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Justiça condena Enel por choque que matou garoto de 10 anos em SP

Torre de alta tensão no Bairro Benoá, em Santana de Parnaíba - Google Street View
Torre de alta tensão no Bairro Benoá, em Santana de Parnaíba Imagem: Google Street View

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

22/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Menino tentou retirar uma pipa de uma torre de alta tensão e acabou eletrocutado
  • A Eletropaulo foi condenada porque o local não tinha proteção
  • Condenação de R$ 300 mil pode chegar a R$ 1,4 milhão com juros e correção

"Ele tinha as mãozinhas queimadas, nem o bonezinho saiu da cabeça." Foi assim que a empregada doméstica Silvia Pereira, 44, descreveu o momento em que se deparou com o corpo já sem vida do filho de dez anos, deitado ao lado de uma torre de alta tensão em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo.

Há uma semana, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu que a responsabilidade pela descarga elétrica que matou Willian Pereira Lourenço é da AES Eletropaulo (atualmente Enel Distribuição São Paulo), condenada a pagar R$ 300 mil aos pais do menino, valor que corrigido pode chegar a R$ 1,4 milhão.

A decisão do TJ se refere a um incidente que remonta ao dia 31 de julho de 2007, quando Willian foi empinar pipa em um terreno por onde passam torres de alta tensão.

As buscas

O menino era o mais velho dos quatro filhos de dona Silvia. "Sempre foi estudioso, educado e obediente", contou a mãe em seu depoimento à Justiça. "Ele chegava da escola em casa sempre às 12h."

Dona Silvia havia proibido o filho de empinar pipa porque "ele já estava com o dedo cortado, machucado". Naquele dia, ele chegou da escola, almoçou e cuidou da lição de casa quando, por volta das 16h45, pediu à mãe para brincar na praça do bairro popular em que vivia, no Jardim Benoá.

Dona Silvia consentiu desde que ele voltasse logo para terminar a lição. Ela também precisou sair de casa, mas quando retornou, por volta das 19h, não encontrou Willian.

A mãe, então, saiu à procura do garoto, mas não o encontrou na praça. Ela passou a perguntar por ele na vizinhança, sem sucesso. Ao lado do marido, ela procurou pelo filho até as 2h da madrugada. "Pedi ajuda à Guarda Municipal, que pediu para esperar 24 horas", contou.

Imagem aérea do centro histório de Santana de Parnaíba, na grande São Paulo - Prefeitura/Divulgação - Prefeitura/Divulgação
Imagem aérea do centro histório de Santana de Parnaíba, na grande São Paulo
Imagem: Prefeitura/Divulgação
Em casa, ela não conseguiu pegar no sono. "Fiquei imaginando mil coisas porque ele nunca tinha sumido." Ainda em jejum, ela voltou às ruas para procurar pelo filho até que às 14h do de 1º de agosto a notícia chegou: o menino foi avistado perto da torre de alta tensão, morto.

"As pernas começaram a tremer, passei mal", contou. Como não conseguia acreditar na notícia, ela decidiu ir até o locar para ver com os próprios olhos.

Ele tinha as maõzinhas queimadas, nem o bonezinho saiu a cabeça dele, nem o chinelinho...
Silvia Pereira, mãe do menino

O corpo estava caído a cerca de três metros de distância da torre com uma vara de bambu a seu lado. "Ele viu uma pipa presa à torre e usou o bambu para tentar retirá-la de lá, quando tomou o choque", contou ao UOL Emerson Moreira, advogado da família.

Por que a companhia elétrica foi condenada?

O relator do caso, o desembargador Maurício Fiorito, decidiu que a companhia elétrica tem responsabilidade porque "o local era desprovido de proteção", tinha "livre acesso pela população" e, somente "após o ocorrido, a requerida [Eletropaulo] cercou o local com muros e portões para evitar a aproximação das pessoas às torres".

Em sua defesa, a então empresa afirmou ter ocorrido "culpa exclusiva da vítima" e que não possui responsabilidade pela morte.

Pelas provas produzidas nos autos, restou cabalmente demonstrada a culpa da Eletropaulo, pois tem o dever de fiscalizar e manter em ordem a área de servidão administrativa sob sua responsabilidade, sendo que não o fez, permitindo o livre acesso de cidadãos em área de elevado risco de eletrocussão
Maurício Fiorito, Relator

Indenização pode chegar a R$ 1,4 milhão

À época, a família pediu indenização de R$ 500 mil, mas a Justiça fixou em R$ 300 mil acrescido de correção monetária e 1% ao mês a contar de 1º de agosto de 2007.

Segundo os cálculos do advogado da família, "o valor gira hoje em torno de R$ 1,4 milhão", mas o cálculo só será feito se a Enel não recorrer do processo. "A empresa ainda pode contestar o valor em instâncias superiores, mas não o fato, a culpa, que não pode ser revista após decisão em segunda instância", diz Moreira.

Procurada, "a Enel Distribuição São Paulo informa que está analisando a decisão judicial".