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Por que navios afundados com tesouros são bomba-relógio para costa do país

12.jun.2019 - Fardo encontrado em praia no Nordeste - Divulgação/Instituto Biota de Conservação
12.jun.2019 - Fardo encontrado em praia no Nordeste Imagem: Divulgação/Instituto Biota de Conservação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/05/2021 04h00

O aparecimento de fardos de borracha e do óleo no litoral do Nordeste nos últimos três anos acendeu um alerta sobre os riscos de acidentes ambientais causados por navios afundados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em águas internacionais no Atlântico Sul.

Passadas quase oito décadas do fim do conflito, esses navios enfrentam um processo natural de deterioração. Além disso, muitos guardam cargas que são tesouros milionários. Com o avanço da tecnologia para exploração, expedições não autorizadas estão buscando recuperar esse valioso material.

Um artigo publicado no final de abril na revista Marine Environmental Research alerta autoridades sobre os riscos desse processo e da retirada de carga destes navios.

A pesquisa tornou ainda mais forte a hipótese de que, assim como ocorreu com os fardos em 2018, o óleo que contaminou o litoral nordestino em 2019 pode ter vindo de navios submersos.

Apesar de estarem localizados em águas internacionais, esses naufrágios representam uma bomba-relógio para a contaminação de países limítrofes desta bacia oceânica (por exemplo, Brasil).
Trecho do artigo na revista Marine Environmental Research

"A maioria dessas embarcações antigas tem material perigoso (por exemplo, óleo combustível, petróleo bruto, munições e materiais sintéticos), o que representa um risco ambiental e à saúde humana para os ecossistemas do Atlântico Sul, comunidades humanas e seus países vizinhos de baixa renda. Esses naufrágios também representam o patrimônio cultural subaquático e a história humana e não podem mais ser deixados sem vigilância", diz o artigo, assinado por cinco cientistas de duas universidades brasileiras.

No texto, é citado que existem em torno de 500 navios naufragados entre as costas da América do Sul e da África. O levantamento foi feito com base em pesquisa da Sixtant, site especializado na Segunda Guerra.

O navio nazista SS Rio Grande, afundado em 4 de janeiro de 1944 pela Marinha dos EUA - Reprodução do site Sixtant - Reprodução do site Sixtant
O navio nazista SS Rio Grande, afundado em 4 de janeiro de 1944 pela Marinha dos EUA
Imagem: Reprodução do site Sixtant

Cargas avaliadas em milhões

O artigo aponta que os fardos achados no litoral nordestino são do navio nazista SS Rio Grande, afundado em 4 de janeiro de 1944 junto ao SS Burgenland (também alemão) pela Marinha norte-americana.

A origem do material foi confirmada por análises químicas, biológicas e de correntes marítimas. Além disso, selos da Indochina Francesa nos fardos —feitos antes de 1953— deram mais indícios. Fotos da época da guerra feitas do navio mostram fardos semelhantes.

"Foi relatado que o SS Rio Grande transportava uma carga vital de 500 toneladas de estanho, 2.370 toneladas de cobre, 311 toneladas de cobalto e borracha crua com marcações da Indochina francesa. Esses naufrágios estão a aproximadamente 1.000 m e 5.700 m de profundidade", apontam os pesquisadores.

Fardo encontrado no litoral nordestino - Labomar/UFC - Labomar/UFC
Fardo encontrado no litoral nordestino
Imagem: Labomar/UFC
Somente a carga de cobalto (a mais cara) valia quase US$ 32 milhões em preços de 2018 (R$ 168 milhões em valores atuais).

Para o professor Rivelino Cavalcanti, do Labomar (Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará) e um dos autores do artigo, os visitantes desses navios estão interessados na carga —e os fardos saltaram do navio nesse processo de recuperação.

Por serem leves e não terem valor comercial, foram abandonados em alto-mar, até que chegaram à costa nordestina.

