Com velórios vazios, cemitério do Rio reserva área para mortos por covid-19
Resumo da notícia
- Coveiros são treinados para evitar risco de contágio em enterros de vítimas do coronavírus
- Em isolamento, parentes e amigos usaram WhatsApp para prestar homenagens em velórios no Caju
- Idosa com suspeita de infecção foi enterrada, apesar da orientação da prefeitura por cremação
Uma placa anuncia: "Área de segurança: acesso restrito". Ali, no Cemitério do Caju, na zona norte do Rio, há um espaço de 50 m² —a área pode ser até triplicada, se necessário — reservado exclusivamente aos enterros de pessoas mortas em decorrência do novo coronavírus. Ontem, o Ministério da Saúde divulgou que já ocorreram 201 óbitos por covid-19 em todo país.
O medo tomou conta dos velórios até de mortes sem qualquer causa relacionada à pandemia —os velórios no Caju estão atraindo poucas pessoas e há quem preste as últimas homenagens pelo WhatsApp. O UOL acompanhou ontem a rotina de uma das maiores necrópoles do país, onde há 84 mil sepulturas.
Responsável pela capacitação de oito coveiros, o técnico do trabalho Eduardo Luiz Santos acompanhava à distância uma simulação feita por dois deles, que colocaram roupas especiais para evitar o contágio em sepultamentos de vítimas da covid-19.
Os trajes envolvem macacão descartável, botas, luvas, óculos e uma máscara. Para garantir a higienização das mãos, aplicavam álcool em spray. Após o uso, parte do material era descartada em um galão branco.
Colamos informativos nos murais e espalhamos álcool em gel pelos corredores. Estamos fazendo o possível para que os funcionários não contraiam esse vírus. Até o pessoal do administrativo está usando máscara e luvas para trabalhar
Eduardo Luiz Santos, técnico do trabalho
Só parentes mais próximos
As capelas, que costumam estar lotadas, refletem o cenário de isolamento e temor por causa da disseminação do vírus. Apenas três corpos estavam sendo velados no fim da manhã de ontem. E só por parentes mais próximos.
Um deles era o de Ilson da Fonseca, 72, vítima de um infarto. Amigos e parentes usaram a internet para prestar as últimas homenagens, em mensagens enviadas pelo WhatsApp para o médico Rodolfo Fonseca, 39, fillho de Ilson. Houve, inclusive, pessoas com suspeita de covid-19 que deixaram de ir ao enterro.
Restringimos o velório para evitar aglomeração. Mas uma pessoa com falta de ar e outras três ou quatro com gripe não vieram porque estão em quarentena
Rodolfo Fonseca, sobre o enterro do pai
Celebrante barrada nos velórios
Nem a celebrante Diná de Oliveira, 69, que costuma rezar com as famílias, conseguia acesso aos velórios. "O meu serviço é parecido com o de um padre. Eu entro nos velórios, faço celebração e consolo as famílias", explicou ela, com um crucifixo no peito, luvas nas mãos e uma máscara no rosto.
Ainda pela manhã, um homem dizia a funcionários de uma funerária que o velório da sua mãe também seria restrito a algumas pessoas. "A gente precisa se cuidar por causa desse vírus aí", argumentou.
Mas nem todo mundo adotava esse comportamento. Após o enterro de Marly Ferreira, 70, vítima de um AVC, a autônoma Lilian Ferreira, 43, filha de Marly, se despedia de amigos e parentes com abraços e beijos no rosto.
"Impossível evitar o carinho das pessoas, porque é um momento de dor. Não acho que tenha risco [de contágio por coronavírus]."
Como evitar contágio em velórios e enterros
A OMS (Organização Mundial da Saúde) faz uma série de recomendações sobre o contato com corpos de vítimas do coronavírus. Profissionais responsáveis pelo manejo do corpo para o sepultamento devem usar luvas e lavar as mãos com água e sabão após o enterro.
Parentes não devem tocar ou beijar o corpo e também são orientados a lavar as mãos. A recomendação é de que seja mantida distância de 1 m. Pessoas com problemas respiratórios devem evitar enterros, orienta a OMS. Se forem, devem usar roupa apropriada para minimizar os riscos de contágio no local.
Em entrevista ao UOL, o infectologista Edimilson Migowski orientou as pessoas a evitar abraços ou beijos em velórios e enterros.
Existe o risco de o parente também ter sido contaminado. O uso de máscara é só um detalhe. O perigo maior é o contato físico e respiratório entre as pessoas na aglomeração de um velório
Edimilson Migowski, infectologista
O especialista também alertou para a possibilidade de a pessoa morta em decorrência da covid-19 ainda causar infecção. "Mas o vírus não vai pular do cadáver. Por isso, as pessoas devem evitar tocar ou beijar o corpo", recomendou.
Prefeitura orienta que seja feita cremação
A Concessionária Reviver, administradora de sete cemitérios no Rio, adotou medidas de segurança para os serviços funerais durante a pandemia. Foram criadas áreas isoladas para carros funerários com corpos de pessoas que morreram com suspeita do coronavírus. Há ainda quatro fornos crematórios com capacidade para 60 cremações por dia no Cemitério do Caju.
Na semana passada, a coordenadoria de cemitérios da Prefeitura do Rio orientou que corpos de mortos com suspeita de coronavírus fossem cremados. Também há a recomendação para que enterros sejam feitos em gavetas ecológicas, caso a pessoa tivesse marca-passo ou similares, o que impede a cremação. Mas, na prática, a realidade é outra.
Na madrugada de ontem, uma idosa de 91 anos com diabetes morreu em decorrência de uma pneumonia e de uma sepse pulmonar. Acabou sendo sepultada à tarde no Cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul carioca.
Procurada, a Prefeitura do Rio disse que há apenas uma orientação para que os corpos sejam cremados. E que as famílias devem arcar com os custos.
Era comum ver pessoas nos sepultamentos com máscara de proteção no rosto, como o advogado Gustavo Barreira, 23. Ele estava em frente à administração do São João Batista para providenciar o enterro do pai, que morreu ontem de manhã após sofrer um mal súbito.
"Estamos nos preparando para ter um velório bem restrito, só para as pessoas mais próximas."
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