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Criança de 12 anos é vítima de racismo ao comprar material escolar em SP

A menina Sabrina, que foi constrangida ao comprar material escolar - Arquivo Pessoal/Newman Costa
A menina Sabrina, que foi constrangida ao comprar material escolar Imagem: Arquivo Pessoal/Newman Costa

Anahi Martinho

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/02/2021 18h24

Uma menina negra de 12 anos foi constrangida em uma loja ao tentar comprar material escolar. Ela estava recebendo a ajuda de um homem, também negro, que se ofereceu para comprar mochila e cadernos para que ela pudesse ir à escola.

O caso aconteceu ontem, em uma unidade das Lojas Mel, em São Paulo. Newman Costa, 35 anos, afirma que encontrou Sabrina (nome fictício) por volta das 13h em frente à loja, na avenida Bernardino de Campos, no bairro do Paraíso.

"Ela me abordou e eu percebi que ela ia pedir algo. Tirei uma nota de R$ 5 do bolso e dei para ela. Mas ela apontou para a vitrine da loja e pediu uma mochila", relatou Newman ao UOL. Ele então entrou com a garota na loja e deixou-a escolher a mochila e o restante do material escolar que precisava.

A compra, porém, não saiu conforme o esperado. Enquanto escolhia mochila, cadernos, canetas, lápis e borracha, tudo rosa e com tema de unicórnio, Sabrina foi interrompida por uma funcionária do controle de acesso, que com o dedo apontado para a menina, ordenou que ela saísse da frente do estabelecimento assim que conseguisse o material.

"Ela falou 'você vai pegar as coisas e vai para casa. Não quero mais ver você aqui'", relatou Newman.

"Eu retruquei: 'Por que você está interrompendo nossa compra?'. Ela falou: 'Depois ela vai pegar tudo isso e vai vender'", contou Newman.

Ele pediu para falar com a gerente da loja, que se desculpou e tentou amenizar a situação.

"A gerente pediu desculpas de forma muito branda, só tentou diminuir a situação, fingir que aquilo não estava acontecendo. Me senti totalmente impotente, desamparado. Deixei a cesta com as coisas dentro e saí me sentindo injustiçado", conta o diretor audiovisual.

De lá, Newman caminhou com Sabrina até uma papelaria menor, em sua rua, onde refizeram toda a compra do material, gastando cerca de R$ 200.

No caminho, conversaram sobre racismo e sobre a importância dos estudos. Sabrina disse que gostava de estudar, que era boa aluna. Disse também que entendeu o que tinha acontecido na loja.

Mais cedo, quando saiu de São Mateus, na zona leste de São Paulo, para tentar conseguir o material escolar na região da avenida Paulista, ela estava acompanhada do primo, que é da mesma turma na escola. Segundo ela, o primo, que é branco, foi ajudado primeiro, por uma mulher também branca, e ninguém na loja os maltratou.

"Para mim foi uma atitude racista mesmo. Não tem outra explicação. Eu estava consumindo, estava com a cesta cheia de produtos. Não consigo acreditar que se fosse uma pessoa branca ia ser a mesma coisa", diz Newman.

Cancelamento não resolve

Newman acredita que "cancelar" as Lojas Mel não é a solução. Ele também teme pela demissão da funcionária, que acredita que estava apenas cumprindo ordens e reproduzindo as atitudes de um sistema que tem o racismo em sua estrutura.

"Não quero cancelar a loja. A mudança tem que ser estrutural. Essa profissional está na base da pirâmide, ela também deve estar numa situação vulnerável, e demitindo ela não se muda nada. Muito mais grave foi a postura da gerência, que não tinha protocolo nenhum para lidar com uma situação como essa, que deve ser corriqueira", disse ele à reportagem.

"Cancelar não adianta, as pessoas não vão deixar de ir. Eu quero continuar indo lá, mas quero ser bem tratado, não quero que isso se repita comigo nem com outras Sabrinas. Essas crianças são de responsabilidade nossa, da sociedade civil", diz.

Após o sufoco na primeira loja, Sabrina saiu do segundo estabelecimento feliz, ansiosa para organizar os materiais dentro da mochila.

No caixa, pegou a nota de R$ 5 que havia ganho mais cedo e comprou mais um item, uma tesoura cor-de-rosa que viu na loja e gostou. "Ela pegou aquela nota de cinco e comprou a tesoura para ela. Ela não estava preocupada com o dinheiro, ela queria o material. Queria estudar", conta Newman.

"Admirei demais a força dela, a proatividade de ela sair de casa e falar: 'eu vou conseguir esse material'. Com 12 anos. Achei uma grande potência", diz Newman. "O que mais me doeu foi ver o quanto ela estava sendo injustiçada por ser uma menina preta e pobre, o quanto o sistema está segurando, puxando ela para trás."

Outro lado

Pedro Cruz, diretor da área de cultura das Lojas Mel, pediu desculpas em nome da empresa. Ele reconhece que houve uma falha de protocolo e afirma que o objetivo agora é usar a situação para aprender com os erros.

"A questão não foi só a abordagem da menina do controle de acesso. Foi toda a sequência. Faltou um protocolo, tentar entender o que tinha acontecido. Como membros da sociedade civil, temos que nos unir e ver o que está errado. Existe um racismo estrutural e queremos desconstruir, ver onde erramos e podemos melhorar", afirma.

"A solução não pode ser tão simplista de demitir a menina que abordou errado. Tudo que acontece na nossa vida é para a gente melhorar, evoluir como seres humanos. Todo mundo erra, a questão é o que fazer com isso. Queremos ver como podemos usar isso para evoluir, melhorar e conscientizar as pessoas", conclui Cruz.

Ele afirmou ainda que pretende encontrar Sabrina e ajudá-la com materiais escolares.

"A gente quer encontrar a menina e ajudá-la, acolhê-la, não só materialmente falando. Queremos reparar o erro da melhor maneira possível. É o mínimo que podemos fazer. O Brasil já está tão polarizado, precisamos nos unir", diz.