'Eles entraram para matar', diz familiar de vítima do Jacarezinho
A avó de Isaac Pinheiro de Oliveira, 22, uma das vítimas do Jacarezinho sepultada no domingo, disse que sentiu pela família do oficial morto durante a operação na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que terminou com 28 pessoas mortas na quinta-feira passada (6). Porém, Célia Regina Homem de Mello, 78 anos, criticou a ação policial.
"Mas eles entraram lá para matar. Eles não foram lá para fazer prisões", afirmou a mulher ao jornal britânico The Guardian.
A idosa comentou que havia falado com o neto horas antes de sua morte, depois que ele ligou para ela da casa onde se refugiou da polícia.
"Não se preocupe, vovó, vou sair [da gangue]", ela se lembrou de Oliveira insistindo antes que a polícia invadisse o prédio e acabasse com sua vida. Isaac era membro de gangue e era conhecido na comunidade como "Pé".
"Eu não vou mentir para você, ele estava envolvido com o tráfico. Mas não era o tipo de gangster que andava por aí matando gente", disse Célia, enquanto dezenas de enlutados, entre eles a namorada grávida de Oliveira, reuniam-se dentro de uma pequena capela onde seu corpo jazia em um caixão aberto coberto com crisântemos brancos.
A tia de Oliveira, Tatiane Teixeira, mostrou ao Guardian um vídeo que recebeu dele pelo WhatsApp por volta das 7h da última quinta-feira, no qual ele exibe os ferimentos de bala que sofreu após ser baleado logo após a polícia iniciar sua operação antes do amanhecer. Teixeira afirmou que seu sobrinho conseguiu escapar e se escondeu em uma casa próxima, mas foi morto naquela tarde depois de tentar se render.
"Eles foram executados. Eles não estavam armados. Eles poderiam ter pegado eles vivos", afirmou Teixeira. "Precisamos nos manifestar, senão o mesmo acontecerá em outras favelas", acrescentou a mulher, cujo filho também foi morto pela polícia há três anos.
As autoridades rejeitaram as acusações de execuções extrajudiciais durante a incursão do Jacarezinho, durante a qual mais de 20 armas foram apreendidas e seis suspeitos presos. "A única execução foi do policial civil que levou um tiro na cabeça ao sair do veículo à prova de balas. Todos os outros morreram em combate e os que preferiram se render foram presos", disse o delegado Rodrigo Oliveira ao Guardian.
Centenas de manifestantes se reuniram na noite de sexta-feira (07) para exigir justiça para as vítimas do Jacarezinho. Para homenagear os 28 mortos, movimentos locais organizaram um ato. A concentração foi marcada para as 17h e, ao anoitecer, saiu em marcha. O trajeto, iniciado em direção à Cidade da Polícia, maior complexo de delegacias da corporação fluminense, voltou até o G.R.E.S Unidos do Jacarezinho, ponto de encontro inicial, e entrou na viela principal. Ao final, segurando uma vela acesa, parentes de três vítimas falaram à multidão.
"Na minha opinião, esse tipo de operação só acontece nesses territórios porque eles são majoritariamente negros e você pode fazer o que quiser com um corpo negro neste país", disse Joel Luiz Costa. Ele é advogado local e ativista dos direitos civis que ajudou a organizar a marcha.
Muitas das vítimas, homens de 18 a 43 anos, parecem terem se envolvido com o tráfico de drogas, seus apelidos são pintados com spray em faixas de plástico preto que agora estão penduradas nas principais ruas do Jacarezinho. "Descanse em paz, família Jacaré", diz uma homenagem.
Costa disse ser impossível saber exatamente o que motivou o derramamento de sangue, que custou ainda mais vidas do que o notório massacre de 1993 em uma favela próxima chamada Vigário Geral. Mas, como muitos, ele suspeitava que o tiro em um policial nos estágios iniciais da operação de quinta-feira havia deflagrado "uma operação de vingança", enquanto agentes enfurecidos invadiam a favela em retaliação.
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