Cerveja na calçada, ruas mais barulhentas: quarentena perde força em SP
O isolamento social vem dando sinais de enfraquecimento na maior capital do país. Decretada pelo prefeito Bruno Covas e pelo governador João Doria em 24 de março, a restrição a atividades comerciais e de ensino em São Paulo foi prorrogada até o próximo dia 22.
Na região central da metrópole, no entanto, a impressão nesta segunda-feira é que se isolar já não é mais a ordem do dia: há mais carros nas ruas e mais barulho nas calçadas, e fatores como as falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a proliferação de notícias falsas têm influenciado no movimento, segundo relatos à reportagem.
O comerciante Jorge de Souza, 60, foi um dos que percebeu aumento na circulação de pessoas em São Paulo. Ele vive em uma ocupação na rua Barão de Itapetininga e tem um box em uma galeria na mesma rua, focado em conserto de celulares. Após a imposição da quarentena, Souza colocou um pequeno banco na frente da galeria fechada e agora utiliza uma placa para oferecer seus serviços.
"Sei que estou fora da lei, mas não posso parar de trabalhar. É aquela coisa, obedece quem pode", diz, afirmando que, após a fala do presidente, notou uma maior circulação no centro histórico. "Ele influencia as pessoas, né?"
Autodeclarado "bolsonarista roxo" e defensor do isolamento de apenas uma parcela da população — medida defendida pelo presidente da República, Nicholas de Almeida, 46, teve o contrato com a loja onde trabalha no centro suspenso. Desde então, tem feito a segurança de um prédio próximo ao Viaduto do Chá. Para ele, as restrições já deveriam ter acabado "faz tempo", e o governador João Doria (PSDB) é um "lixo humano".
"Nem político e nem mídia conseguem influenciar mais as pessoas. O que tem é o seguinte: a pessoa ouve o Bolsonaro, depois vê que a OMS [Organização Mundial da Saúde] tá falando a mesma coisa, e até a oposição tá falando...eu detesto o Drauzio Varella, mas ele já falou também. Então são as redes sociais, as informações que circulam lá que influenciam", diz.
No último dia 31, o presidente chegou a citar Tedros Adhanom, diretor da OMS, para dizer que os trabalhadores informais deveriam voltar ao trabalho. Ele, no entanto, omitiu parte da fala e manipulou os argumentos de Adhanom, que defende isolamento social para evitar a proliferação do coronavírus, mas pediu que os países ajam para garantir sustento a camadas mais pobres.
A posição de Drauzio Varella citada tem relação com um vídeo gravado pelo médico em janeiro, antes de a pandemia se alastrar. O vídeo foi tirado de contexto por políticos alinhados ao bolsonarismo, como o ministro Ricardo Salles, e foi desmentido por Varella.
Na frente de um pequeno mercado na rua 7 de abril, Wendel Campos, Fernando Amorim e Diego Fernandes discutiam sobre o isolamento na capital. Com os botecos da cidade cerrados, eles aproveitaram a necessidade de trabalhar presencialmente hoje para tomar uma cerveja após o expediente.
Todos trabalham para uma empresa de recursos humanos e estão de home office, mas tiveram que cumprir o horário no escritório da empresa nesta segunda. "É ruim, a gente sabe que é ruim. Mas é o necessário, não tem muito o que fazer", diz Campos, prontamente acompanhado pelos colegas.
"Hoje foi uma exceção", completa. Os três funcionários não acreditam que há influência das falas de Bolsonaro nas atitudes das pessoas em relação ao isolamento e dizem que o medo está falando mais alto.
Governo admite maior circulação
O aumento na circulação foi notado pelas equipes de Covas e Doria.
O governador afirmou que usará a polícia para orientar a população que volta a circular, e Covas afirmou lacrará os estabelecimentos comerciais que desobedecerem às proibições.
Em entrevista coletiva hoje, o infectologista do Emilio Ribas, Luiz Carlos Pereira Júnior, afirmou que "tem notado maior movimentação nas ruas" e alertou para que todos permaneçam em casa.
O governo tem se pautado na análise de especialistas como Pereira Junior, além de pesquisas que mostram que o isolamento tem reflexos diretos na diminuição do contágio.
Um destes estudos, encabeçado pelo Instituto Butantan, mostra que o distanciamento social diminui em 25% a taxa de contágio em São Paulo; o auto isolamento diminui em 50% e o fechamento das escolas reduz entre 25% e 30%.
*Colaborou Felipe Pereira, do UOL em São Paulo
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