Topo

Carrefour aceita pagar R$ 115 mi para evitar ação por caso João Alberto

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Balneário Camboriú (SC)

11/06/2021 23h20

O Carrefour aceitou na noite de hoje pagar R$ 115 milhões como parte de um acordo com entidades públicas e organizações não governamentais para reparar danos morais comunitários e afastar a abertura de ações judiciais pela morte do cliente negro João Alberto, em novembro do ano passado, segundo documento obtido pelo UOL.

O homem morreu ao ser espancado por seguranças da empresa terceirizada Vector no estacionamento da unidade da rede de supermercados na zona norte de Porto Alegre.

O dinheiro será destinado a ações de combate ao racismo (veja abaixo) e faz parte de um TAC (termo de ajustamento de conduta) com MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul), MPF (Ministério Público Federal), MPT (Ministério Púbico do Trabalho), DP-RS (Defensoria Pública do Rio Grande do Sul), DPU (Defensoria Pública da União), além das ONGs Educafro e Centro Santos Dias de Direitos Humanos, ligado à Arquidiocese de São Paulo.

Ficou de fora do acordo a definição sobre o pagamento dos honorários dos advogados da Educafro, um dos pontos que arrastou a assinatura do TAC nesta semana. Segundo o MP-RS, os valores serão discutidos judicialmente em ação da ONG. O outro item que emperrou a acordo foi a diminuição de R$ 5 milhões do valor inicialmente acertado, de R$ 120 millhões.

Em nota, o Carrefour afirmou que, com o acordo, "reafirma seu compromisso irrevogável de lutar contra o racismo e de atuar como um agente de transformação da sociedade".

"O termo assinado não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é mais uma medida tomada com o objetivo de ajudar a evitar que novas tragédias se repitam. Com este novo passo, o Grupo Carrefour Brasil reforça sua postura antirracista, ampliando sua política de enfrentamento à discriminação e à violência, bem como da promoção dos direitos humanos em todas as suas lojas", afirma Noël Prioux, presidente do Grupo Carrefour Brasil, em nota divulgada à imprensa.

O pagamento da indenização é resultado de uma ação conjunta ingressada ainda em novembro de 2020 pela DP-RS, que contou com a participação de outros órgãos públicos e das entidades do movimento negro. Inicialmente a Defensoria pedia R$ 200 milhões.

Pouco antes, o MP-RS havia instaurado dois inquéritos, um para buscar a reparação pelo dano moral coletivo e outro para averiguar a política de direitos humanos do Carrefour.

A partir daí, as partes começaram a negociar até chegar ao TAC assinado hoje, que permite que a empresa não seja alvo de ação judicial.

O entendimento fechado agora não tem relação com os acordos firmados pela marca francesa com nove familiares de João Alberto, entre eles seu pai e sua viúva.

Além disso, seis pessoas viraram réus pela morte de João Alberto em ação movida pelo MP-RS. Entre elas estão os seguranças Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges, filmados espancando o cliente. Eles estão presos desde o dia do crime. Além deles, são réus a agente de fiscalização Adriana Alves Dutra que acompanhou a agressão, mas não impediu a ação e tentou proibir que a situação fosse filmada.

Respondem como participantes "de menor importância" Paulo Francisco da Silva, Rafael Rezende e Kleiton Silva Santos, todos funcionários do Carrefour. Eles respondem ao processo em liberdade.

Dinheiro vai para bolsas de estudo e revitalização de cais

Mais da metade do valor (R$ 68 milhões) será destinado para o pagamento de bolsas de estudo para pessoas negras para ensino médio, técnico, superior e de pós-graduação. O acordo reserva 30% do valor das bolsas de graduação e pós-graduação para estudantes matriculados em instituições com sede e com o curso desenvolvido no Rio Grande do Sul.

Também será destinado R$ 6 milhões para formação de pessoas negras em cursos de idiomas, inovação e tecnologia, com foco na formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho. Conforme o Carrefour, serão concedidas cerca de 10 mil bolsas de estudos nessas duas modalidades.

Além disso, outros R$ 8 milhões serão voltados para projetos de inclusão social e suporte de empreendedores negros. A concessão das bolsas terá duração máxima de três anos e ocorrerá mediante edital de seleção.

Uma parte da indenização, no valor de R$ 2 milhões, também será usada para elaboração de projetos de iniciativa museológica ou de centro de interpretação destinados à reflexão sobre o processo de escravização e do tráfico transatlântico de pessoas africanas escravizadas na região do Cais do Valongo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro.

O Cais do Valongo era o principal porto de entrada de africanos que seriam escravizados no Brasil e nas Américas. Construído em 1811 pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro, o Cais permaneceu esquecido durante anos e só foi redescoberto em 2011 durante as obras do Porto Maravilha, conforme assinala o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Da quantia, R$ 7,5 milhões serão utilizados para realizar campanhas educativas e no desenvolvimento de projetos sociais e culturais de combate ao racismo e valorização cultural afro-brasileiro e indígena - sem a interferência do Carrefour. A marca francesa também se comprometeu a custear e fomentar campanhas educativas e projetos sociais de combate ao racismo - o valor, porém, ainda está em discussão. Outros R$ 2 milhões serão destinados para comunidades quilombolas, com a inclusão na rede de fornecimento de produtos vindos desses lugares.

Carrefour terá de oferecer trainee para negros

O documento do TAC também define que o Carrefour terá que lançar em um prazo de 180 dias dois programas, um de estágio e outro de trainee, exclusivamente para pessoas negras. Deverão ter dez vagas anuais durante três anos. A intenção é fomentar os quadros de liderança da companhia. Para este ponto serão destinados R$ 4 milhões.

A empresa também terá que contratar 30 mil funcionários negros em um prazo de três anos e ainda precisa desenvolver e capacitar 300 funcionários negros para que se tornem líderes. Segundo o TAC, a intenção é "facilitar o acesso desses funcionários a posições de liderança e posições críticas para a organização, mediante o investimento em formação acadêmica (...) e mentoria para carreira, além de acompanhamento psicológico, se necessário". Aqui o valor fixado foi de R$ 5 milhões.

Outros R$ 4 milhões serão destinados para investimento em sistemas e consultorias para suporte ao cumprimento das medidas. O Carrefour deve pagar ainda mais R$ 2 milhões para contratar empresa de auditoria externa independente para verificação anual do cumprimento do termo. Além da auditoria, cada trecho do TAC será fiscalizado por um órgão público diferente.

Multas

O acordo também prevê multa de R$ 25.000 em caso de descumprimento de alguma obrigação. O valor anual não pode ultrapassar R$ 500.000, podendo ser ampliado para R$ 750.000.