rio e entrem no São Francisco.
O professor de engenharia de pesca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Cláudio Sampaio estuda o local há anos e afirma a região da foz do rio é marcada por uma grande biodiversidade, com centenas de espécies que agora são potenciais vítimas do óleo.
"A região da foz do São Francisco é uma importante área de pesca, de alimentação e de desova para diversas espécies. Há espécies migratórias — como aves e alguns cetáceos, como a baleia jubarte, que acabou de passar a temporada perto dessa região — e também é área de reprodução de tartarugas marinhas. Lá é a principal área de desova da tartaruga oliva, por exemplo", explica.
Além do dano à fauna e flora, Sampaio explica que o óleo também pode causar danos a equipamentos de pesca, como redes e boias, ou até mesmo ao casco da embarcação. "Isso também gera um prejuízo socioeconômico muito grande".
O professor diz que o potencial impacto econômico é ainda mais preocupante. "Essa região é bastante pobre e tem no turismo e na pesca do camarão as suas principais atividades econômicas. Os prejuízos podem ser incalculáveis."
Óleo já chegou
A chegada do óleo já é percebida por quem trabalha com pesca em Piaçabuçu, no lado alagoano da foz. O comerciante Tone Madson Melo Barros contou à BBC News Brasil que o petróleo depositado na areia está virando uma pasta grossa e descendo para o fundo da água. "Ou seja, não está mais visível. Grande parte dele está afundando", relata.
Barros afirma que já notou uma diminuição de vida nos corais na região da foz. "De ontem para cá não vimos mais peixes, nem siri, nem caranguejos. E se sumir o camarão vai ser muito preocupante. Estamos todos preocupados", conta.
Ele conta que a falta do que pescar prejudicaria toda cadeia que depende do negócio - de pescadores a transportadores. "Tem também as mulheres que limpam o peixe. Vai ser uma verdadeira catástrofe", afirma.
Segundo Otávio Augusto Nascimento, secretário de Turismo e Meio Ambiente de Piaçabuçu, o óleo continua chegando às praias do município, mesmo com todo o esforço de limpeza. "Chega em volumes menores, mas segue chegando. Hoje mesmo identificamos inclusive uma tartaruga morta coberta de óleo", conta.
Ele afirma que a região do rio ainda é menos prejudicada que outras áreas da cidade. "No rio tem um pouco [de material], mas isso já é um indicativo muito preocupante porque a sensibilidade dele, ambientalmente falando, é muito grande", afirma.
Do lado sergipano, a Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) afirma que pretende instalar boias para tentar evitar uma maior contaminação de vários rios, entre ele o São Francisco.
"Já temos sinais de que [o óleo] entrou na foz do São Francisco, que abastece uma boa parte da população de Sergipe. Essas boias serão uma contenção, que precisa acontecer o mais rápido possível. Nas cidades de Brejo Grande e Ponta do Mangue elas precisam ser utilizadas porque já foi avistado [resquício do óleo]", informa o órgão.
Maior banco de camarões
Na foz do rio existe o maior banco de camarões do Nordeste, que pode sofrer graves consequências com a contaminação. O criador Eduardo Heinisch conta que o medo se instalou entre todos na região.
"Assim como outros criadores de camarão, temos tanques a céu aberto que recebem água na maré cheia. Ou seja, entra água dentro dos viveiros, e essa contaminação é uma coisa muito preocupante não só para os criadores de camarão, mas para toda cadeia produtiva do rio São Francisco", afirma.
O presidente da Associação dos Criadores de Camarão de Alagoas, Luciano Amorim, diz que a morte futura de camarões é uma preocupação.
"O camarão fica no fundo do assoalho marinho. A princípio não vejo uma problemática de mortalidade, mas se isso perdurar, e o óleo sedimentar e for para o fundo, o animal vai ingerir isso com facilidade e vai comprometer o sistema gastrointestinal. Isso pode levar à morte desses animais."
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