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Tour sobre cultura negra em São Paulo é seguido e filmado pela PM por 3 h

Passeio turístico sobre cultura negra no centro de SP foi seguido e até filmado por PMs, que julgaram ser uma manifestação - Arquivo Pessoal
Passeio turístico sobre cultura negra no centro de SP foi seguido e até filmado por PMs, que julgaram ser uma manifestação Imagem: Arquivo Pessoal

Ruam Oliveira

Colaboração para o UOL, de São Paulo

27/10/2020 09h34

No último sábado (24), integrantes da empresa BlackBird Viagem foram filmados por policiais militares enquanto realizavam uma caminhada guiada por diferentes pontos da cidade de São Paulo para recontar a história e a cultura negra. Entre o bairro da Liberdade e o Largo do Paissandú, distantes cerca de 3,5 km, foram por aproximadamente 3 horas.

De acordo com Guilherme Soares Dias, sócio fundador da empresa, o grupo de 12 pessoas foi abordado pela PM, que informou ter recebido um ofício de que haveria uma manifestação. Ao UOL, ele disse que se sentiu coagido com a presença dos policiais.

"É uma caminhada anunciada como produto turístico, e não uma manifestação. Em nenhum momento isso está dito. Talvez o nome possa remeter a isso, mas é um 'walking tour', explica.

Procurada pela reportagem na manhã de segunda-feira (26), a Polícia Militar respondeu um dia depois. Apesar de o grupo formado por turistas e guias ter pouco de dez pessoas, a PM informou ter feito o monitoramento por se tratar de "uma grande concentração de público":

A PM esclarece que, por se tratar de um evento com uma grande concentração de público, foi realizado o acompanhamento como regularmente é feito a fim de garantir a segurança do grupo e demais cidadão
Polícia Militar de São Paulo

Monitoramento

O passeio passa por lugares que ajudam a reconstituir a presença da população negra na capital paulista, como o antigo Morro da Forca e a Igreja Nossa Senhora dos Enforcados, ambos no bairro da Liberdade, além da estátua da Mãe Preta, que fica em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Paissandú.

Assim que foi abordada pelos policiais, a equipe responsável pela atividade achou que a intervenção pudesse ter relação com a covid-19, já que o tour é realizado em grupo. Os quatro policiais, em motos, descartaram que se tratasse de uma ação sanitária. Ao final do percurso, o grupo era vigiado por três PMs

Essa caminhada fala da cultura negra e também do racismo estrutural. A gente comentou que estava vivendo uma situação de racismo estrutural enquanto falava sobre ele."
Guilherme Soares Dias, sócio fundador da BlackBird

Incomodados, os guias turísticos tentaram despistar o monitoramento. Primeiro, entraram na Casa PretaHub, espaço destinado a abrigar startups e artistas negros, mas a polícia os esperava do lado de fora.

Depois, usaram a passagem do metrô Anhangabaú para ir do vale à rua Coronel Xavier de Toledo. Esperavam que, motorizados, os PMs não os seguiriam. Entretanto, os agentes se comunicaram por rádio e já os esperavam na saída da estação.

"Acho que é perigoso para a cidadania das pessoas e ao mesmo tempo é ruim para o mercado, ruim para São Paulo, que é plural", afirma a turismóloga Beliza Andrade.

Ela escolheu o passeio para mostrar a cidade a dois primos que vieram de outro estado. Para ela, a abordagem da polícia foi desrespeitosa e gerou constrangimento. A situação, avalia, marginalizou um empreendimento de nicho.

Você trata o turista e o turismo de uma forma marginal porque ele sai dessa narrativa contada pelos brancos, contada pelos pontos turísticos, como o Ibirapuera? Saiu do circuito padrão é marginalizada? Por quê? Eu já participei de outros roteiros e não vivi nada parecido
Beliza Andrade, bacharel em turismo

OAB

Além da caminha turística, a empresa de Dias realiza ações eventos com outras instituições. Um dos objetivos com eles, diz o empresário, é trazer a polícia para participar de um tour e mostrar como ele funciona.

Os representantes da empresa já registraram um boletim de ocorrência e pretendem fazer uma denúncia à Ouvidoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Também se reuniram com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"A gente está tentando ver formas de questionar oficialmente o Estado para tentar entender de onde veio esse ofício e qual a intenção deles em relação a esse fato", explica Dias.