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Polícia investiga se tinta em obra de Marighella é resposta a Borba Gato

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

30/07/2021 19h10Atualizada em 30/07/2021 21h08

A Polícia Civil investiga se um ato de vandalismo contra o monumento em homenagem a Carlos Marighella, coberto por tinta vermelha nos Jardins, zona oeste de São Paulo, é uma resposta ao incêndio da estátua de Borba Gato, ocorrido no último sábado (24) em Santo Amaro, zona sul da capital.

Vídeo obtido com exclusividade pelo UOL registrou o momento da pichação às 23h06 de ontem (29), como mostram as imagens registradas pelo circuito de segurança de um prédio em frente à obra. Agentes foram hoje (30) de manhã ao local à procura de testemunhas e de imagens de câmeras de vigilância próximo à pedra em memória ao guerrilheiro da ALN (Aliança Libertadora Nacional).

O rapaz, de capuz e máscara de proteção contra a covid-19, aparece na imagem caminhando pela calçada da alameda Casa Branca. Em seguida, olha rapidamente para trás, retira um galão com a tinta escondida em um bolso interno do casaco, joga a tinta sobre a obra e deixa o local.

O delegado Percival Alcântara, do 78º Distrito Policial, disse ao UOL que os investigadores vão monitorar as redes sociais para verificar se há alguma relação entre o caso e o ataque ao monumento em homenagem a Borba Gato.

Vamos investigar se o ataque teve um cunho político, como resposta de grupos de direita ao incêndio à estátua de Borba Gato. Em tese, [Marighella e Borba Gato] são símbolos identificados com correntes políticas opostas. Mas ainda é prematuro para confirmar. Precisamos investigar"
Percival Alcântara, delegado

Como não houve dano, a Polícia Civil descartou registrar o caso por crime de dano ao patrimônio público e optou por abrir investigação para apurar o crime de pichação. Os agentes também anexaram fotos do monumento ao inquérito.

A pedra foi instalada no local em 1999 durante um ato que marcou os 30 anos do assassinato do líder do grupo que defendia a luta armada contra a ditadura militar no país. Segundo a investigação, o ataque ocorreu entre a noite de ontem e a madrugada de hoje.

'Só vi que estava pintado porque você falou'

A pichação ao monumento de apenas 1m de altura, posicionado discretamente entre uma árvore e uma caçamba de lixo, não despertou a atenção de quem passava por ali hoje à tarde.

Edvan Andrade, zelador do prédio, disse que a rua estava vazia no momento do ato. "Com o frio que está fazendo em São Paulo, quem vai ver?", questiona.

"Só vi que estava pintado porque você falou", surpreendeu-se a cozinheira Lindaci Lima Pereira, de 51 anos.

"Nem sei o que é aquele negócio. Só sei que às vezes vem gente fazer homenagem", respondeu a doméstica Cristiane Gomes do Nascimento, 37, que trabalha no prédio em frente ao monumento.

30.jul.2021 - Polícia investiga se há ligação entre incêndio a estátua de Borba Gato com pichação a monumento em homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighella nos Jardins, zona oeste de São Paulo - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
30.jul.2021 - Polícia investiga se há ligação entre incêndio a estátua de Borba Gato com pichação a monumento em homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighella nos Jardins, zona oeste de São Paulo
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Théo Monteiro, 28 anos, curador de artes plásticas, disse que pichações no monumento não são exatamente uma novidade. "No dia em que o Bolsonaro foi eleito, picharam ali 'fora, comunistas'. Mas a limpeza foi feita no mesmo dia", lembrou, em referência às eleições presidenciais de 2018. "Mas quase ninguém vê. Só quem conhece monumentos sabe do que se trata", completou.

Era o caso de Rodrigo Amaral, estudante de Arquitetura na USP (Universidade de São Paulo), que integra um grupo de estudos dos monumentos da cidade e foi ao local para fazer o registro da pichação com o auxílio de um aplicativo em 3D. "Esse monumento costuma ser bastante vandalizado", disse.

Incêndio ao Borba Gato

O ativista Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como Galo, está preso temporariamente há dois dias após afirmar ser um dos autores do incêndio à estátua de Borba Gato.

Géssica de Paula Silva Barbosa, esposa dele, também foi detida. Contudo, a Justiça revogou hoje a decisão com base no rastreamento do celular dela, confirmando a versão de Géssica —em vídeo obtido pelo UOL, ela negou participação no ato e disse que estava em casa, cuidando da filha de três anos.

O casal se apresentou ao 11º Distrito Policial de Santo Amaro na quarta-feira (28) e acabou sendo detido após prestar depoimento.

Quem foi Marighella

Criado pelo arquiteto Marcelo Ferraz, a peça de granito em homenagem a Marighella diz: "Aqui tombou Carlos Marighella em 4/11/69, assassinado pela ditadura militar - São Paulo, 4 de novembro de 1999", em referência aos 30 anos da morte.

O caso foi reconhecido como homicídio em setembro de 1996 pela Comissão de Mortos e Desaparecidos da Câmara, motivando uma indenização à família do guerrilheiro pela morte atribuída ao governo brasileiro, sob as ordens do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury.

O grupo ao qual ele pertencia assumiu participação no sequestro de Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, em setembro de 1969, e de Ehrenfried von Holleben, embaixador da Alemanha Ocidental, ocorrida no ano seguinte, após a morte de Marighella. Os atos eram motivados pela tentativa de obter a libertação de presos políticos.

A história deu origem a uma biografia escrita por Mário Magalhães adaptada para o cinema. O longa "Marighella", dirigido por Wagner Moura, foi rodado em 2018, com Seu Jorge no papel de protagonista, já foi exibido em festivais internacionais.

Em novembro de 2020, um ano após a data prevista para o lançamento no país, o filme teve sua primeira exibição pública em Salvador (BA), com gritos de "fora, Bolsonaro".

Quem foi Borba Gato

Inaugurada nos anos 1960 a estátua de Borba Gato gera polêmicas desde que foi instalada na praça Augusto Tortorelo de Araújo, no bairro de Santo Amaro.

O monumento homenageia Borba Gato, que fez parte do grupo de bandeirantes paulistas que exploraram territórios no interior do país, capturando e escravizando indígenas e negros entre os séculos 16 e 17, segundo obras como "Vida e Morte do Bandeirante", de Alcântara Machado, de 1929.

Em 2016, a estátua de Borba Gato foi atacada com um banho de tinta. A mesma intervenção também não perdoou o Monumento às Bandeiras, imponente obra de Victor Brecheret localizada no Parque do Ibirapuera, na capital paulista.