Quilombolas apontam ao STF atraso em plano contra a pandemia
Quilombolas acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para reclamar que o governo federal vem descumprindo a decisão da corte que exigiu a criação de um plano de enfrentamento à pandemia de covid-19 em territórios de remanescentes de escravizados.
As ações de combate à doença foram determinadas pelo STF em fevereiro. O ministro Edson Fachin julgou procedente uma ação protocolada em setembro de 2020 pelo Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), e determinou à União que criasse, em 30 dias, um grupo para elaborar um plano que atendesse quilombolas.
O que o governo nos apresentou não é um plano, mas uma prestação de contas defasada. Estamos novamente acionando o STF para o Estado responder sobre o não cumprimento da determinação."
Denildo Rodrigues, coordenador Nacional da Conaq
Para Rodrigues, que é conhecido como "Biko" e é quilombola do território Ivaporunduva, no Vale do Ribeira o plano apresentado segue insuficiente.
De acordo com a petição protocolada na quinta (22), o plano do governo continua desconsiderando a vulnerabilidade da população quilombola durante a pandemia. Segundo Rodrigues, o governo usa políticas públicas universais como justificativa de que estão tomando ações específicas.
Para aliviar a insegurança alimentar, por exemplo, cita como política pública as merendas nas escolas. Com as escolas fechadas, esses recursos não chegam às famílias.
A petição aponta ainda não haver previsão para distribuir equipamentos de segurança (máscaras, álcool em gel e outros), e alega que o Ministério da Saúde passou orientações insuficientes aos estados na condução da pandemia no país.
As críticas se estendem ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), que lista quilombolas como grupo prioritário, mas destina a vacinação apenas para quem reside em terras quilombolas. Para a Conaq, a medida não leva em consideração as pessoas quilombolas que vivem em contextos urbanos para estudar ou trabalhar.
Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde informou que "a seleção de grupos prioritários para a vacinação segue critérios compactuados com várias entidades e considera a vulnerabilidade para as formas mais graves da doença". Sem esclarecer a fonte das informações, acrescentou que "quanto às comunidades tradicionais quilombolas, é importante ressaltar que as doenças infecciosas tendem a se espalhar de forma mais rápida devido ao modo de vida coletivo e a disposição geográfica dessa população".
A petição foi elaborada com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Rede Sustentabilidade (Rede) e Partido dos Trabalhadores (PT) e teve a participação da Defensoria Pública da União (DPU), do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), do Ministério Público Federal (MPF), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Além de apontar falhas, as entidades pedem que a União expanda o plano apresentado. Entre as medidas solicitadas estão:
- fornecer água potável para as comunidades com dificuldade de acesso;
- entregar cestas básica de alimentos;
- orientar estados e municípios para incluir esses povos na fase prioritária da vacinação;
- detalhar como Fundação Cultural Palmares e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) controlarão a entrada de terceiros nos territórios quilombolas;
- indicar todas as medidas do plano no investimento orçamentário.
O STF não atendeu à reportagem.
Subnotificação dificulta a obtenção dos direitos
Para as entidades, a falta de dados produzidos pelo Estado é o maior entrave para garantir direitos previstos na Constituição aos quilombolas.
O Censo de 2010, por exemplo, não contou os quilombolas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou o tamanho dessa população de outra forma, por meio de dados coletados de forma precária pelos municípios. O último dado, de 2019, aponta que há 5.972 comunidades identificadas no país.
Temos um problema devido à subnotificação. Ao não contabilizar essas pessoas, elas ficam fora da fila da vacinação, por exemplo. O número que nós estimamos de famílias quilombolas é quatro vezes maior do que o governo alega. Se seguir dessa maneira, só um quarto será vacinada."
Denildo Rodrigues, coordenador Nacional da Conaq
Para contornar o problema, as entidades reivindicam que se adote a autodeclaração. Também sugere que estados e municípios produzam dados sobre a saúde dos quilombolas em relação à covid-19.
Com a falta de informação, afirma, a presença do vírus em territórios quilombolas é invisibilizada, impedindo que essas populações recebam a devida atenção do poder público. Sem estimativa oficial, é o próprio conselho, junto de moradores e associações internacionais, que monitora o impacto da covid-19 na população.
Segundo o levantamento, a taxa de letalidade da covid-19 nos quilombos é de 3,6%, enquanto a média no país é de 3,1%. A doença já matou mais de 260 quilombolas no país e infectou cerca de 5.300.
Nos últimos dois anos, o ritmo de emissão de certificações de terras quilombolas despencou. O documento, concedido pela Fundação Palmares, é o primeiro passo para essas populações terem acesso a direitos básicos. Em 2019, foram emitidas 70 documentações. Em 2020, ano da pandemia, os números caíram para 29. Em 2021 até agora, foram emitidas só seis certificações. Antes de 2019, a média era de 180 emissões por ano.
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