Topo

Esse conteúdo é antigo

Veterinária negra tem palestra online interrompida por sons de macacos

Naian Lopes

Colaboração para o UOL, em Pereira Barreto (SP)

20/03/2021 15h44

A veterinária Talita Santos, especialista em pets exóticos, contou ter sofrido um ataque racista durante uma palestra online que ministrava para um grupo de estudos da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu. A apresentação virtual foi invadida na noite de quinta-feira (18).

A profissional, que atende em São Paulo, relata ao UOL que a palestra era para um grupo de estudos de animais silvestres. Cerca de uma hora depois de começar o evento, a veterinária foi surpreendida.

"A pessoa abriu o áudio como se fosse fazer uma pergunta. Não entendi, achei que era um microfone aberto que tivessem esquecido e que tinha uma música. Depois começou uma poluição sonora muito grande, muito barulho e xingamento", explica.

No início, Talita não entendeu o que estava acontecendo e foi informada pelo organizador da palestra o motivo pelo qual ele encerrou a apresentação. "Depois que fechou [a sala virtual], o organizador me procurou para falar que teve uma invasão coletiva e ele teve que fechar", afirma.

"Depois eu entendi, porque eu estava em tela de apresentação, e eu vi que as pessoas estavam projetando coisas. Sons de primatas, imagens de primatas e imagens do presidente [Jair Bolsonaro]", detalha ela. "Eu consegui um trecho do vídeo e aí aparece a parte de um som de primata e alguém falando sobre as mulheres".

A veterinária garante que vai procurar a Justiça para que haja uma investigação do caso e descubra quem foram os responsáveis pelos ataques. "Hoje vou à delegacia fazer um boletim de ocorrência", conclui.

Alunos lamentam ataque

Alunos presentes na palestra e que presenciaram o ataque, fizeram questão de manifestar apoio à veterinária. "Meus porquinhos-da-Índia são pacientes dela. É uma profissional maravilhosa e a palestra estava muito boa, muito triste isso ter acontecido. Espero que ela fique bem", escreveu o estudante Rafael Cainelli nas redes sociais.

Já a veterinária Carla Cardozo também se manifestou na internet. "Apesar do ocorrido, quero agradecer a Talita pela excelente palestra. Deus abençoe e não faltarão oportunidades para ouvi-la novamente", lembrou.

Ainda nas redes sociais, diversas organizações manifestaram apoio à veterinária. "O Coletivet sempre se posicionou contra qualquer tipo de discriminação. Toda força à M.V. Talita Santos e ao GEAS, nos colocamos à disposição para o que precisarem. Vamos juntos", diz nota.

Também por meio de nota, o Grupo de Estudos da Unileste se manifestou. "O GEAS Unileste lamenta o ocorrido. Desejamos forças e solidariedade à palestrante. Repudiamos qualquer tipo de violência, sendo ela dentro ou fora de um meio acadêmico".

Já o Grupo de Estudos da USP seguiu a mesma linha. "Repudiamos e desprezamos qualquer tipo de preconceito, contra o racismo expresso na situação exposta. É deplorável e inadmissível que cenários como esse se reproduzam nos dias de hoje. Desejamos toda força, coragem e solidariedade à MV Talita Santos, aos ouvintes e ao GEAS Unesp. Esperamos e desejamos, honestamente, que a capacidade de grandiosidade de profissionais pretos sejam valorizadas e reconhecidas, e que não sejam alvos de ódio", diz.

Unesp se pronuncia

O UOL entrou em contato com a UNESP de Botucatu, que lamentou a disseminação de "discurso de ódio e ofensas racistas contra a palestrante convidada e demais participantes do evento". Leia abaixo a nota completa:

A Diretoria da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp, campus de Botucatu, em nome de toda sua comunidade acadêmica, manifesta seu total repúdio à ação de pessoas que, no dia 18 de março, invadiram uma palestra promovida pelo Grupo de Estudos em Animais Selvagens (GEAS), pela plataforma virtual Google Meet, para disseminar discurso de ódio e ofensas racistas contra a palestrante convidada e demais participantes do evento. Tal ação, claramente organizada, além do seu caráter criminoso, tem as marcas da intolerância, da covardia e do ódio à disseminação e a promoção do conhecimento, único caminho possível para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Lamentavelmente, episódio semelhante aconteceu num evento promovido pelo Grupo de Estudos de Equinos (Equus) da FMVZ no dia 09 de março. A Diretoria da FMVZ se solidariza com a palestrante ofendida e os participantes agredidos durante essas lamentáveis ocorrências e informa que seguirá colhendo informações que possam embasar providências concretas em relação a tais delitos, além de medidas que previnam ações dessa natureza. Por fim, ressaltamos que a comunidade da FMVZ/Unesp não se intimidará com atitudes desse tipo e seguirá cumprindo seu papel social de gerar, aplicar e difundir o conhecimento científico por meio do ensino, da pesquisa e da extensão universitária.