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RJ: Jovem negro que ficou sob mira de fuzil de PM é entregador e faz poesia

Jorge Hudson da Silva, de 27 anos, ficou sob a mira do fuzil de um policial militar ontem durante o protesto Vidas Negras Importam - VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Jorge Hudson da Silva, de 27 anos, ficou sob a mira do fuzil de um policial militar ontem durante o protesto Vidas Negras Importam Imagem: VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

01/06/2020 21h05

Jorge Hudson da Silva, de 27 anos, é o homem negro que ficou sob a mira do fuzil de um policial militar ontem durante o protesto Vidas Negras Importam, que terminou em confusão no bairro de Laranjeiras, na zona sul do Rio. A região abriga o Palácio Guanabara — sede do governo do estado. Hudson havia acabado de fazer uma entrega, via aplicativo, em um bairro próximo — em Santa Teresa, quando resolveu participar da manifestação. Nas imagens gravadas por um cinegrafista da Globo News, ele aparece cercado por diversos policiais. Um deles, com um fuzil, aponta a arma para o manifestante que estava desarmado e com as mãos para o alto.

"Ele vai atirar. Foi o que eu pensei na hora quando vi aquele fuzil apontado para mim. Eu nem sei por qual motivo aqueles policiais estavam com aquelas armas em um protesto. Aquilo não é armamento que se use em manifestação", contou o manifestante, que mora na comunidade Santo Amaro, no bairro do Catete, na zona sul do Rio.

"A polícia chegou com a mesma truculência que chega sempre na favela. Sabe qual a diferença? É que dessa vez foi na rua, de dia, na frente de todo mundo. Na favela a gente não tem imprensa, não tem filmagem, não tem nada", lamentou o entregador, que foi acusado de quebrar o vidro de uma viatura da PM — hipótese já descartada.

"Eu nem sei onde estavam as viaturas que eles falaram. Eu nunca tinha sido preso na minha vida. Minha ficha era mais limpa que a dos governadores do Rio", brincou, em referência aos ex-governadores que foram presos.

Entregador viu renda despencar

Hudson trabalha há um ano e meio como entregador de aplicativo e viu a renda despencar após ter a bicicleta, que usava para fazer as entregas, roubada. O valor que ganhava por dia caiu pela metade. Segundo ele, a pandemia ajudou também a reduzir o número de refeições feitas diariamente.

"Muita gente ficou desempregada e acabou vindo buscar emprego na entrega por aplicativo. Além disso, quando roubaram minha bicicleta, passei a fazer as entregas a pé e aí acabo demorando mais e atendendo menos pessoas. O entregador que tem bicicleta tem prioridade para atender", contou.

Hudson tem uma filha de quatro anos, é rapper e escreve poesias. Ele integra o Vulgo Coletivo e lançará amanhã uma poesia rimada que trata justamente da discriminação sofrida por negros. Ele disse que compôs a letra há dois anos.

"Aquilo eu via, decidi escrever, já tinha visto aquela cena [armas apontadas para pessoas negras] várias vezes. Passaram dois anos e nada mudou. A cor continua a determinar quem acham que você é".

Hudson, que foi ao protesto para reivindicar igualdade, disse que por várias vezes já foi visto com desconfiança. "Se você entra numa loja, o segurança começa a te seguir, fala no rádio em código, você passa por alguém, seguram a bolsa mais firme. Eu não sou bandido. Eu não sou bicho", desabafou.

Amparado por advogado

O caso de Hudson está sendo acompanhado pelo advogado, Rodrigo Mondego, representante da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). De acordo com a defesa, ele foi acusado de crimes de menor potencial ofensivo.

"Ele foi acusado de resistência e posse de entorpecentes. Foi uma ponta de maconha que acharam no bolso dele. Vai responder em liberdade e o máximo que pode acontecer, já que ele não tem passagem pela polícia, não tem anotação criminal, é pagar uma cesta básica, se for o caso", disse o advogado.

Procurada, a PM informou que o militar "responderá administrativamente por ter ferido o protocolo interno ao apontar seu fuzil para um homem desarmado".

Manifestação

Um protesto foi realizado na tarde de ontem, em frente ao Palácio Guanabara - sede do governo do estado, localizado no bairro de Laranjeiras, na zona sul do Rio. O ato questionava a vida do adolescente João Pedro, morto dentro da casa de um parente, na cidade de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. O ato Vidas Negras Importam terminou com a polícia lançando bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Alguns integrantes do ato responderam com arremessando pedras.

Em vídeo que circula na internet, Hudson aparece sendo levado para próximo de uma viatura. "Só fica assim da minha cor. Só morre assim quem é da minha cor. Se for branco, morador de prédio, não fica. Essa é a minha revolta. Todo mundo morrendo nessa guerra inútil".