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Mortes de milicianos refletem disputas por território após morte de Ecko

Ecko, então chefe da maior milícia do Rio, durante operação que resultou em sua morte  -  Reprodução
Ecko, então chefe da maior milícia do Rio, durante operação que resultou em sua morte Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

17/08/2021 07h00

A guerra entre milicianos intensificada após a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, líder do maior grupo paramilitar do Rio, em julho, resultou na morte de ao menos três lideranças de milícias nas últimas semanas e reconfigurou o mapa das facções criminosas do Rio.

De acordo com a Polícia Civil, atualmente há três grandes facções de milicianos atuando na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As três já foram aliadas, inclusive trocando soldados para lutarem juntos em guerras contra o Comando Vermelho, mas romperam nos últimos meses e passaram a se enfrentar.

Em dezembro de 2020, Danilo Dias Lima, o Tandera, rompeu com Ecko. Os dois foram aliados próximos no passado e Ecko confiou a Tandera a tarefa de expandir o domínio de sua milícia para a Baixada Fluminense, com foco em cidades como Nova Iguaçu e Seropédica.

Após o rompimento, Tandera costurou uma aliança com o miliciano Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, que domina comunidades nos bairros de Cascadura e Campinho, na zona norte, além de Praça Seca e Curicica, na zona oeste da capital. Ele foi preso pela Polícia Civil na última sexta-feira (13).

É no contexto da movimentação desses três grupos que as mortes recentes estão inseridas.

Três chefes de milícia mortos em 3 dias

Em 4 de agosto, Maicon Douglas Santana Bonifácio foi assassinado em Curicica, na zona oeste da capital. Conhecido como Kako, ele é apontado como chefe da milícia que controla a comunidade Dois Irmãos, no mesmo bairro. A comunidade vinha sendo disputada entre milicianos aliados de Ecko e de Macaquinho.

Fábio Pereira de Oliveira, o Fábio Gordo, foi morto em 6 de agosto em Inhoaíba, na zona oeste do Rio. Ele era apontado como um dos líderes da milícia no bairro e chegou a ser preso em 2010 na casa do ex-deputado estadual Natalino Guimarães, um dos fundadores da Liga da Justiça. A área é controlada pelos aliados de Ecko.

No mesmo dia, também foi assassinado José Carlos Gonçalves da Rosa, o Japão, que controlava os morros da Covanca e do Jordão, em Jacarepaguá, também na zona oeste.

Não há até o momento indicativos de que as mortes estejam relacionadas, mas elas ocorrem em um contexto de escaramuças entre os principais grupos de milicianos no estado. Os confrontos rompem uma espécie de pacto de não agressão existente entre grupos paramilitares no Rio nos últimos anos.

"É natural que com a prisão ou morte de alguma liderança surja um vácuo de poder e haja uma tentativa de tomada", explica o delegado Wliliam Pena Junior, titular da Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas).

Milícias se dividem em três facções

As três principais milícias do Rio controlam amplas áreas das zonas oeste e norte da capital, além de comunidades e bairros na Baixada Fluminense. Antes aliadas, elas hoje se enfrentam em busca de novos territórios, protagonizando tiroteios.

O Bonde do Ecko passou a ser liderado por Luís Antonio da Silva Braga, o Zinho, irmão de Ecko. O grupo domina grande parte da zona oeste da capital, controlando bairros como Santa Cruz, Campo Grande, Cosmos e Inhoaíba.

15.jun.2021 - O Disque Denúncia aumentou para R$ 5 mil o valor da recompensa por informações que levem ao paradeiro de Danilo Dias Lima, o Tandera, o principal suspeito de assumir o controle da milícia após a morte de Ecko - Divulgação - Divulgação
Danilo Dias Lima, o Tandera
Imagem: Divulgação

Outro grupo é o Bonde do Tandera, comandado por Danilo Dias Lima, o Tandera, maior liderança paramilitar em liberdade no estado hoje. Após a morte de Ecko, Tandera vem tentando expandir seus domínios e comandou a invasão à comunidade de Manguariba, em Paciência, que fica às margens da Avenida Brasil.

Já o grupo de Macaquinho controlava inicialmente os morros do Fubá, em Cascadura, e Campinho, onde ele foi preso. Recentemente, o grupo também avançou sob as comunidades da Praça Seca, na zona oeste, tomando os morros da Chacrinha e Bateau Mouche, assim como a comunidade Dois Irmãos.

O delegado Marcus Amim, titular da DCOD (Delegacia de Combate às Drogas), diz que o processo de divisão dos grupos paramilitares repete o mesmo que ocorreu com o tráfico de drogas nos anos 1980, no Rio. O Comando Vermelho, principal facção do estado, viu surgir a concorrência do Terceiro Comando e do ADA (Amigos dos Amigos).

"Esses três grupos [de milicianos] já foram aliados. Quando começa a haver uma disputa muito grande pela fonte de renda, a disputa territorial é inevitável. Aconteceu com o tráfico e agora está acontecendo com a narcomilícia".

Além dos três grupos principais, há diversas milícias menores atuando no Grande Rio, em geral com controle de uma comunidade específica.

Polícia Civil tem dois alvos

Criada em 2020 pela Polícia Civil, a força-tarefa de combate às milícias esteve envolvida na prisão de Macaquinho e na morte de Ecko. Segundo a cúpula da corporação, agora o grupo —composto pela Draco, pela DCOD e por várias outras unidades especializadas— tem dois alvos principais: Danilo Tandera e o miliciano Leonardo Luccas Pereira —conhecido como Leléo ou Tico.

Leléo é apontado como sucessor de Macaquinho no comando da milícia do Campinho e também já foi listado como um dos integrantes do Escritório do Crime —grupo de matadores de aluguel fundado pelo ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Adriano da Nóbrega.

Em um telefonema com o ex-vereador Marcello Siciliano, o miliciano Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, apontou Leléo como um dos responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Segundo ele, Leléo, Macaquinho e um miliciano conhecido como Mad teriam sido contratados pelo ex-deputado estadual Domingos Brazão para cometer o crime.

O áudio foi usado pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge para embasar uma denúncia contra Brazão e outros alvos por obstrução do Caso Marielle. Contudo, membros do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e da Polícia Civil do Rio envolvidos na apuração da morte da vereadora afirmaram na ocasião que a denúncia não se sustentava. Brazão nega qualquer envolvimento no crime.