Milícia, testemunhas e anotações: o que liga Girão a Ronnie Lessa
Investigação de força-tarefa do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) que tenta identificar o mandante dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes aponta testemunhas e anotações que reforçam a ligação do ex-vereador Cristiano Girão e Ronnie Lessa, denunciado como o executor do crime ocorrido em 2018.
Girão e Lessa são acusados pelas mortes do ex-policial André Henrique da Silva Souza, conhecido como André Zoio, e de sua namorada, Juliana Sales de Oliveira, em 2014. Já apontado como chefe de milícia na comunidade da Gardênia Azul, Girão foi preso preventivamente na sexta-feira (30).
Em março de 2019, quando Lessa foi preso, a polícia apreendeu na casa dele na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, um papel com uma lista de nomes anotados a mão. Dentre eles, estava o de "Zoio".
Outra anotação tinha as iniciais "C.G. Matias", abreviação de Cristiano Girão. Abaixo do nome, havia informações pessoais dele, como CPF, endereço onde ele tinha quitinetes, telefone, um modelo de veículo e o número da placa. Um outro papel tinha o nome "Girão", com o número de um suposto terminal telefônico.
Um mês antes de Lessa ser preso, o policial militar reformado pesquisou no Google em 19 de fevereiro de 2019 os termos "casal morto gardênia azul", gerando como resultado notícias sobre os assassinatos, segundo mostrou Relatório de Cooperação Técnica obtido através de quebra de sigilo.
Emboscada de carro na Gardênia Azul
Em 14 de junho 2014, data em que o casal foi morto, Girão estava preso —segundo a investigação, a irmã e a companheira dele à época tomavam conta do território. Para o MP-RJ, o ex-vereador do Rio foi o mandante do assassinado de André Zoio, seu rival.
A morte do casal foi consequência de uma disputa territorial na Gardênia Azul, de acordo com a investigação. Testemunhas relataram que Zoio estava cobrando aluguéis que seriam de Girão.
Lessa e Wallace de Almeida Pires, o Robocop, que segundo o MP-RJ era braço direito de Girão na milícia, são apontados como os responsáveis pelo assassinato do casal ocorrido em plena luz do dia.
Uma das testemunhas ouvida em maio passado disse que, no dia do crime, estava em um campo de futebol da comunidade assistindo a uma partida. Ele conta que avistou as vítimas dentro de um Honda Civic dando macha ré, após ser fechado por uma Doblô branca, que disparou várias vezes.
A testemunha conta ter visto Lessa caminhando em direção ao veículo alvejado, com uma arma na mão que parecia ser um fuzil. Ele afirma ser Lessa por conhecê-lo há muitos anos e pelo fato de o PM reformado andar mancando por ter uma perna mecânica. Com ele, estava Robocop.
O depoimento diz ainda que todos que tentaram tomar a liderança de Girão na região foram mortos a tiros em um curto período de tempo.
Uma outra testemunha conta que estava jogando futebol quando ouviu os disparos e viu o casal sendo morto por três homens. A testemunha afirma não ter dúvida do envolvimento de Lessa, já que conhece o PM reformado e sabia da tentativa de Zoio de assumir a milícia da região.
Na noite anterior, essa mesma testemunha disse ter visto e falado rapidamente com Lessa, que estava parado em um carro com mais dois homens, os quais não conseguiu identificar.
Outras testemunhas ratificam Girão como chefe da milícia e apontam uma tentativa de "golpe de estado" como a principal motivação dos assassinatos. Um outro morador disse que Robocop se vangloriava na comunidade, dizendo que havia recuperado a Gardênia para Girão.
A força-tarefa do Caso Marielle, autora da denúncia contra Girão e Lessa, mostra a ligação de ambos devido aos assassinatos de Zoio e Juliana, mas não identifica outros vínculos diretos entre os acusados.
O que dizem as defesas de Girão e Lessa
"A defesa não teve acesso a absolutamente nada dessa investigação, o que impossibilita qualquer posicionamento. Portanto, somente poderá se manifestar depois que tiver acesso aos autos", disse ontem Bruno Castro, advogado de defesa Ronnie Lessa.
O UOL procurou a defesa de Cristiano Girão para que se manifeste sobre a investigação, mas ela ainda não se manifestou. No sábado (31), o Zoser Hardman, defensor do ex-vereador, entrou na Justiça com pedido de soltura.
Em nota à imprensa, ele afirmou: "O processo é vazio e não há nenhum elemento concreto que indique a participação de Cristiano no crime. A defesa possui o mais profundo respeito ao Ministério Público e ao Juízo, mas não ficou demonstrada a necessidade da prisão de Cristiano para resguardar a efetividade da ação penal".
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