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Homem sem atendimento tropeça em saída de clínica e morre atropelado no Rio

Gilson de Souza Lopes morreu atropelado após sair de clínica; família vai procurar a Justiça - Raquel Lopes de Souza/Cedida
Gilson de Souza Lopes morreu atropelado após sair de clínica; família vai procurar a Justiça Imagem: Raquel Lopes de Souza/Cedida

Tatiana Campbell

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

05/01/2021 18h54

A família de Gilson de Souza Lopes, 57 anos, vai processar a Prefeitura do Rio de Janeiro e a empresa de ônibus Transporte Fabio's após a morte do autônomo na manhã de ontem.

Segundo parentes, por volta das 7h, Gilson foi até a Clínica da Família Aloysio Novis, na Penha, zona norte da cidade, por causa de uma dor forte no peito. Porém, ao chegar no local recebeu a informação de que não seria atendido, já que a unidade não realizava atendimentos emergenciais. Mesmo após pedir por socorro, os funcionários da clínica se negaram a prestar ajuda ao homem. A Secretaria Municipal de Saúde informou que vai abrir uma sindicância para apurar os fatos.

Após ter sido orientado a procurar por um outro hospital, o homem deixou a unidade, tonto e com fortes dores. Ao descer a rampa da unidade, desequilibrou-se com um desnivelamento na calçada, caiu na rua e foi atropelado por um ônibus. Gilson morreu no local.

A sobrinha de Gilson, Raquel Lopes de Souza, 28 anos, estava em casa, em Campo Grande, na zona oeste, quando soube do ocorrido e foi até o local. Ela conversou com o UOL e explicou como tudo aconteceu.

"Ele passou mal em casa por volta das 5h, chegou a sair para trabalhar, só que não aguentou. Ai ele decidiu ir para a clínica que abria às 8h e ficou esperando na clínica. Quando foi ser atendido, falaram para ele que era para procurar o Hospital Getúlio Vargas ou a UPA [Unidade de Pronto Atendimento], porque ali não era emergência", relatou.

"Ele então sentou, porque não aguentava de dor e voltou a falar novamente com a técnica de enfermagem: 'pelo amor de Deus, eu estou precisando muito de ajuda está doendo muito meu peito'. A resposta que elas deram foi de que não teria atendimento, pois a unidade não era de emergência e pediu que ele se retirasse por causa da covid. Ele saiu e pediu para uma menina, que é nossa testemunha, para ajudar ele a passar pela porta da clínica, porque ele não estava aguentando", explicou Raquel.

"Ele então desceu a rampa da clínica cambaleando, se segurando na grade da rampa, só que teve uma hora que essa grade acabou. Nisso, como a calçada estava desnivelado e com buracos, meu tio foi caindo e caiu na rua. Aí o ônibus veio em alta velocidade e passou por cima dele. Quando eu cheguei, eu vi meu tio com um plástico só cobrindo metade do corpo dele eu fui pedir para os funcionários um plástico para poder cobrir o corpo dele e a resposta que me dera era que de não podia, pois o plástico era só para quem morre na clínica. Eu questionei que, se eles tivessem atendido meu tio, ele não estaria morto. Eles deveriam ter ligado para a gente que a gente ia lá pegar ele, não botasse ele para fora. A menina da clínica chegou a falar que meu tio não pediu ajuda, mas temos muitas testemunhas que negaram isso. Além disso, o corpo só foi retirado às 16h, passou o dia todo no chão", desabafou a sobrinha do homem.

Após o corpo ser levado para o Instituto Médico Legal, a família contou que só conseguiram realizar o reconhecimento de Gilson pelo pé. O enterro está marcado para amanhã no Cemitério de Irajá, na zona norte, com caixão fechado, já que o corpo ficou totalmente desconfigurado.

Família vai entrar na Justiça

Após o ocorrido, a família de Gilson Lopes ficou indignada com a negligência por parte da Clínica da Família e por parte do motorista do ônibus, que não ficou no local para ajudar.

"É um descaso. Um advogado já entrou em contato com a gente. Tivemos que fazer uma vaquinha na família para podermos enterrar meu tio. O advogado vai entrar na Justiça contra e empresa Transporte Fabio's e contra a Clínica da Família. O motorista depois do atropelamento parou, viu que meu tio estava morto e foi embora, não ficou. Quando eu chegue, por volta das 10h, só tinha um policial. Não tinha ninguém, não tinha ônibus, o povo da Clínica da Família não estava. Como que tem uma morte na frente de um hospital e eles não estão ali? Nem um médico para chegar lá e se solidarizar com a situação, nada. Não teve suporte de ninguém, teve omissão de socorro", contou.

"Minha mãe [irmã da vítima] está em estado de choque, minha irmã e meu outro tio sempre ajudavam ele. Eu não tenho condições de cair, preciso ficar em pé para ajudar minha mãe. Estamos sem dormir, dei remédio para minha mãe dormir e eu que tive que pedir dinheiro para a família para enterrarmos ele, porque não temos R$ 3 mil de um dia para o outro. A Justiça não vai trazer meu tio de volta, mas hoje foi meu tio e amanhã pode ser outra pessoa", finalizou Raquel.

O que dizem os citados

Apesar das acusações feitas pela família e da palavra de testemunhas de que não houve atendimento e que nenhum suporte foi dado aos parentes de Gilson Lopes, a Secretaria Municipal de Saúde disse à reportagem que a "não há registro de solicitação de atendimento médico por ele (Gilson) na segunda-feira".

"Segundo informação da unidade, ele passou pela sala de espera e foi direto para a sala dos agentes comunitários de saúde, onde pediu uma informação sobre como ser inserido no SISREG. Depois deixou a unidade, quando, infelizmente, ocorreu o acidente de trânsito", diz a secretaria.

Ainda por meio de nota, a SMS garantiu que "vai abrir uma sindicância para melhor apurar os fatos" e que a gerência da unidade está à disposição da família para outros esclarecimentos.

Questionada sobre a situação da calçada em frente à Clínica da Família, a Secretaria Municipal de Conservação afirmou que "lamenta o ocorrido e informa que essa nova gestão está intensificando as vistorias e ampliando a comunicação com os gestores de equipamentos públicos para melhorar a conservação da cidade. A calçada em questão já foi vistoriada e a equipe está atuando no local".

Por fim, a Transporte Fabio's afirmou em nota que "se solidariza com a família da vítima" e informou estar "à disposição das autoridades policiais para colaborar na investigação do acidente, na última segunda-feira, na Penha.

À empresa, o motorista alegou que não teve participação direta no atropelamento, que teria ocorrido após a vítima se desequilibrar, cair na via e ser atingida pela parte traseira do veículo.