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Com inadimplência alta, SP arrecada R$ 122 mil com multas de covid

Bares da região da Pompeia, na zona oeste de São Paulo, fecharam as portas mais cedo por conta das restrições do Plano SP - Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo
Bares da região da Pompeia, na zona oeste de São Paulo, fecharam as portas mais cedo por conta das restrições do Plano SP Imagem: Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

05/06/2021 04h00

José Antônio, 62, tem fechado o bar em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, pontualmente às 21h. Depois de ter levado um aviso e uma multa da Vigilância Sanitária por funcionar fora do horário determinado pelo Plano São Paulo, de controle da pandemia de covid-19, ele passou a seguir estritamente as regras —mas reclama.

Como o Seu Zé, como pede para ser chamado, outros quase 7.000 estabelecimentos foram autuados desde julho do ano passado por desrespeitarem os decretos estaduais durante a pandemia. O nível de inadimplência, no entanto, é altíssimo, com recolhimento de apenas R$ 122.700 no total (R$ 18 por local, em média).

"A gente faz porque precisa, para não levar ainda mais prejuízo, mas não tá certo. Sempre paguei meus impostos corretamente, estou com dívida desde o final do ano passado e agora ainda vem multa? Na pandemia, o estado fica rico e a gente fica pobre", reclama o dono do "restaurante-bar".

De julho de 2020 até o dia 16 de maio, a Vigilância Sanitária de São Paulo fez mais de 202.000 inspeções e autuou 6.779 estabelecimentos por desrespeitarem as regras em relação à pandemia.

Segundo a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, deste total, 2.272 são descumprimentos diretos das diretrizes do Plano SP e as demais "estão relacionadas a aglomeração, falta de distanciamento, não uso de máscaras ou ausência de placa sobre a obrigatoriedade de utilizar a proteção facial".

As regras do Plano SP mudam de acordo com a fase. Desde abril, todo o estado está na chamada "fase de transição", que permite o funcionamento de comércio e serviços das 6h às 21h, com capacidade máxima de 40% de ocupação. Bares estão proibidos, embora a grande maioria funcione com CNPJ de restaurante, assim como aglomeração.

Qualquer coisa fora disso é infração e os preços das penalidades variam. O descumprimento das regras de funcionamento dos decretos segue a base no Código Sanitário, que prevê multa de R$ 29.000 a R$ 290.0000.

Também é necessário seguir obrigações sanitárias em relação à pandemia, como oferecer álcool gel gratuitamente. O não uso de máscara também onera o estabelecimento: R$ 5.278 por pessoa desprotegida.

"Já pensou um negócio desse? Você pede para o cidadão colocar a máscara, ele coloca. Você dá as costas ele tira. Se a Vigilância vê, quem leva multa é a gente. Viramos babá, agora", reclama Adalberto Freita, 52, gerente de um restaurante-bar próximo à Avenida Paulista, na região central da capital.

"Toda abordagem é feita com foco na orientação sobre o uso correto das máscaras, prezando pela educação e bom senso, visando sobretudo a conscientização sobre a importância do uso de máscara para proteção individual e coletiva", argumentou a Secretaria da Saúde, em nota.

Inadimplência é alta

Apesar das reclamações, a imensa maioria dos autuados pela Vigilância não pagou suas multas. A Secretaria da Saúde não passou a porcentagem dos pagantes, mas revelou que, em quase um ano, recebeu apenas R$ 122.700 dessas autuações.

Numa conta rápida, isso daria pouco mais de R$ 18, em média, por local autuado —valor muito inferior a qualquer multa que poderia ser aplicada. A secretaria reconhece que o pagamento é baixo, mas não divulga o total que deveria ter sido recebido.

O ponto principal, dizem os agentes da Vigilância, é a falta de celeridade dos processos judiciais. Um agente que pediu para não ser identificado conta que aplicou uma multa superior a R$ 3 milhões a um bar na Vila Olímpia.

"Ele era reincidente, estava funcionando além do horário, com aglomeração e mais de 30 pessoas sem máscara", conta o agente sanitário. "Agora, sabe-se lá quando vai pagar isso. Até que ele recorra, protele, renegocie. A multa fica lá, mas diminui e não tem prazo para chegar."

"Todas as autuações são passíveis de recurso e o pagamento é responsabilidade do infrator. No caso de não pagamento do valor devido, ocorre a inscrição na Dívida Ativa, cabendo à Procuradoria Geral do Estado a cobrança administrativa e/ou judicial", diz a secretaria.

Seu Zé, por exemplo, não pagou a sua, estimada em pouco mais de R$ 20 mil. "Entrei com recurso, é lógico. Mal estou com dinheiro para pagar funcionário, vou pagar multa só porque estava trabalhando?", questiona o proprietário.

"No fim, é mais a questão da dor de cabeça. São poucos os que pagam de imediato", avalia o agente sanitário.

Festa clandestina na zona leste de São Paulo onde estavam os jogadores de futebol Robert Arboleda, do São Paulo, e David Neres, do Ajax (Holanda) - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Festa clandestina na zona leste de São Paulo onde estavam os jogadores de futebol Robert Arboleda, do São Paulo, e David Neres, do Ajax (Holanda)
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Festas clandestinas rompem a madrugada

Não são só bares com música ao vivo que estendem o happy hour que estufam esses números. A Vigilância Sanitária também coordena, junto à Polícia Civil, operações de blitz antifesta clandestina pelo estado quase diariamente.

De acordo com a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), em três meses, desde o fim de fevereiro, as operações foram intensificadas, as polícias Civil e Militar participaram de pouco mais de 4.500 operações no estado. Quase 10.000 pessoas foram detidas.

Para descobrir as festas, a polícia montou um esquema com agentes e voluntários infiltrados em redes sociais, grupos de WhatsApp e nas próprias baladas. Os locais também podem ser descobertos por denúncias feitas por telefone ou e-mail. Só em abril, foram mais de 24.000 reclamações.

Segundo a Vigilância, estes são os estabelecimentos que levam as multas mais altas por estarem descumprindo praticamente todas as regras do decreto.

"São casas que funcionam, mas estão fazendo festas clandestina fora do horário. Nessas festas a gente encontra a maioria das pessoas sem máscara, compartilhando copos, garrafas. Muitas, inclusive, sem saída de emergência, sem bebida com nota fiscal", afirma o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), que, curiosamente, ajuda a Polícia Civil a coordenar essas blitz.