MPF: Proibir veiculação de reportagem é censura e contraria Constituição
O MPF (Ministério Público Federal) se manifestou favoravelmente à suspensão de uma decisão judicial que determinou ao jornal Folha de S.Paulo a retirada de uma reportagem publicada em seu site que citava o senador Marcos do Val (Podemos-ES, foto acima) de seu site. O texto, que continua acessível graças a uma liminar da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), faz parte do Projeto Comprova, que reúne 28 veículos de imprensa para checagem de fatos e combate à desinformação.
De acordo com a matéria, um vídeo publicado nas redes sociais de Marcos do Val se revelava enganoso ao reproduzir trechos de uma declaração do médico oncologista Drauzio Varella feita ainda no início da pandemia. O vídeo destacava, em tom irônico, o fato de que Drauzio minimizou a gravidade da covid-19 — mas omitia a informação de que o médico já admitiu ter errado ao subestimar a doença e que hoje se posiciona de maneira contrária.
O senador foi à Justiça contra a veiculação da reportagem e obteve decisão favorável da 5ª Vara Cível de Vitória (ES), que ainda determinou a retaliação por parte do jornal, além da remoção do conteúdo. A sentença também impedia a republicação do texto ou de qualquer outro a ele relacionado.
Em ofício enviado ao STF, porém, o subprocurador-geral da República Luiz Augusto Santos Lima disse entender que a decisão da Justiça capixaba configura "clara censura prévia", o que contraria a Constituição e a jurisprudência já consolidada no Supremo. Ele lembrou que a liberdade de expressão tem status de princípio fundamental, estando intimamente relacionada a própria garantia do Estado Democrático de Direito.
"A liberdade de expressão, interligada com o princípio democrático, tem por objetivo não somente a proteção de pensamentos, ideias, opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas, mas também visa a possibilitar a garantia real de participação dos cidadãos na vida coletiva. (...) A proibição de disponibilizar essa matéria jornalística em plataforma online constitui censura não admitida pela Constituição Federal e tampouco por decisão dessa Suprema Corte", pontuou o representante do MPF.
Lima ainda citou o julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 130, em que o plenário do STF reafirmou que não cabe ao Estado definir previamente o que pode e o que não pode ser dito por jornalistas, artistas ou quaisquer outros cidadãos.
Por entender que a Justiça do Espírito Santo descumpriu o decidido pelo STF — que garantiu a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica de qualquer tipo de censura prévia —, o MPF defendeu que a reclamação enviada pela Folha para derrubar a decisão contra a veiculação da reportagem deve ser julgada procedente.
Combate à desinformação
Coordenado pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), o Projeto Comprova se dedica a verificar conteúdos que tratam de políticas públicas e que são suspeitos de serem enganosos ou deliberadamente falsos. A terceira edição do projeto, encerrada em março de 2021, checou boatos sobre o coronavírus e a vacinação. Foram analisadas informações compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens, segundo critérios de alcance e importância do tema no debate público.
Segundo o editor do Comprova, Sérgio Lüdtke, o uso de conteúdos verdadeiros, mas usados fora de contexto para provocar interpretações diferentes das de seu autor — como fez Marcos do Val — é uma das formas mais comuns de se disseminar desinformação.
"No caso da postagem do senador, ela tem o poder de confundir as pessoas sobre o comportamento esperado diante dos riscos de contágio. E isso se dá num momento crucial da pandemia em que a população necessita de informação correta e confiável. A autoridade e a capacidade de influência de um senador da República podem dar autenticidade a conteúdos enganosos", explicou ele à Abraji.
"Mas, mesmo avisado da descontextualização do vídeo pelo Comprova e por pessoas nos comentários, o senador manteve a publicação", completou.
À Justiça capixaba, a defesa do parlamentar sustentou que a verificação foi publicada com o intuito de difamar sua imagem e que os veículos teriam ultrapassado os limites da liberdade de expressão ao publicar insultos e praticar crimes contra sua honra.
Já a defesa da Folha argumentou que, para a verificação, os jornalistas contataram a assessoria de Drauzio e de Do Val, seguindo padrões de diligência na checagem. Os advogados disseram que a etiqueta "enganosa", atribuída à publicação, diz respeito ao conteúdo, não sendo um julgamento sobre a honra ou má-fé de quem a compartilhou. Além disso, acrescentaram, a retirada de qualquer publicação com o mesmo sentido caracterizaria censura prévia.
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