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Chuvas no hemisfério Norte podem significar chuvas no Brasil no fim de ano?

Gabryella Garcia

Colaboração para o UOL

23/07/2021 04h00Atualizada em 23/07/2021 08h32

As fortes chuvas e inundações que atingiram países da Europa e a China na última semana são mais uma prova de que as mudanças climáticas estão provocando eventos extremos pelo mundo. Na Alemanha, por exemplo, enchentes que foram consideradas a maior catástrofe natural do país nas últimas décadas deixaram ao menos 170 mortos. Há ainda o relato de outras 31 mortes que aconteceram na Bélgica.

Também no hemisfério Norte, mas na China, a maior chuva dos últimos 60 anos matou pelo menos 25 pessoas na cidade de Zhengzhou. De acordo com o serviço meteorológico do país a cidade recebeu 617,1 mm de precipitações em apenas 24 horas — volume previsto para um período de sete meses.

Para o físico e doutor em meteorologia pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, Renato Ramos da Silva, isso é consequência de um aumento da temperatura, que é provocado pelas mudanças climáticas, que faz com que a atmosfera armazene uma quantidade maior de vapor e, consequentemente, libere mais água após a condensação.

"Isso é previsto fisicamente pela termodinâmica na atmosfera. A formação das chuvas se dá pela condensação, que é a transformação do vapor em água líquida. Com temperaturas mais altas na superfície, a atmosfera armazena mais vapor antes de precipitar e quando acontece vem com grande volume em um curto espaço de tempo. Isso já é esperado fisicamente pela termodinâmica", explica.

Por isso, o especialista afirma que são esperadas chuvas cada vez mais intensas. Renato também ressalta o problema da vulnerabilidade, pois as tempestades geralmente trazem consigo fortes ventos e, pessoas mais vulneráveis acabam sendo atingidas e tendo também suas próprias residências mais expostas a eventos climáticos mais intensos.

E no Brasil?

Na avaliação de Renato, o Brasil deve enfrentar problemas com enchentes também no próximo verão, já a partir do final do ano. Renato explica que além das fortes chuvas, o verão do hemisfério Norte também está batendo recordes de temperaturas que proporcionam uma maior evaporação. A tendência é que o verão no hemisfério Sul — incluindo o Brasil — apresente as mesmas características dentro daquilo que ele chama de "novo normal".

Sabemos que mais vapor na atmosfera vai proporcionar eventos extremos e vai ser o novo normal. Temos que estar mais bem preparados para isso, mas ainda não estamos"
Renato Ramos da Silva, físico

A Alemanha, afirma o físico, que é um país rico e ciente do problema climático foi muito afetado. "Não é um problema apenas das chuvas, mas essas mudanças climáticas também podem ocasionar secas prolongadas que, por exemplo, trazem problemas de estiagem e falta d'água que impactam na produção de alimentos. Os eventos extremos desencadeiam problemas sociais e na economia também, envolvem toda uma rede de desafios sociais que estão interligados ao clima".

Apesar do debate das mudanças climáticas ter ganhado peso com tragédias recentes na Europa e na Ásia, o ecólogo marinho Paulo Horta, da Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que os eventos extremos já são sentidos no Brasil há quase duas décadas, quando o ciclone Catarina atingiu o Rio Grande do Sul e Santa Catarina em 2004.

"Há sem dúvida um aumento da intensidade e frequência desses eventos no Brasil. O ciclone Catarina, por exemplo, é um grande marco na percepção das mudanças climáticas porque inaugurou um conjunto de eventos que começam a transformar a rotina. Tivemos também as grandes enchentes na região do Alto Vale do Itajaí em 2008, que mataram mais de 130 pessoas e o ciclone bomba no ano passado".

Por estarem localizados em uma região de transição climática, Horta também destacou que os estados do Sul do país são mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos e suscetíveis a formação de ciclones extratropicais, por exemplo.

Por que eventos climáticos tão extremos?

O físico Renato Ramos da Silva explica que atualmente estamos passando por um momento de ajuste de energia do planeta que envolve não apenas as chuvas ou temperaturas mas também a questão dos ventos e os ciclones, que são eventos dinâmicos que redistribuem essa energia no planeta e, quando estão mais ativos, trazem uma massa de ar quente do norte para o sul, ou uma massa de ar frio do sul para o norte, por exemplo.

"A atmosfera está sempre se ajustando às novas condições e conforme alteramos o planeta, porque o homem tem responsabilidade em tudo isso, acontecem os eventos extremos. O Brasil inclusive é um dos maiores emissores de carbono e essa é uma molécula que absorve muito calor e depois reemite de volta para a Terra, causando o chamado efeito estufa."

Segundo o físico, a maior parte do problema das mudanças climáticas ou do chamado aquecimento global, é a emissão de gases que causam o efeito estufa, sobretudo em países mais industrializados.

Mitigação dos efeitos

No atual cenário, não é possível regredir até um ponto anterior das mudanças climáticas, entretanto, é possível mitigar esses efeitos para de certa forma 'frear' os eventos climáticos mais extremos.

"Para amenizar é preciso dialogar e encontrar uma maneira mais sustentável de viver no planeta. Não somos apenas os seres humanos, nós temos uma relação com os ecossistemas e a biodiversidade também, que está bastante vulnerável. A perda do ecossistema é irreparável, mas temos que pensar no todo e não individualmente", afirma Renato.

Ele também destacou a importância de preservar ecossistemas como a Amazônia, por exemplo, e a preservação de espécies. "As abelhas têm um papel fundamental de polinização e isso vem diminuindo por essas mudanças e também pela poluição e agrotóxicos. Temos que tentar amenizar esses problemas e ter um entendimento da nossa vivência sendo sustentável com o planeta".

Já Paulo Horta afirma que, por estarem se tornando cada vez mais frequentes, os eventos extremos também estão sendo normalizados. Ele critica a pouca mobilização dos Estados em relação às mudanças climáticas e defende a criação de planos de contingência, além de uma legislação que incorpore não apenas ações paliativas mas também ações de prevenção.