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"Minha raça tem álbum": jovem preso por foto em rede social escreve carta

Primeira parte da carta de Angelo Gustavo Pereira, produtor cultural preso após ser condenado com base no reconhecimento fotográfico informal feito por meio de fotos em redes sociais - Arquivo Pessoal/Angelo Gustavo Pereira
Primeira parte da carta de Angelo Gustavo Pereira, produtor cultural preso após ser condenado com base no reconhecimento fotográfico informal feito por meio de fotos em redes sociais Imagem: Arquivo Pessoal/Angelo Gustavo Pereira

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

21/09/2020 16h43

Preso após ser condenado com base no reconhecimento fotográfico informal feito por meio de fotos em redes sociais, o produtor de eventos Angelo Gustavo Pereira, 28, escreveu uma carta em que questiona se ele foi mais uma vítima de racismo.

O jovem negro foi preso em 2 de setembro depois de ser condenado a seis anos por um assalto a mão armada ocorrido em 2014. Na carta escrita de próprio punho e entregue aos advogados na sexta-feira (18), o produtor questiona se seria preso injustamente caso fosse loiro de olhos claros.

A Justiça no Brasil não tem como entender. É tanto preconceito, já não tem pra onde correr. Será que é o tom da minha pele? Ou o jeito que me visto? Se eu fosse loiro dos olhos azuis não passaria por isso! Fico muito indignado, minha raça tem um álbum (...)
Angelo Gustavo Pereira, produtor de eventos

A mãe dele, Elcy Leopoldina, contou ao UOL que ainda não conseguiu visitar o rapaz no presídio Tiago Teles, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, pois a carteirinha que dá acesso ao local ainda não ficou pronta. Gustavo está preso há 19 dias e, até o momento, só recebeu visitas dos advogados. "Essa carta me tocou tanto, ele fala do racismo, do preconceito pela cor da pele, que é muito sério", diz ela.

Meu filho está com crise de ansiedade, chora o tempo todo pedindo por justiça. A filha dele [de seis anos] pergunta todo dia pelo pai, a irmã dele, de dez anos, chora o tempo todo. A família inteira está dilacerada. Minha irmã, que criou ele junto comigo, teve um AVC [Acidente Vascular Cerebral] quando soube da prisão, está hospitalizada, em estado grave. Meu filho nem sabe disso. Tudo é angustiante, eu rezo o tempo todo para acabar, porque meu filho não merece isso
Elcy Leopoldina, mãe de Angelo Gustavo Pereira

A defesa do produtor cultural tenta agora uma nova ação na Justiça para "desconstruir todo o processo que foi julgado com base na premissa equivocada".

Carta de Angelo Gustavo Pereira, produtor de eventos negro preso após ser condenado com base no reconhecimento fotográfico informal feito por meio de fotos em redes sociais

Foto em rede social

Angelo Gustavo Pereira foi condenado por roubo de carro a mão armada no Rio de Janeiro, após ter sido identificado pela vítima em uma foto das redes sociais. O reconhecimento fotográfico é a única prova contra ele.

De acordo com os fatos narrados em juízo, homens em três motos participaram da abordagem de um motorista na Praia do Flamengo, em 27 de agosto de 2014, por volta de 22h. O carro foi localizado dois meses depois em um endereço próximo. Dentro do veículo, estavam documentos de outro homem, que virou réu no processo após ter sido identificado pela polícia.

angelo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Angelo Gustavo Pereira, produtor cultural de 28 anos, foi condenado por roubo a mão armada com base apenas no reconhecimento fotográfico informal da vítima a partir de fotos em rede social
Imagem: Arquivo Pessoal

Em uma pesquisa nas redes sociais deste primeiro suspeito, a vítima encontrou fotos dele com Pereira e acionou a polícia avisando se tratar de um dos envolvidos no crime.

A defesa aponta diversos erros no processo. A advogada, Clarice Oliveira, diz que a polícia não investigou o caso.

"Gustavo foi condenado por estar na foto de outro suspeito, a polícia nunca investigou o caso. As câmeras do local nunca foram solicitadas pela polícia. Anos depois, quando solicitadas em juízo, as imagens já não existiam mais. Não tem nada que comprove a situação dele neste crime", afirma a advogada que começou a atuar no caso no dia da prisão do produtor. Até então, ele havia sido representado apenas pela Defensoria Pública, por acreditar que se tratava de um engano que seria rapidamente esclarecido.

Testemunhas de defesa também atestaram à Justiça que, na noite do assalto, Pereira estava debilitado e não tinha condições de estar em uma moto. Ele havia sido submetido a uma cirurgia no pulmão um mês antes. Na noite do assalto, o rapaz esteve também na missa de sétimo dia do melhor amigo. No entanto, os argumentos não foram suficientes para livrar Pereira da prisão.