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PE: Suspeito de matar mulher trans é preso, e polícia vê transfobia no caso

Mulher trans, a cabeleireira Crismilly Pérola foi morta com um tiro no pescoço no Recife; o corpo foi abandonado às margens do rio Capibaribe - Arquivo Pessoal
Mulher trans, a cabeleireira Crismilly Pérola foi morta com um tiro no pescoço no Recife; o corpo foi abandonado às margens do rio Capibaribe Imagem: Arquivo Pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para o UOL, de Recife (PE)

26/07/2021 17h45

A Polícia Civil de Pernambuco identificou e apreendeu nesta segunda-feira (26) um adolescente de 17 anos, apontado como o autor do tiro que matou a cabeleireira Crismilly Pérola, de 37 anos, no início deste mês.

Encontrada morta às margens do rio Capibaribe, no Recife, no dia 4 de julho, a vítima foi alvo de um crime motivado por transfobia (preconceito em relação ao gênero com o qual ela se identificava), aponta a polícia. O suspeito responderá pelo ato infracional equivalente ao crime de homicídio doloso.

De acordo com a delegada Euricelia Nogueira, que liderou a investigação, o assassinato é claramente um crime de ódio. A partir do relato de testemunhas, a polícia identificou o suspeito, que se apresentou à polícia. Ao UOL a investigadora explicou o desfecho das apurações.

"Depois de atirar na Crismilly, o adolescente ficou insatisfeito porque a vítima continuava viva. Ele a arrastou por cerca de 20 metros e a jogou no rio. Ele teve muita raiva porque a arma falhou. Ele atirou muitas vezes, mas só atingiu um tiro. Um crime de puro ódio. Quando falamos com ele, disse que não gostava da vítima e teria determinado que ela fosse embora do bairro", contou a delegada.

A policial civil detalhou como estava a cena do crime quando a cabeleireira foi encontrada e disse que impressionou o fato de ninguém da comunidade ter socorrido a vítima.

"Quando chegamos ao local crime, vimos marcas de sangue, de arrastamento e uma pá suja. O corpo da vitima estava longe desse local. O adolescente jogou a arma no rio e voltou para ver se ela estava morta mesmo. A população local presenciou tudo e não interferiu. Crismilly sofria muitos ataques nessa região", disse.

A delegada Euricelia Nogueira acrescentou que solicitou o recolhimento do jovem por 45 dias. Se for condenado, o suspeito pode ficar até três anos presos em uma unidade socioeducativa.

A entidade LGBTQIA+ Leões do Norte se manifestou sobre a apreensão do suspeito da morte de Crismilly Pérola. O vice-presidente da instituição, Rildo Veras, avaliou que é necessário realizar um trabalho de conscientização e respeito à diversidade com os jovens pernambucanos.

"Mais um adolescente, não é? Tem sido comum o envolvimento de adolescentes nos assassinatos de pessoas LGBTQIA+. Isso chama a responsabilidade do Conselho Tutelar. É um órgão importante para tratar do respeito às diferenças nas comunidades. Sempre que fazemos formações nas comunidades, envolvemos o conselho. Também trabalhamos junto com o pessoal da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo] para que esses jovens deixem as unidades de ressocialização conscientizados", comentou.

Outros casos

Além da cabeleireira Crismilly Pérola, outras três mulheres trans foram assassinadas em Pernambuco em menos de um mês. No dia 18 de junho, Kalyndra Selva foi encontrada morta com sinais de asfixia. O companheiro dela é o principal suspeito pelo crime.

Em 24 de junho, Roberta Silva foi atacada no centro da cidade. Um adolescente de 16 anos ateou fogo na mulher trans, que estava em situação de rua. Antes de morrer poucos dias depois de ser internada no Recife, ela teve os dois braços amputados.

O último ataque a uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ ocorreu no agreste pernambucano. Fabiana da Silva Lucas, de 30 anos, foi morta a golpes de faca no início deste mês. O agressor foi detido por populares e preso em flagrante.

Violência contra LGBTQIA+

Segundo a SDS (Secretaria de Defesa Social), de janeiro a junho deste ano, o estado registrou 18 assassinatos de pessoas LGBTQIA+.

No mesmo período, foram registradas 1.183 ocorrências de violência contra cidadãos que se identificam como LGBTQIA+. Os registros consideram crimes como lesão corporal, maus-tratos, estupro, difamação, calúnia, racismo e injúria racial.

Ressocialização com respeito às diferenças

Segundo a Funase, para onde jovens infratores são encaminhados, o órgão desenvolve ações de conscientização sobre a LGBTfobia. O trabalho é realizado durante atividades em grupo em aborda temas que estimulem a cultura de paz e promovam a reflexão e a responsabilização.

Somente neste primeiro semestre, as ações impactaram 166 pessoas dentro do sistema socioeducativo do estado, apontou o órgão.

"Os sistemas de privação de liberdade não são ilhas. Essas temáticas de relevância social estão dentro das nossas instalações, seja porque atendemos jovens LGBTQIA+, seja porque recebemos adolescentes que cometeram atos infracionais contra pessoas desse público. E o processo socioeducativo passa também pelo esforço de se colocar para esses jovens enquanto proposta de mudança de mentalidades e de busca por uma sociedade com vidas menos ameaçadas", ressaltou a presidente da Funase, Nadja Alencar.