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Morre último homem indígena da etnia Juma em decorrência da covid-19

Amoim Aruká Juma, último homem indígena da etnia Juma, morre em Rondônia - Reprodução/Rede Amazônica
Amoim Aruká Juma, último homem indígena da etnia Juma, morre em Rondônia Imagem: Reprodução/Rede Amazônica

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, no Recife

18/02/2021 14h27Atualizada em 18/02/2021 23h55

O último homem indígena da etnia Juma, o cacique Aruká Juma, 86, morreu em decorrência da covid-19, na manhã de ontem, em um hospital de Porto Velho. A causa da morte foi insuficiência respiratória aguda em decorrência da infecção do novo coronavírus, de acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

O corpo dele foi enterrado ontem na aldeia Juma, em Canutama (AM), em uma cerimônia reservada à família e caciques de etnias próximas à Terra Indígena Juma.

Agora, a etnia fica resumida às três filhas de Aruká: Borehá, Maitá e Mandeí. Elas casaram com índios da etnia Uru-Eu-Wau-Wau, que também falam a língua tupi kagwahiva. Os casamentos foram uma forma de evitar que os Jumas não desaparecessem. A Funai (Fundação Nacional do Índio) informou que Aruká deixa 14 netos e bisnetos, a quem repassou a cultura e tradição do povo Juma. A família do cacique é a última sobrevivente da etnia e é composta por 17 integrantes ao todo, segundo o Instituto Socioambiental.

A Sesai informou que o cacique e 12 parentes foram infectados pelo novo coronavírus em janeiro, mas apenas Aruká precisou ser internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). Segundo o órgão, o líder indígena foi internado no hospital regional de Humaitá, município vizinho a Canutama. Durante o tempo que esteve doente, o cacique chegou a ser intubado duas vezes, mas se recuperou e recebeu alta médica.

Em 2 de fevereiro, o estado de saúde do cacique se agravou e ele foi novamente levado para uma UTI, sendo transferido do hospital regional de Humaitá (AM) para o hospital de campanha Regina Pacis, em Porto Velho.

Ainda de acordo com a Sesai, o líder indígena teve uma melhora em 7 de fevereiro, mas ele voltou a ser intubado oito dias depois. Aruká sofreu um choque séptico, indicando uma infecção generalizada.

Pouco antes da piora, Aruká teve contato pela última vez com a filha mais velha, Borehá Juma, segundo a Sesai. Ele pediu que, caso morresse, o corpo dele fosse enterrado no local onde construiu a primeira maloca da aldeia Juma. No local está enterrada a mãe de Borehá, Mboreha. O pedido do cacique foi atendido pela família.

Segundo a Funai, lideranças indígenas de outras etnias fizeram homenagens a Aruká durante o cortejo do enterro, na ponte da Vila do Assuã, na rodovia Transamazônica. Pertences do cacique foram colocados juntos do caixão no local do enterro.

Massacres

De acordo com a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), o povo Juma sofreu inúmeros massacres ao longo da história que reduziu de 15 mil índios, no início do século 20, para cinco pessoas em 2002.

O último massacre sofrido pela etnia ocorreu em 1964, no rio Assuã, na bacia do rio Purus, quando comerciantes de Tapauá (AM), que estavam interessados pela sorva e castanha existente no território Juma, mandaram matar a tiros o grupo. Mais de 60 indígenas da etnia foram assassinados e apenas sete sobreviveram, sendo Aruká um deles.

Ao longo da vida, de acordo com as entidades, a liderança indígena continuou a lutar para que seu povo resistisse e conseguisse seu território. Ele lutou pela demarcação do território Juma, homologado apenas em 2004. Na década de 2000, à beira do desaparecimento, a etnia Juma cresceu por meio de casamentos com indígenas Uru-Eu-Wau-Wau.

Entidades culpam governo federal por morte

A Coiab, a APIB e o OPI emitiram uma nota conjunta lamentando a morte de Aruká e afirmaram que ele foi "assassinado" pelo governo federal, pois o povo Juma está em "extremo risco" e nada comprovadamente teria sido feito para protegê-los da pandemia do novo coronavírus.

"A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável", afirmaram as entidades.

A Sesai e o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena de Porto Velho) afirmaram que adotaram todas "as providências possíveis para atender o paciente" e estão prestando assistência à família de Aruká. O MPF-RO (Ministério Público Federal) em Rondônia, o Greenpeace e a Survival emitiram notas lamentando a morte do cacique e destacaram a luta da liderança indígena para a etnia sobreviver.

Dados da Coiab apontam que 34.529 indígenas da floresta Amazônica brasileira foram infectados pelo novo coronavírus, sendo 783 mortes registradas em 107 etnias em decorrência da covid-19. O levantamento mostra ainda que no Amazonas já são 8.674 indígenas infectados pelo vírus e 252 óbitos registrados em 38 etnias.