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Fortaleza ignora há anos fiscalização prevista em lei para inspeção predial

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

16/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Prevista em lei, fiscalização de prédios foi adiada diversas vezes
  • Dois prédios já caíram em Fortaleza desde a promulgação
  • "Não podemos esperar que caia um terceiro prédio", diz especialista

Em 16 de julho de 2012, a Prefeitura de Fortaleza sancionou uma lei obrigando os prédios a apresentarem, de forma periódica, certificados de vistoria que garantissem a manutenção da estrutura.

Pouco menos de três anos depois, em março de 2015, a queda de uma varanda do edifício Versailles, no bairro da Varjota, causou a morte de um operário.

Ela ilustra a baixa adesão dos prédios à norma, o que levou a prefeitura a criar, por decreto, a inspeção predial para verificar o cumprimento da medida.

As fiscalizações deveriam ter começado em janeiro de 2016, mas houve sucessivos adiamentos.

Resultado: até hoje as ações não começaram e dois acidentes de grande proporção ocorreram na capital cearense.

Em 1º de junho, um prédio desabou parcialmente no bairro Maraponga. Ontem, foi a vez do prédio de sete andares cair no bairro Dionísio Torres.

O CIP (Certificado de Inspeção Predial) é o documento que comprova a realização de vistoria e análise técnica das edificações. Em Fortaleza, todas as edificações residenciais com três ou mais pavimentos ou aquelas de uso coletivo devem ter o documento.

Adiamentos sucessivos

Segundo o site da Agefis (Agência de Fiscalização de Fortaleza), a fiscalização deveria ter começado em janeiro de 2016. Por meio de um decreto, foi adiada para abril de 2017.

O objetivo era que os proprietários ou responsáveis legais das edificações realizassem a vistoria técnica para obter o CIP. Em 2017, outros dois adiamentos vieram, o último deles sem prazo para a retomada da fiscalização.

"Não podemos esperar por mortes. Não sei o que estamos esperando para que se cobre a efetivação dessa fiscalização", afirma o presidente do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) do Ceará, Emanuel Motta.

Fiscalização pressionaria proprietários

O professor de engenharia civil do IFCE (Instituto Federal do Ceará) José Ramalho Torres, especialista em patologia das construções, afirma que a fiscalização poderia ter pressionado os prédios a buscarem a CIP.

"Essa inspeção feita por técnicos capacitados iria amenizar tranquilamente fatos como esse. Faria os prédios terem a documentação formal. Seria uma maneira de pressionar", diz.

Para Torres, já passou da hora de colocar as equipes nas ruas. "Até hoje, a prefeitura não se posicionou. Acho que a prefeitura deveria se movimentar e estudar novamente o caso", afirma.

O que fazer se seu prédio tem problemas?

Para o professor, apesar da omissão do poder público, os moradores de prédios devem ficar atentos a problemas estruturais onde moram —e não só esperar fiscalizações. Ele lembra que há muitos edifícios com mais de cinco anos de existência na capital.

"Tem que partir primeiramente dos condomínios, que têm de encarar isso de maneira mais eficiente. Se tem um problema, tem de acionar a Defesa Civil", diz. "Todo mundo se preocupa com manutenção individual do prédio, mas muitas vezes a coletiva fica em segundo plano. O síndico é o responsável."

Torres ainda defende que os edifícios contratem engenheiros especializados de forma permanente. "Eles dão os indicativos das manutenções a serem realizadas. Todo condomínio deve ter um plano de manutenção preventiva. E a quantidade de empresas de manutenção cresceu assustadoramente em Fortaleza nos últimos anos, temos muitos condomínios fazendo suas manutenções."

Vídeo mostra colunas deterioradas em prédio que desabou em Fortaleza

UOL Notícias

Conselho quer força-tarefa

O presidente do Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo no Ceará, Napoleão Ferreira, concorda e defende a criação de uma espécie de força-tarefa imediata para inspecionar os imóveis na capital.

"Não podemos esperar que caia um terceiro prédio. É preciso de imediato uma intensificação da fiscalização, com a participação do poder público e dos conselhos, para que os condomínios apresentem os laudos periódicos. Não é possível que um novo desastre como esse ocorra", diz.

Ferreira também acredita que o desabamento no edifício Andrea deva servir de alerta para todos que moram em condomínios. "A lei diz que vistoria deve ser feita a cada cinco anos, mas isso é muito arriscado. É preciso que haja um contrato permanente e uma vistoria a cada ano para que se tenha garantia", diz.

Procurada pelo UOL no início da tarde de ontem, a Agefis não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem sobre quando a fiscalização deve ser adotada e qual o motivo dos adiamentos.