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Vizinhos dizem nunca ter visto Ketelen: 'Fecharam janela com tijolos'

Ketelen Vitória Oliveira da Rocha morreu no sábado (24) aos 6 anos de idade - Reprodução/Facebook
Ketelen Vitória Oliveira da Rocha morreu no sábado (24) aos 6 anos de idade Imagem: Reprodução/Facebook

Francisco Edson Alves

Colaboração para o UOL, em Volta Redonda

01/05/2021 04h00

Vizinhos de Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, 6, que morreu em Porto Real, no Rio de Janeiro, no sábado passado (24), dizem que se surpreenderam com as notícias sobre o espancamento da menina e pensam em organizar uma onda de manifestações nas redes sociais e no centro do município, exigindo "punição exemplar" para o caso.

Ketelen chegou a ser levada ao hospital seis dias antes de morrer, desacordada e com hematomas pelo corpo. Os vizinhos ouvidos pelo UOL contam que não sabiam que na casa humilde, na Rua 11, no bairro Jardim das Acácias, morava uma criança.

De acordo com eles, a menina "nunca era vista no quintal e muito menos brincando na rua" com outras crianças, coisa comum na região, que lembra uma área rural, sem prédios, próximo às margens da Via Dutra.

"[Foi uma] covardia imensa. Vamos nos mobilizar, sim, para exigir que Justiça seja feita em nome desse anjo que mataram. Levamos um susto. Nem imaginávamos que tinha criança naquela casa. Comentei isso com um vizinho, depois que vimos a notícia pela TV", disse uma vizinha da família, que pediu para não ser identificada.

Estranhamente fecharam a janela de um dos cômodos com tijolos há alguns meses. E as outras duas janelas, sempre ficam fechadas. Quando raramente estão abertas, colocam lençóis ou plástico preto. Pareciam estar sempre tentando esconder algo.
Vizinha

Casa de Ketelen - Francisco Edson Alves/Colaboração para o UOL - Francisco Edson Alves/Colaboração para o UOL
Casa onde morava Ketelen em Porto Real, com vista para o quintal
Imagem: Francisco Edson Alves/Colaboração para o UOL

De acordo com a denúncia do MP-RJ (Ministério Público do Rio), há informações de que Ketelen vinha sendo mantida trancada em um dos quartos desde dezembro. Nesse período, recebia alimentos somente uma vez por dia. A menina teria sido obrigada a se alimentar, inclusive, com comida estragada.

Mãe e madrasta responderão por tortura e homicídio

No imóvel, moravam Rosângela Nunes, 50; Brena Luane Barbosa Nunes, 25; e Gilmara Oliveira de Farias, 27 —as duas últimas, madrasta e mãe de Ketelen, respectivamente, que são apontadas pela polícia como suspeitas pela morte. Elas foram presas em flagrante.

Rosângela também foi presa, por determinação da Justiça, porque teria se omitido e não teria impedido as agressões contra a criança, segundo a denúncia.

As três foram denunciadas pelo Ministério Público do Estado por tortura e homicídio triplamente qualificado. A denúncia foi aceita pela Justiça, que decretou a prisão preventiva delas. Em nota, a Defensoria Pública informou que está aguardando a citação das rés para começar a atuar na defesa delas.

Com a prisão preventiva de Rosângela, Brena e Gilmara, só ficou na casa Aparecida Barbosa Nunes, 86, mãe de Rosângela, que sustentava a família com o dinheiro de sua aposentadoria. Gilmara havia se mudado com a filha de Duque de Caxias, na Baixada, para morar com Brena em Porto Real há cerca de nove meses.

'Comportamentos estranhos' e atos violentos

Testemunhas narraram ainda "comportamentos estranhos" e atos violentos da família. O delegado Marcelo Nunes, da 100ª DP (Porto Real), evita falar sobre o caso, alegando segredo de Justiça.

Ao UOL, pouco antes de ser presa, Rosângela confirmou que a filha e Gilmara agrediram a criança seis dias antes da morte dela, mas negou ter presenciado supostas torturas sofridas por Ketelen em outras ocasiões.

"Estamos chocados com tudo isso. Era para a gente saber que a garota morava nesse endereço. Mas nunca a vimos. Incrível", disse uma outra vizinha, lembrando que a rua sempre foi movimentada. "Tudo que se passa aqui a gente fica sabendo rapidamente. O lugar é pequeno."

A região tem asfalto, luz e água encanada, e ainda apresenta casas simples de alvenaria, algumas sem rebocos.

A residência onde Ketelen estava morando tem três quartos, sala, cozinha e banheiro. Os cômodos são pequenos, segundo Rosângela. À reportagem, a mãe de Brena não soube explicar porque a janela de um dos cômodos foi fechada "há algum tempo", com tijolos e cimento.

"Não sei dizer o motivo", limitou-se a comentar, baixando a cabeça.

Rotina conturbada e histórico de violência

Conforme o UOL revelou, Rosângela admitiu que a família vivia uma rotina conturbada, de medo e violência, desde que Gilmara foi morar com Ketelen no local. O clima de hostilidade, que resultaram, segundo ela, nas agressões físicas a Ketelen, era vivido diariamente, supostamente pelo envolvimento de Brena com bebida alcoólica.

Agentes da 100ª DP (Porto Real), por sua vez, identificaram supostos "castigos rotineiros" impostos a Ketelen pela mãe e a madrasta, conforme revelou o jornal Extra. Entre as punições, por motivos banais, como tomar um copo de leite "fora de hora", por exemplo, estão a obrigatoriedade de a criança se alimentar com pães mofados.

Segundo as investigações, a menina teria sido espancada quatro vezes, entre 16 e 18 de abril. Numa das ocasiões, foi chicoteada com um cabo de TV e, após levar chutes na barriga, teve a cabeça batida contra uma parede até desmaiar, sendo jogada em seguida de uma ribanceira de 7 m.

A assessoria de comunicação da Defensoria Pública informou que aguarda a citação das rés para que o órgão possa representá-las no processo.

A reportagem não localizou eventuais advogados que tenham sido constituídos por Gilmara, Brena e Rosângela, presas em presídios da capital fluminense. O UOL também não localizou parentes das acusadas, que estariam sofrendo hostilidades nas redes sociais por conta do crime.