Tiroteios em favelas no Rio caem 38% após decisão do STF, diz levantamento
Um ano e cinco meses após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de restringir as operações policiais em favelas do estado do Rio de Janeiro, o número de tiroteios caiu. Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado cedido com exclusividade ao UOL mostra que houve uma queda de 38% dos tiroteios na região metropolitana da capital desde que o ministro Edson Fachin adotou a medida liminarmente.
De acordo com os dados do Fogo Cruzado —que monitora a violência armada na região desde 2016—, ocorreram 1.693 tiroteios durante operações e ações policiais na região metropolitana do Rio em 17 meses —período entre 6 de junho de 2020, quando Fachin restringiu as operações, e 5 de novembro deste ano. Queda de aproximadamente 38% em comparação aos 17 meses anteriores, quando houve 2.715 confrontos.
Fachin tomou a decisão no âmbito da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, proposta pelo PSB e que tem como partes a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e diversas entidades da sociedade civil. Conhecida como ADPF das Favelas, a ação também teve apoio majoritário no plenário do STF, que referendou a visão de Fachin.
Contudo, há consenso entre especialistas que as forças de segurança do Rio de Janeiro passaram a desrespeitar sistematicamente a decisão do STF no fim de 2020. Dados do ISP-RJ (Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro), órgão responsável pelas estatísticas oficiais no estado, mostram uma redução de 32% nas mortes cometidas por policiais em 2020, em comparação com 2019: foram 1.239 mortes em 2020, contra 1.814 no ano anterior —a redução foi puxada pelo segundo semestre, onde em alguns meses a queda foi de mais de 70%.
Apesar da queda de letalidade das forças policiais no Rio, não houve mudança na tendência de redução dos demais índices de criminalidade durante a vigência da ADPF —argumento utilizado pelas polícias fluminenses para se opor à decisão. Em 2020 e durante todo o ano de 2021 o Rio vem tendo recordes históricos de redução de homicídios. Também há queda em outros indicadores importantes, como roubos de carga, de veículos e a transeuntes.
Mortes cometidas por policiais voltam a crescer em 2021
Contudo, a tendência foi revertida no fim do ano passado e as polícias vêm matando mais em 2021. Entre janeiro e setembro deste ano, policiais mataram 1.096 pessoas no estado, contra 935 no mesmo período de 2019. A alta de 17,2% nas mortes por intervenção de agentes do Estado tem seu maior símbolo na Operação Exceptis, ação da Polícia Civil que matou 27 pessoas na favela do Jacarezinho, em maio.
Após a ação mais letal das forças de segurança na história do Rio de Janeiro —na qual um policial civil também morreu— houve diversas denúncias de execuções e outros crimes cometidas por agentes durante a incursão. Dois policiais civis já se tornaram réus por participação em uma das mortes durante a ação.
Um estudo do GENI (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense) publicado em junho deste ano, mostra que a decisão também teve impacto sobre as operações policiais. Segundo o grupo de estudo, o respeito à decisão foi mais significativo entre junho e setembro de 2020, quando houve uma redução de 18,7% nas operações policiais monitoradas pelos pesquisadores, e de 37,7% nas mortes ocorridas durante elas. Posteriormente, os números relacionados à violência policial no estado voltaram a crescer.
Segundo o Instituto Fogo Cruzado, também houve queda no número de chacinas ocorridas no Rio —a organização classifica assim ocorrências com três ou mais mortes, cometidas por criminosos ou policiais. Após a decisão do STF, houve 57 casos desse tipo relacionados a operações policiais, com um resultado de 238 mortos. Nos 17 meses anteriores à ADPF 635, foram 82 ocorrências com 309 mortos.
Segundo a jornalista Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, a decisão do STF "está salvando vidas" no Rio.
"Foi necessário que o STF interviesse para obrigar o estado do Rio de Janeiro a cumprir a Constituição e abandonar políticas nocivas que colocam as pessoas em risco, violando seu dever constitucional de preservar vidas. Agora, com a pandemia da covid-19 aproximando-se de um possível fim, cidadãos do Rio de Janeiro precisam que o saldo positivo trazido pela ADPF 635 continue", avalia.
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