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Além da covid-19, moradores de Paraisópolis convivem com fome e desemprego

Moradores esperam por marmitas em Paraisópolis. No início da pandemia, eram 10 mil doações de marmitas por dia; agora são 500 - Divulgação/União dos Moradores de Paraisópolis
Moradores esperam por marmitas em Paraisópolis. No início da pandemia, eram 10 mil doações de marmitas por dia; agora são 500 Imagem: Divulgação/União dos Moradores de Paraisópolis

Victoria Bechara

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/03/2021 04h00

Pela voz ofegante e cansada ao telefone, dá para notar que Gilson Rodrigues está andando para cima e para baixo pelas ruas do local onde mora: a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. "Eu não tenho a opção de desistir. Aqui a covid-19 está muito perto. Se eu parar, estou desistindo do meu pai, do meu irmão, do meu vizinho, do meu amigo, das pessoas que eu amo", afirmou ao UOL.

Gilson é presidente da União de Moradores de Paraisópolis e está na linha de frente das ações para tentar conter os impactos sociais e econômicos da pandemia no local. Assim como em todo o país, o número de casos de coronavírus aumentou na comunidade. No entanto, diferentemente do ano passado, as doações diminuíram. Antes, a União de Moradores distribuía em torno de 10 mil marmitas por dia. Agora, são cerca de 500. O serviço de ambulância também teve que ser suspenso por falta de recursos.

Nossa maior dificuldade é viver no 'novo normal', agravado pela fome e o desemprego."
Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis

"Uma parte do Brasil está fazendo home office, tem acesso a álcool gel, água, serviço de emergência. Enquanto isso, a outra parte está morando em cima do córrego, faltando água, passando fome, desempregada. Esse não é o Brasil que nós queremos, não é o novo normal", completa o ativista.

Data Favela

Oito em cada dez famílias não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas caso não tivessem recebido doações nas comunidades de todo o país, segundo pesquisa do Instituto Data Favela em parceria com a Locomotiva e a Cufa (Central Única das Favelas).

Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis - DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS - DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS
Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis
Imagem: DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA PARAISÓPOLIS

A pesquisa também aponta que 68% das famílias não têm dinheiro para comprar comida. Rosilda Santos, moradora de Paraisópolis, faz parte dessa estatística. Desempregada há um ano e seis meses, não consegue comprar os ingredientes para fazer os bolos de pote, que seriam sua fonte de renda durante a pandemia. Com isso, passou a fazer seis ou sete por semana e a colocar em um mercado, mas não recebe o dinheiro das vendas.

"A gente troca por mercadoria, para eu comprar alguma coisa para comer", relatou Rosilda. "Se não tivesse entrado essa pandemia, teria como eu fazer o bolo de pote e meus filhos venderem no farol, mas agora fica difícil."

Para milhares de moradores nessa mesma situação, a esperança são as doações e as cestas básicas distribuídas em Paraisópolis.

Não tinha política pública e não tem até agora. Nós não somos nem citados. Estamos falando há um ano o que falta na favela, as pessoas estão morrendo, não conseguem fazer isolamento e ninguém aparece."
Gilson Rodrigues

Com pouco apoio, Paraisópolis precisou pensar em soluções e conseguiu diminuir o índice de contaminação na região. No início da pandemia, foi criado um sistema de "presidentes de rua" — pessoas que monitoram, distribuem cestas básicas e máscaras em cada rua da favela. A comunidade também contratou ambulâncias e médicos, que foram suspensos neste ano por falta de recursos.

"O Brasil inteiro tem olhado para a gente como um caso de sucesso nas favelas. Agora que estamos numa situação mais difícil, ter que parar o trabalho é também, de alguma forma, parar o trabalho no país inteiro, para quem está olhando pra gente como referência de ação comunitária", lamenta Gilson.

Para o ativista, o melhor jeito de transformar o país neste momento é a partir do exemplo. "Antes as pessoas olhavam pra gente e só viam carência, marginalidade e problemas. Estamos aqui para mostrar soluções", reitera. "Nós só vamos sair dessa crise juntos. E se o pessoal não perceber isso, vai ficar todo mundo no seu home office, morrendo no home office."

Saiba como ajudar

Para doar aos moradores de Paraisópolis, acesse https://g10favelas.com.br/. Também é possível doar pelo PIX (12.772.787/0001-99).