Esses navios podem estar sendo pilhados. Como já estão com mais de 70 anos lá no fundo do mar, têm a estrutura meio fragilizada. Então, pode ser que esse óleo tenha vindo de um desses navios pilhados.
Rivelino Cavalcanti, professor e pesquisador

Hipótese de origem do óleo no Nordeste

Óleo 1 - ANTONELLO VENERI/AFP - ANTONELLO VENERI/AFP
5.nov.19 - Voluntária retira resíduos de óleo em praia em Lauro de Freitas, na Bahia
Imagem: ANTONELLO VENERI/AFP

As investigações sobre a origem do óleo que poluiu a costa do Nordeste e parte do litoral do Sudeste nunca apontaram de onde partiu o vazamento.

Tratado inicialmente como principal hipótese, o derramamento do óleo por um navio perdeu força com as apurações, dando margem a um provável vazamento de navio naufragado.

"Apesar de difícil comprovação, essa hipótese cada vez mais se fortalece. E vão aumentando minha crença na relação dos fardos com o óleo", diz Cavalcanti, que vem atuando com a WHOI (Woods Hole Oceanographic Institution), dos EUA, na apuração do caso, ainda um grande mistério.

Ele lembra que, apesar de pesquisas apontarem que a origem da produção do óleo é venezuelana, isso não descarta essa possibilidade.

"A Venezuela, há muitas décadas, é um dos maiores comerciantes de petróleo. E ela não entrou na Segunda Guerra porque vendia para ambos os lados. Então, o óleo é venezuelano mesmo. Só não dá para dizer se é antigo ou se é novo", diz.

Praia de Salvador tomada de óleo - Shirley Stolze/Ag. A TARDE - Shirley Stolze/Ag. A TARDE
Praia de Salvador tomada de óleo em 2019
Imagem: Shirley Stolze/Ag. A TARDE

Ao UOL, o MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte informou que a investigação continua em aberto, sem novidades. O caso está em sigilo judicial.

A reportagem também questionou a Marinha sobre as investigações, mas não obteve retorno.

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) feita na Câmara para investigar o óleo e sua origem foi paralisada em março e acabou encerrada sem qualquer relatório ou conclusão do caso.

"Mesmo que não tenha sido a origem do óleo de 2019, temos diversas 'bombas-relógios' no fundo do Atlântico com esses naufrágios. Um dia isso vai ser um problema pela posição geográfica do Brasil, junto ao sistema de correntes do Atlântico. Temos grande chance de ser impactados por isso", afirma o pesquisador Carlos Teixeira, também do Labomar e que assina o artigo.

óleo 2 - Tiago Queiroz/Estadão - Tiago Queiroz/Estadão
24.out.2019 - Trabalho de remoção do óleo na Praia do Janga, em Paulista (PE)
Imagem: Tiago Queiroz/Estadão

Segundo ele, as pesquisas não conseguiram fazer uma relação direta entre o navio SS Rio Grande afundado e o óleo que chegou ao Nordeste. "Foram usados os métodos mais modernos existentes nessas análises pelo WHOI, e as pessoas que participam da pesquisa são especialistas em contaminação por hidrocarbonetos. Mas eles não conseguiram chegar em nada conclusivo que pudéssemos dizer que é do naufrágio", afirma.

Riscos e proteção

Carlos Teixeira alerta ainda que o tempo leva a problemas naturais de corrosão nesses navios. "Hoje sabemos que existem microrganismos que aceleram muito a corrosão em profundidades. É o que está acontecendo com o Titanic, por exemplo", afirma.

O pesquisador sugere que deve haver uma cooperação para que se faça um levantamento sobre esses navios. "Existem tecnologias de remoção, mas a primeira coisa que precisamos é saber onde estão os naufrágios, suas cargas e qual seu estado de conservação. Os EUA têm isso feito", diz.

Para ele, apesar de o Nordeste apresentar um maior risco, toda a costa brasileira está ameaçada.

"Dependendo de onde ocorresse a liberação o risco seria para toda costa. No caso dos fardos de borracha chegou mais no Nordeste, mas depois foram encontrados até na Flórida. Se a origem do material fosse um pouco mais para o sul ou em outra época do ano, poderia acontecer algo como ocorreu com o óleo", finaliza.