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SP: homicídios sobem e letalidade policial bate recorde

Policial civil do DHPP foi ao local onde dois foram mortos por policiais da Rota - 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress
Policial civil do DHPP foi ao local onde dois foram mortos por policiais da Rota Imagem: 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

24/07/2020 16h44Atualizada em 24/07/2020 20h28

A polícia de São Paulo nunca matou tanto no primeiro semestre quanto em 2020, sob gestão do governador João Doria (PSDB). No mesmo período, o número de vítimas de homicídios dolosos (quando há intenção) e o número de policiais mortos também subiu. Esses índices costumavam ser utilizados como referências positivas dos governos tucanos até pelo menos 2018.

De acordo com dados divulgados pela SSP (Secretaria da Segurança Pública) na tarde de hoje, as polícias Civil e Militar mataram, juntas, 514 pessoas em supostos tiroteios, durante o serviço e também durante a folga, de janeiro a junho. É o maior número da série histórica do governo paulista, que iniciou em 2001.

No mesmo período, 28 policiais foram assassinados, mesmo índice registrado em 2018.

Além disso, o número de vítimas de homicídios dolosos também saltou: de 1.465 no primeiro semestre do ano passado para 1.522 no mesmo período deste ano. Mas apresentou queda se comparado ao ano de 2018, quando 1.570 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos no estado paulista.

Para Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), "os dados mostram que a política de segurança pública em São Paulo está com sérios problemas". "Aumento de letalidade, aumento de homicídios e aumento de policiais mortos, ou seja, é uma política que não preserva a vida. Tudo isso é muito preocupante", disse.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, criticou a letalidade policial: "em apenas seis meses foram mais de 500 mortos em intervenções policiais, novo recorde histórico e que coloca a letalidade da polícia de São Paulo nos patamares de 1992, ano do Carandiru. A polícia está completamente sem controle e os policiais também morrendo".

A reportagem pediu à SSP uma entrevista com o secretário da pasta, o general João Camilo Pires de Campos, para que ele fale sobre o assunto. Até esta publicação, a secretaria não se manifestou.

Política de segurança pública

João Doria foi eleito governador de São Paulo nas eleições de 2018 afirmando que, durante sua gestão, a polícia iria "atirar para matar". No dia em que foi eleito, prometeu "os melhores advogados" aos policiais que matam no estado. Depois, elogiou ação da polícia com 11 suspeitos mortos e afirmou que a redução da letalidade policial seria algo que poderia acontecer, mas sem obrigatoriedade.

Após uma série de casos de violência policial registrados em vídeos, Doria mudou sua postura. Ele se diz chocado, afirma que o estado de São Paulo não tem comprometimento com o erro e indica o afastamento imediato daqueles que ele afirma considerar "maus policiais". O governador também defende que São Paulo tem a melhor e mais preparada polícia do país, mas determinou o retreinamento dos agentes paulistas no último mês.

O recorde da letalidade policial ocorreu no mesmo período em que o departamento jurídico da Polícia Militar fez uma interpretação na lei federal do pacote anticrime em que determinava a suspensão das investigações de PMs que matam caso eles não nomeassem um advogado em até quatro dias, conforme revelou o UOL em 14 de julho deste ano. O MP (Ministério Público), no entanto, orientou ontem, baseado na reportagem, que as investigações devem prosseguir.

Ao todo, segundo juízes civis e militares, mais de 300 inquéritos policiais militares envolvidos em ocorrências com mortes estavam travados. A expectativa é que os casos sejam destravados e apreciados pelo Ministério Público, que poderá, inclusive, oferecer denúncia contra os policiais mesmo se eles não apresentarem advogados. Investigadores dizem que PMs que sabiam da manobra jurídica estavam se valendo dela para atrasar as investigações.

Investigadores citam, como exemplo, os policiais que estão sendo investigados pelas mortes dos nove jovens na favela de Paraisópolis, ocorridas durante um baile, em dezembro do ano passado. 31 PMs estavam envolvidos. Seis oficiais não nomearam advogados e a investigação atrasou. Por causa disso, eles começaram a ser ouvidos apenas sete meses depois do caso.

Reunião do Conselho Superior do MP

Em uma reunião do Conselho Superior do MP, o conselheiro Arual Martins afirmou que "policiais militares estão usando de estratagema para que essas investigações sejam paralisadas e as prescrições corram soltas" e que "todos os inquéritos policiais militares estão paralisados desde fevereiro e março do presente ano e vê-se que toda semana a questão da violência e letalidade policial".

O procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, afirmou na ocasião ter "convicção de que a violência policial militar só diminuirá quando a punição atingir a cadeia de comando, pois se há abuso na rua, não pode haver leniência no comando do batalhão para esse tipo de tipo de violência".

Ele também disse que houve um impulsionamento nas eleições de 2018, "aumentando a violência policial com as diretrizes que vêm de Brasilia, em prol de armamento, violência, com legítima defesa diferenciada em projeto de lei anticrime".

O conselheiro Pedro Henrique Demercian complementou o argumento do PGJ criticando a postura do governador João Doria (PSDB), dizendo que ele foi eleito com plataforma de recrudescimento no combate à criminalidade e com uma Polícia Militar forte, mas que se omitiu durante todo esse tempo até que os fatos começaram a vir à tona porque a violência policial agravou.

"O governador do estado, como comandante maior, tem que se posturar, pois uma de suas bandeiras de eleição, assim como a do âmbito federal, foi o recrudescimento do combate à criminalidade, os guardas noturnos empoderados", afirmou o procurador Demercian.

SSP diz que "confronto" não é opção dos policiais

O UOL pediu entrevista com o secretário de Segurança, general João Camilo Pires de Campos, que não atendeu à reportagem.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou sobre a letalidade "que o confronto não é opção dos policiais, que atuam para prender e levar à Justiça aqueles que infringem e Lei. Todas as ocorrências de MDIP [mortes decorrentes de intervenção policial] são analisadas pelas instituições, rigorosamente investigadas e comunicadas ao Ministério Público" e que o número de policiais mortos no período saltou de 16 para 28.

A SSP afirma que "tem atuado para combater à criminalidade e reduzir os indicadores criminais, incluindo os crimes contra a vida. Ao longo dos últimos 20 anos, o Estado registrou uma diminuição de mais de 80% tanto no número de casos quanto de vítimas de homicídios dolosos. As atuais taxas destes indicadores em São Paulo estão entre as menores do país", segundo a pasta.

Em seguida, a nota divulga números de prisões, apreensões de armas irregulares, "incluindo 43 fuzis" e a apreensão de 100 toneladas de drogas retiradas das ruas e a redução de furtos, estupros, roubo de carga e de veículos no período.

O UOL pediu posicionamento do governo estadual sobre as declarações e aguarda retorno.