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Mortes de rivais marcaram comando de milícia por Girão, dizem testemunhas

1.jan.2009 - Cristiano Girão na posse da Câmara Municipal do Rio em 2009 - Marcos de Paula/AE
1.jan.2009 - Cristiano Girão na posse da Câmara Municipal do Rio em 2009 Imagem: Marcos de Paula/AE

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

09/08/2021 07h00

Novas investigações mostram que o comando do ex-vereador do Rio Cristiano Girão à frente de uma milícia na comunidade Gardênia Azul foi marcado por mortes de desafetos e cobranças sob ameaça, segundo relatos de testemunhas. Ele foi preso em 30 de julho por suspeita de ordenar um duplo homicídio na comunidade da zona oeste.

Os depoimentos foram coletados nos últimos meses pela força-tarefa do Caso Marielle no âmbito da investigação dos assassinatos do miliciano André Henrique da Silva Souza, o Zóio, e de sua namorada, Juliana Sales Oliveira, em junho de 2014 no Gardênia Azul.

Zóio foi morto pelo PM reformado Ronnie Lessa em disputa por território a mando de Girão, segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro). As investigações —que reforçam o elo de Girão com o homem acusado de matar Marielle Franco— revelaram disputas pelo controle do Gardênia.

A força-tarefa do Caso Marielle não diz oficialmente que Girão é suspeito de envolvimento na morte da vereadora, mas a atuação do núcleo do MP-RJ na prisão dele indica que o ex-vereador é investigado.

Comando da cadeia e cobranças sob ameaça

Do início dos anos 1990 até 2009, ano da primeira prisão, Girão já comandava a milícia do Gardênia com "mãos de ferro", de acordo com a Justiça do Rio de Janeiro.

Nesse período, ele foi bombeiro, presidente da associação de moradores da comunidade e, em 2008, eleito vereador do Rio. Em 2009, foi preso ao ser condenado por associação criminosa, tendo cumprido pena até 2017.

Enquanto esteve na cadeia, Girão continuou exercendo poder na comunidade, segundo as investigações. Comparsas e "laranjas" eram responsáveis por manter o controle da milícia do ex-vereador no Gardênia —eles recolhiam aluguéis e repassavam recados de dentro da prisão.

Depoimentos colhidos há dez anos apontam que dois homens andavam armados pelo Gardênia a mando de Girão. Segundo moradores, a dupla agredia e ameaçava quem não honrava os pagamentos de aluguéis.

O UOL teve acesso à investigação, mas não identificará as testemunhas por risco à segurança delas. Denúncias anônimas também relataram as práticas de "roubo, assassinato, extorsão, espancamento e cobranças de modo geral" por parte da milícia, cujo líder seria Girão.

Na ocasião, Girão refutou as acusações, afirmando que "se fosse pessoa de impor ordens, opressora, não poderia ter 11 mil votos", que o elegeram vereador.

30.jul.2021 - Ex-vereador Cristiano Girão é preso preventivamente em São Paulo - Reprodução - Reprodução
30.jul.2021 - Ex-vereador Cristiano Girão é preso preventivamente em São Paulo
Imagem: Reprodução

Tentativa de 'golpe de estado'

A investigação que levou Girão à prisão na semana passada evidencia o quanto ele não aceitaria perder espaço na comunidade. Uma testemunha relatou em detalhes os passos até a morte de seu irmão, um ex-PM, poucos dias antes do assassinato de Zóio em junho de 2014.

Essa vítima integrou um grupo que queria dar um "golpe de estado", conforme termo empregado no depoimento, e assumir o controle do Gardênia. Para isso, o ex-PM se juntou a Zóio e a Nilson Paraíba, Tatá, Cosminho e Grande, também apontados como milicianos.

Quando decidiram cobrar os aluguéis dos imóveis de Girão (seriam cerca de 70), o ex-PM e Zóio foram assassinados. Cosminho e Grande, segundo relata a testemunha, desapareceram. No processo judicial, consta que, segundo boatos na comunidade, foram mortos queimados.

Comparsas mortos sem explicação após 2018

Em 2014, quando o grupo rival tentou tomar o controle do Gardênia, Girão tinha três homens de confiança —o ex-policial civil Wallace de Almeida Pires, o Robocop; Fábio Salustino, o Rolamento, e Leandro Siqueira de Assis, o Gargalhone.

Rolamento foi assassinado com mais de 20 tiros de fuzil no Gardênia em agosto de 2018. Em julho do ano seguinte, Robocop foi morto em um bar no Anil, também na região de Jacarepaguá.

Os assassinatos aconteceram meses após a morte de Marielle —a investigação não mostra relação dessas mortes com o crime contra a vereadora do PSOL.

Já Gargalhone foi preso em março de 2018 —cerca de dois anos antes, ele assumira a liderança da milícia do Gardênia, segundo as investigações. Ainda assim, Girão não deixou de exercer poder na comunidade —a essa altura, o ex-vereador já estava solto e morando fora do Rio.

Procurada pelo UOL, a defesa de Girão diz que ele não exercia influência na região e que, desde 2009, não volta ao local.

A nota ainda diz que, "após a prisão de Girão e sua soltura, diversas investigações policiais foram realizadas e em nenhuma delas o nome de Girão foi mencionado. Ao contrário, ficou comprovada as sucessivas alterações nas lideranças locais."

Após a prisão de Girão, o advogado Zoser Hardman afirmou que "o processo é vazio e não há nenhum elemento concreto que indique a participação de Cristiano no crime".

A reportagem não localizou as defesas de Gargalhone, Nilson Paraíba e Tatá.

"O homem": Lessa era temido no Gardênia

A investigação sobre a morte de Zóio só avançou seis anos após o crime, quando em março de 2020 uma testemunha indicou à polícia que o assassino de Zóio era Ronnie Lessa.

Dias antes, Lessa havia sido preso por matar, nos mesmos moldes, Marielle e Anderson.

O policial militar reformado Ronnie Lessa, 48, acusado de efetuar dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco  - Reprodução/SBT - Reprodução/SBT
Lessa era temido no Gardênia e chamado de "o homem" por moradores
Imagem: Reprodução/SBT

O surgimento do nome de Lessa acendeu o alerta da força-tarefa do Caso Marielle, do MP-RJ. O grupo investigou o duplo assassinato para entender a parceria de Lessa e Girão.

Os depoimentos mais recentes colhidos pela força-tarefa apontam que Lessa era temido no Gardênia. Seja na gestão de Girão, Zóio ou Gargalhone, tinha livre trânsito e frequentava bares na comunidade. Moradores relataram que até saíam de perto quando o viam.

Um dia antes do assassinato de Zóio, uma testemunha o viu na comunidade e diz ter certeza que se tratava dele, pois mancava —Lessa usa perna mecânica.

Além de Lessa, testemunhas apontaram o envolvimento de Robocop e Gargalhone, indicando relação de Girão com o fato. Também foi citado o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel.

Em decorrência de investigações do Caso Marielle, Suel foi preso por suspeita de auxiliar Lessa a esconder a arma do crime.

A defesa de Lessa afirma que "não teve acesso a absolutamente nada dessa investigação, o que impossibilita qualquer posicionamento". A defesa de Suel não foi localizada.