Jovem que teve covid relata perda de filho com 33 semanas de gestação
Beatriz Torres Bachot, de 28 anos, estava grávida de 33 semanas quando começou a sentir dores no corpo parecidas com as de excesso de esforço físico. Mas pouco depois ela descobriu que, na verdade, estava enfrentando os primeiros sintomas da covid-19.
Depois de uma série de passagens por dois hospitais entre os dias 27 de fevereiro e 2 de março, ela recebeu o resultado positivo. Mas por conta das complicações da doença, seu bebê, batizado de Samuel, acabou morrendo ainda dentro de sua barriga, sendo retirado em uma cesariana de urgência na Maternidade Santa Mônica, em Maceió, no último dia 4.
"Só Deus pode explicar tudo isso que passamos, a dor que sentimos. Acredito que tudo tem um propósito, sei que o socorro demorou, houve negligência, mas também sei que tudo só acontece com a permissão de Deus", ressaltou Beatriz, que vive com o marido e uma filha de cinco anos, que não foram infectados.
Até chegar à Maternidade Santa Mônica, Beatriz procurou três vezes atendimento no hospital municipal de São Luis do Quitunde (AL), cidade em que reside, e duas vezes no hospital Santo Antônio, em Maceió, indicado por seu plano de saúde, com seus sintomas sendo inicialmente apontados como sinais de uma infecção urinária.
Segundo a doceira, apesar da indicação de seu obstetra, que já havia apontado a suspeita de contaminação com o vírus, ela demorou vários dias para conseguir realizar o teste de covid-19, negado em suas primeiras visitas às unidades de saúde.
Em entrevista ao UOL, ela contou que vivia uma gravidez tranquila até pouco mais de uma semana antes do parto, e que, após perder o filho, precisou passar por transfusão de sangue e usar medicamentos para controlar uma anemia, causada pela combinação entre o procedimento de emergência e o coronavírus.
"Às 6h do dia 3 me deram uma injeção para amadurecer os pulmões do Samuel, mas acho que ele já tinha morrido", relatou Beatriz sobre os momentos pré-parto, destacando que na manhã da cirurgia uma obstetra a examinou e disse ter ouvido os batimentos cardíacos do bebê, mesmo que ela e a mãe, que a acompanhou na maternidade, não ouvissem nada.
"De tanto exame, eu aprendi a distinguir o que eram os batimentos cardíacos do meu filho e eu disse à médica: 'não, não é assim. Não estou ouvindo.' Pedimos uma ultrassonografia porque não estava normal. O exame só veio no final da tarde e o médico detectou que a bolsa tinha secado todo líquido amniótico e o bebê estava em óbito", lembra.
Segundo ela, às 23h daquele dia, uma médica a avisou que iria realizar a cesárea de urgência, e que um erro de digitação no prontuário havia alterado seu número de plaquetas, que em um nível alto podem indicar um sangramento excessivo: elas estavam em 140, e não 40, como foi informado antes.
A paciente conta que houve uma discussão acalorada entre a equipe médica na porta do quarto antes de ela ser levada para o centro cirúrgico. Depois do parto, ao voltar para o quarto, a mãe de Beatriz observou uma mancha roxa no abdômen da filha.
"No dia seguinte, meu abdômen ficou completamente roxo e eu sentia muitas dores. Além das complicações da covid-19, eu ainda enfrentava as complicações da cesárea", conta.
Beatriz disse que a ultrassonografia para avaliação das manchas no abdômen só veio após cinco dias, e o exame detectou que havia sangue na parede abdominal, que precisava ser drenado. A drenagem ocorreu de forma manual após abertura de dois pontos da cirurgia.
Agora, a doceira avalia que a maioria de seus problemas de saúde, e também a morte de Samuel, poderiam ter sido evitados com um maior cuidado nos primeiros atendimentos que recebeu.
"Uma ultrassonografia iria ver que meu bebê estava em sofrimento fetal. Meu filho nasceu às 00h20 do dia 4, depois de 24h de eu ter dado entrada na maternidade. A demora nos atendimentos, as vezes que fui para o hospital de São Luís do Quitunde e não fui atendida adequadamente, as vezes que o exame para covid-19 foi negado, contribuíram para tudo isso. Advogados já entraram em contato comigo para entrar com uma ação com todos que negligenciaram", diz a jovem.
A luta pela sobrevivência
Beatriz mora no município de São Luis do Quitunde (AL), a 54 km de Maceió, e estava com uma agenda cheia de encomendas de bolos de casamento quando começou a sentir dores pelo corpo, no dia 18 de fevereiro.
"Em nenhum momento eu imaginava que eu estava com covid-19. Eram dores que pareciam de esforço físico, que se agravaram dia 26. Eu tinha sido examinada e feito uma ultrassonografia no dia 23 e estava tudo normal. Alguns médicos vieram me culpar, dizer que eu sabia que estava com covid-19, mas o resultado do exame só veio no dia 2, após insistência minha no hospital municipal de São Luis do Quitunde", relatou.
Ela ainda conta que uma médica teve que intervir com ligações para que ela fosse aceita na maternidade Santa Mônica, onde teve o atendimento final e ficou internada do dia 3 ao dia 11.
A Maternidade Escola Santa Mônica informou, por meio de nota, que não recebeu nenhuma notificação oficial sobre o caso relatado por Beatriz Bachot.
A unidade hospitalar afirmou que "considerando o fato de o prontuário médico ser um documento sigiloso e as acusações morais e técnicas envolvendo profissionais da unidade, a direção fica impossibilitada de se manifestar sem a prévia notificação de órgãos competentes."
O UOL entrou em contato com a prefeitura de São Luis do Quitunde, responsável pelo hospital municipal, mas, até a publicação deste texto, não obteve retorno.
Em contato com o hospital municipal de São Luis do Quitunde, ontem e hoje, a reportagem foi informada que a direção da unidade hospitalar não se encontrava e que não havia ninguém que pudesse falar sobre o assunto.
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