Tour sobre cultura negra em São Paulo é seguido e filmado pela PM por 3 h
No último sábado (24), integrantes da empresa BlackBird Viagem foram filmados por policiais militares enquanto realizavam uma caminhada guiada por diferentes pontos da cidade de São Paulo para recontar a história e a cultura negra. Entre o bairro da Liberdade e o Largo do Paissandú, distantes cerca de 3,5 km, foram por aproximadamente 3 horas.
De acordo com Guilherme Soares Dias, sócio fundador da empresa, o grupo de 12 pessoas foi abordado pela PM, que informou ter recebido um ofício de que haveria uma manifestação. Ao UOL, ele disse que se sentiu coagido com a presença dos policiais.
"É uma caminhada anunciada como produto turístico, e não uma manifestação. Em nenhum momento isso está dito. Talvez o nome possa remeter a isso, mas é um 'walking tour', explica.
Procurada pela reportagem na manhã de segunda-feira (26), a Polícia Militar respondeu um dia depois. Apesar de o grupo formado por turistas e guias ter pouco de dez pessoas, a PM informou ter feito o monitoramento por se tratar de "uma grande concentração de público":
A PM esclarece que, por se tratar de um evento com uma grande concentração de público, foi realizado o acompanhamento como regularmente é feito a fim de garantir a segurança do grupo e demais cidadão
Polícia Militar de São Paulo
Monitoramento
O passeio passa por lugares que ajudam a reconstituir a presença da população negra na capital paulista, como o antigo Morro da Forca e a Igreja Nossa Senhora dos Enforcados, ambos no bairro da Liberdade, além da estátua da Mãe Preta, que fica em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Paissandú.
Assim que foi abordada pelos policiais, a equipe responsável pela atividade achou que a intervenção pudesse ter relação com a covid-19, já que o tour é realizado em grupo. Os quatro policiais, em motos, descartaram que se tratasse de uma ação sanitária. Ao final do percurso, o grupo era vigiado por três PMs
Essa caminhada fala da cultura negra e também do racismo estrutural. A gente comentou que estava vivendo uma situação de racismo estrutural enquanto falava sobre ele."
Guilherme Soares Dias, sócio fundador da BlackBird
Incomodados, os guias turísticos tentaram despistar o monitoramento. Primeiro, entraram na Casa PretaHub, espaço destinado a abrigar startups e artistas negros, mas a polícia os esperava do lado de fora.
Depois, usaram a passagem do metrô Anhangabaú para ir do vale à rua Coronel Xavier de Toledo. Esperavam que, motorizados, os PMs não os seguiriam. Entretanto, os agentes se comunicaram por rádio e já os esperavam na saída da estação.
"Acho que é perigoso para a cidadania das pessoas e ao mesmo tempo é ruim para o mercado, ruim para São Paulo, que é plural", afirma a turismóloga Beliza Andrade.
Ela escolheu o passeio para mostrar a cidade a dois primos que vieram de outro estado. Para ela, a abordagem da polícia foi desrespeitosa e gerou constrangimento. A situação, avalia, marginalizou um empreendimento de nicho.
Você trata o turista e o turismo de uma forma marginal porque ele sai dessa narrativa contada pelos brancos, contada pelos pontos turísticos, como o Ibirapuera? Saiu do circuito padrão é marginalizada? Por quê? Eu já participei de outros roteiros e não vivi nada parecido
Beliza Andrade, bacharel em turismo
OAB
Além da caminha turística, a empresa de Dias realiza ações eventos com outras instituições. Um dos objetivos com eles, diz o empresário, é trazer a polícia para participar de um tour e mostrar como ele funciona.
Os representantes da empresa já registraram um boletim de ocorrência e pretendem fazer uma denúncia à Ouvidoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Também se reuniram com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
"A gente está tentando ver formas de questionar oficialmente o Estado para tentar entender de onde veio esse ofício e qual a intenção deles em relação a esse fato", explica Dias.
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