Advogado diz que ministros "não sabem o que fazem" e leva bronca de Fux
Durante o julgamento em que o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) delibera sobre a liberação da realização de missas e cultos presenciais durante a vigência das medidas restritivas de circulação em estados e municípios, o presidente da Corte, Luiz Fux, criticou um advogado do PTB por ter citado uma declaração bíblica em que Jesus Cristo afirma: "Perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem". "Eu repugno essa invocação graciosa da lição de Jesus", repreendeu o ministro.
O advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha fazia sua sustentação oral no julgamento. Ao final, citou declaração de Cristo em Lucas 23:34. "Para aqueles que hoje votarão pelo fechamento da Casa do Senhor, cito Lucas 23:34: 'Então ele ergueu os olhos para o céu e disse: 'Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem'.' Fecho aspas."
Ao final da fala, Fux agradeceu ao advogado. Pouco depois, quando todas as defesas terminaram suas falas, ele mencionou o trecho bíblico reclamando da postura de Cunha.
"Nossa missão como juízes constitucionais, além de guardar a constituição, é lutar pela vida e pela esperança. Eu repugno essa invocação graciosa da lição de Jesus", declarou o presidente do STF.
Fux disse ainda que as afirmações de Jesus foram feitas a pessoas "que se omitem diante dos males", o que não seria o caso do Supremo: "O STF, ao revés, não se omitiu. Foi pronto e célere numa demanda que se iniciou há poucos dias atrás".
O ministro disse que a decisão impõe uma "escolha trágica". "Essa é uma matérias que nos impõe uma escolha trágica e que nós temos que responsabilidade suficiente para enfrentá-la."
Advogado mencionou morte de filhos de egípcios
Fux não mencionou, em sua fala, outro advogado que fez uma menção à morte de egípcios citada na Bíblia.
Walter de Paula Silva disse que haveria "juízo" caso uma "militância contra o povo de Deus" não traga a "liberdade pelo reconhecimento". Ele mencionou a morte de filhos de egípcios que, segundo o livro bíblico de Êxodo, não permitiam que os judeus saíssem para cultuar a Deus. O episódio é considerado a primeira Páscoa.
"Se uma militância houver contra o povo de Deus, a liberdade não virá pelo reconhecimento livre desse direito, mas pelo juízo", disse Silva. "Nós lembramos o que aconteceu na Páscoa dos judeus. O juízo veio porque alguns se sentiam de fato superiores ao reconhecimento daquilo que as pessoas tinham no sentido de liberdade."
Entenda o julgamento
Após duas decisões diferentes sobre a liberação de cultos e missas presenciais em meio ao agravamento da pandemia de covid-19, o tema está sendo debatido hoje no plenário do STF.
Às vésperas da Páscoa, sob o argumento de preservação da liberdade religiosa, Nunes Marques autorizou celebrações religiosas com a presença de fiéis mesmo após governadores e prefeitos determinarem o fechamento de templos na tentativa de conter a disseminação do novo coronavírus. Dois dias depois, Gilmar Mendes vetou eventos religiosos em São Paulo e enviou o caso para deliberação da corte, formada por 11 ministros.
O debate acontece no momento em que o país atravessa o pior momento de toda a pandemia de covid-19. Ontem, o Brasil bateu, mais uma vez, recorde negativo no número de mortes pela covid-19. No intervalo de 24 horas, foram confirmados 4.211 óbitos em todo o país. É a primeira vez que o índice supera a casa de 4 mil.
Nos últimos sete dias, morreram, em média, 2.775 pessoas em decorrência da doença no país. Este é o 75º dia em que a média fica acima de mil.
*Com Douglas Porto, do UOL, em São Paulo, e Letícia Simionato, colaboração para o UOL.
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