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Jovem dobra meta de doação após ter fuzil apontado para ele em protesto

Jorge Hudson teve fuzil apontado contra ele por policial no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal
Jorge Hudson teve fuzil apontado contra ele por policial no Rio de Janeiro Imagem: Arquivo pessoal

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

03/06/2020 14h41

O entregador de aplicativo Jorge Hudson, que ficou sob a mira do fuzil de um PM no último domingo (31), durante um protesto na zona sul do Rio, conseguiu em apenas 24 horas dobrar o valor pedido em uma vaquinha virtual para comprar uma bicicleta motorizada que vai ajudar no trabalho dele.

Jorge trabalha há um ano e meio como entregador de aplicativo e estava levando os lanches para os clientes a pé, já que a bicicleta que usava para trabalhar foi furtada recentemente.

A vaquinha virtual começou na manhã de ontem com meta de R$ 2.000. A ideia era comprar uma bike motorizada simples e equipamento de segurança. O valor foi arredondado para menos do que ele precisava. "Fiquei com medo de acharem que estava abusando", disse ao UOL.

No fim do dia, o site já marcava a arrecadação de R$ 2.300. No dia seguinte, o valor mais que dobrou e chegou a R$ 4.875 às 10 horas da manhã. Hudson vai receber o valor direto na conta com o desconto das taxas acordadas pelo site.

Na manhã de hoje, ele contou que desde que foi detido na manifestação "Vidas Negras Importam" recebeu muito apoio e carinho de todos. O entregador chegou a receber a doação de cinco bicicletas comuns. As bikes foram entregues por ele a amigos que também precisavam de ajuda.

"Eu tenho um grupo de mais de 90 pessoas. Olhei lá os que mais precisavam e dei as bikes, pois a vaquinha já estava rolando na internet. Eu ia conseguir dinheiro para comprar a motorizada. Então, peguei um amigo meu desempregado, inscrevi ele no aplicativo de entrega e dei a bike para ele. Assim, ele vai poder começar a trabalhar".

Hudson, que estava com a conta zerada antes de ser detido pela PM durante o protesto, disse que a todo momento é procurado por alguém querendo ajudar.

"Já depositaram dinheiro na minha conta, já me pagaram um pacote de internet no celular, pois o meu acabou no meio de uma chamada de vídeo. Já tô recusando ajuda, pois têm outras pessoas que precisam mais do que eu neste momento".

Com as doações, o entregador já conseguiu pagar o aluguel de R$ 800 com ajuda da esposa, que está desempregada, e conseguiu receber os R$ 600 de auxílio emergencial do governo. Além disso, ele conseguiu pagar as parcelas de uma câmera e do celular que usa para trabalhar.

"Essa câmera aqui eu tô a vida toda pagando. Tá dividida no cartão [de crédito] da minha avó, também precisei comprar um celular, pois o outro tinha quebrado [durante] uma entrega. Tô endividado e pagando tudo".

Emocionado, Hudson agradeceu as doações e segue ajudando amigos e colegas.

"Eu tô muito feliz, alegre e principalmente esperançoso. Antes disso tudo acontecer, eu achava que o ser humano tinha perdido a compaixão. Agora vejo que tem muita gente boa. Os governantes sujaram minha ficha, mas a massa se reuniu e fez muito mais o que os governantes fizeram por mim a vida toda".

Rap e poesia

Além de fazer entregas, o jovem canta rap e escreve poesias. Ele é morador da comunidade Santo Amaro - localizada no bairro do Catete, na zona sul do Rio. O jovem integra o Vulgo Coletivo e diz que há dois anos compôs uma música que abordava justamente a truculência da polícia.

"Aquilo eu via, decidi escrever, já tinha visto aquela cena [armas apontadas para pessoas negras] várias vezes. Passaram dois anos e nada mudou. A cor continua a determinar quem acham que você é".

Jorge Hudson, de 27 anos, ficou sob a mira de um fuzil em protesto no Rio de Janeiro - VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Jorge Hudson, de 27 anos, ficou sob a mira de um fuzil em protesto no Rio de Janeiro
Imagem: VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Hudson já trabalhou como coveiro, na limpeza de academias, em área de manutenção e também já integrou o pelotão de obras do Exército, entre 2012 e 2013.

Ontem mesmo, ele recebeu R$ 40 para ajudar a carregar material de construção na comunidade - "Aqui [na favela] a gente ganha dinheiro assim também", contou.

Trabalhando como entregador, ele não conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial do governo, pois devido a uma falha, o sistema indica que ele ainda serve às Forças Armadas.

Fuzil apontado em protesto

Hudson havia acabado de fazer um entrega em um bairro vizinho onde mora quando decidiu participar do ato reivindicando igualdade que ocorria em frente ao Palácio Guanabara - sede do governo do estado do Rio, localizado no bairro de Laranjeiras - na zona sul da cidade.

O protesto terminou em confusão. PMs atiraram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar manifestantes. Alguns revidaram com pedras. Na confusão, Hudson foi detido acusado de danificar o vidro de uma viatura - hipótese já descartada. Neste momento, rodeado por policiais, com as mãos já para o alto, um policial apontou um fuzil para ele. As imagens rodaram a internet.

Mesmo rendido e sem apresentar resistência, Hudson foi detido e encaminhado para a delegacia. No trajeto até a viatura, ele disse aos policiais que estava sendo detido pela cor.

"Só fica assim [quem é] da minha cor. Só morre assim quem é da minha cor. Se for branco, morador de prédio, não fica. Essa é a minha revolta. Todo mundo morrendo nessa guerra inútil."

O caso de Hudson está sendo acompanhado pelo advogado Rodrigo Mondego, representante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). De acordo com a defesa, ele foi acusado de crimes de menor potencial ofensivo.

"Ele foi acusado de resistência e posse de entorpecentes. Foi uma ponta de maconha que acharam no bolso dele. Vai responder em liberdade e o máximo que pode acontecer, que a gente espera, já que ele não tem passagem pela polícia, não tem anotação criminal, é pagar uma cesta básica, se for o caso", disse o advogado.

Procurada, a PM informou que o militar "responderá administrativamente por ter ferido o protocolo interno ao apontar seu fuzil para um homem desarmado."