Polícia investiga se tinta em obra de Marighella é resposta a Borba Gato
A Polícia Civil investiga se um ato de vandalismo contra o monumento em homenagem a Carlos Marighella, coberto por tinta vermelha nos Jardins, zona oeste de São Paulo, é uma resposta ao incêndio da estátua de Borba Gato, ocorrido no último sábado (24) em Santo Amaro, zona sul da capital.
Vídeo obtido com exclusividade pelo UOL registrou o momento da pichação às 23h06 de ontem (29), como mostram as imagens registradas pelo circuito de segurança de um prédio em frente à obra. Agentes foram hoje (30) de manhã ao local à procura de testemunhas e de imagens de câmeras de vigilância próximo à pedra em memória ao guerrilheiro da ALN (Aliança Libertadora Nacional).
O rapaz, de capuz e máscara de proteção contra a covid-19, aparece na imagem caminhando pela calçada da alameda Casa Branca. Em seguida, olha rapidamente para trás, retira um galão com a tinta escondida em um bolso interno do casaco, joga a tinta sobre a obra e deixa o local.
O delegado Percival Alcântara, do 78º Distrito Policial, disse ao UOL que os investigadores vão monitorar as redes sociais para verificar se há alguma relação entre o caso e o ataque ao monumento em homenagem a Borba Gato.
Vamos investigar se o ataque teve um cunho político, como resposta de grupos de direita ao incêndio à estátua de Borba Gato. Em tese, [Marighella e Borba Gato] são símbolos identificados com correntes políticas opostas. Mas ainda é prematuro para confirmar. Precisamos investigar"
Percival Alcântara, delegado
Como não houve dano, a Polícia Civil descartou registrar o caso por crime de dano ao patrimônio público e optou por abrir investigação para apurar o crime de pichação. Os agentes também anexaram fotos do monumento ao inquérito.
A pedra foi instalada no local em 1999 durante um ato que marcou os 30 anos do assassinato do líder do grupo que defendia a luta armada contra a ditadura militar no país. Segundo a investigação, o ataque ocorreu entre a noite de ontem e a madrugada de hoje.
'Só vi que estava pintado porque você falou'
A pichação ao monumento de apenas 1m de altura, posicionado discretamente entre uma árvore e uma caçamba de lixo, não despertou a atenção de quem passava por ali hoje à tarde.
Edvan Andrade, zelador do prédio, disse que a rua estava vazia no momento do ato. "Com o frio que está fazendo em São Paulo, quem vai ver?", questiona.
"Só vi que estava pintado porque você falou", surpreendeu-se a cozinheira Lindaci Lima Pereira, de 51 anos.
"Nem sei o que é aquele negócio. Só sei que às vezes vem gente fazer homenagem", respondeu a doméstica Cristiane Gomes do Nascimento, 37, que trabalha no prédio em frente ao monumento.
Théo Monteiro, 28 anos, curador de artes plásticas, disse que pichações no monumento não são exatamente uma novidade. "No dia em que o Bolsonaro foi eleito, picharam ali 'fora, comunistas'. Mas a limpeza foi feita no mesmo dia", lembrou, em referência às eleições presidenciais de 2018. "Mas quase ninguém vê. Só quem conhece monumentos sabe do que se trata", completou.
Era o caso de Rodrigo Amaral, estudante de Arquitetura na USP (Universidade de São Paulo), que integra um grupo de estudos dos monumentos da cidade e foi ao local para fazer o registro da pichação com o auxílio de um aplicativo em 3D. "Esse monumento costuma ser bastante vandalizado", disse.
Incêndio ao Borba Gato
O ativista Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como Galo, está preso temporariamente há dois dias após afirmar ser um dos autores do incêndio à estátua de Borba Gato.
Géssica de Paula Silva Barbosa, esposa dele, também foi detida. Contudo, a Justiça revogou hoje a decisão com base no rastreamento do celular dela, confirmando a versão de Géssica —em vídeo obtido pelo UOL, ela negou participação no ato e disse que estava em casa, cuidando da filha de três anos.
O casal se apresentou ao 11º Distrito Policial de Santo Amaro na quarta-feira (28) e acabou sendo detido após prestar depoimento.
Quem foi Marighella
Criado pelo arquiteto Marcelo Ferraz, a peça de granito em homenagem a Marighella diz: "Aqui tombou Carlos Marighella em 4/11/69, assassinado pela ditadura militar - São Paulo, 4 de novembro de 1999", em referência aos 30 anos da morte.
O caso foi reconhecido como homicídio em setembro de 1996 pela Comissão de Mortos e Desaparecidos da Câmara, motivando uma indenização à família do guerrilheiro pela morte atribuída ao governo brasileiro, sob as ordens do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury.
O grupo ao qual ele pertencia assumiu participação no sequestro de Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, em setembro de 1969, e de Ehrenfried von Holleben, embaixador da Alemanha Ocidental, ocorrida no ano seguinte, após a morte de Marighella. Os atos eram motivados pela tentativa de obter a libertação de presos políticos.
A história deu origem a uma biografia escrita por Mário Magalhães adaptada para o cinema. O longa "Marighella", dirigido por Wagner Moura, foi rodado em 2018, com Seu Jorge no papel de protagonista, já foi exibido em festivais internacionais.
Em novembro de 2020, um ano após a data prevista para o lançamento no país, o filme teve sua primeira exibição pública em Salvador (BA), com gritos de "fora, Bolsonaro".
Quem foi Borba Gato
Inaugurada nos anos 1960 a estátua de Borba Gato gera polêmicas desde que foi instalada na praça Augusto Tortorelo de Araújo, no bairro de Santo Amaro.
O monumento homenageia Borba Gato, que fez parte do grupo de bandeirantes paulistas que exploraram territórios no interior do país, capturando e escravizando indígenas e negros entre os séculos 16 e 17, segundo obras como "Vida e Morte do Bandeirante", de Alcântara Machado, de 1929.
Em 2016, a estátua de Borba Gato foi atacada com um banho de tinta. A mesma intervenção também não perdoou o Monumento às Bandeiras, imponente obra de Victor Brecheret localizada no Parque do Ibirapuera, na capital paulista.
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