PM falou que jovem algemado a moto iria correr uma maratona, diz advogado
O policial militar que prendeu o jovem negro de 18 anos algemado a uma moto da corporação em movimento disse que ele iria "correr uma maratona", segundo a defesa. A ação, que ocorreu na zona leste de São Paulo, foi filmada na última terça-feira e gerou revolta nas redes sociais.
Em entrevista ao UOL, o advogado Fábio Costa informou ainda que o jovem ficou com ferimentos no corpo porque caiu enquanto era arrastado em via pública na avenida Professor Luiz Ignácio Anhaia Mello. Em audiência de custódia ontem à tarde no Fórum Criminal da Barra Funda, a juíza Julia Martinez Alonso de Almeida Alvim disse não ver ilegalidade na ação e converteu a prisão em flagrante em preventiva.
No boletim de ocorrência, ao qual o UOL teve acesso, os policiais militares envolvidos na ação não mencionaram que o rapaz foi algemado à moto de um deles antes de ser levado até o 56º Distrito Policial, onde foi registrada a prisão em flagrante por tráfico de drogas.
Segundo a versão dada pelos policiais militares na delegacia, o jovem identificado como Jhonny Ítalo da Silva manobrou a moto na contramão para escapar de uma barreira policial por volta das 11h, colidiu o veículo contra uma ambulância e fugiu a pé, mas acabou sendo capturado.
Foi nesse momento, segundo o advogado, que houve a abordagem e a prisão.
Ele correu por dois quarteirões e sentou em uma calçada porque achou que tinha conseguido despistar os policiais. Aí, o policial chegou e perguntou: 'Você é atleta? Porque agora você vai correr uma maratona"
Fábio Costa, advogado de Jhonny
'Ele caiu e foi arrastado por alguns metros', diz advogado
Segundo o advogado, Jhonny foi então algemado ao baú da moto e arrastado pela avenida quando caiu.
"Ele tem um tumor na perna esquerda. E, por isso, não consegue correr por muito tempo. Ele chegou a cair e foi arrastado por alguns metros. Aí, o policial parou a moto para que ele levantasse e continuasse correndo", relatou.
O defensor disse ter pedido à juíza para mostrar os ferimentos causados pela queda na parte lateral do corpo enquanto era arrastado —ele também ficou com hematomas no pulso esquerdo, onde foi colocada a algema para arrastá-lo.
Mas a juíza se recusou a atender à solicitação durante a audiência de custódia de ontem e se limitou apenas a dizer que as acusações não estão diretamente relacionadas à prisão por tráfico.
Embora haja alegação de violência praticada por um dos policiais militares no momento da prisão, tal circunstância não é capaz de macular a prisão pela prática do crime de tráfico de drogas (...). A ocorrência de violência policial deverá ser apurada na esfera adequada"
Trecho da decisão da audiência de custódia
"A juíza disse que [os supostos ferimentos causados pela queda enquanto era arrastado pela moto da PM] não eram assunto para a audiência de custódia. Mas isso seria essencial para verificar se houve ilegalidade na prisão", argumentou.
Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, o advogado Ariel de Castro Alves também criticou a decisão da Justiça. "A prática de tortura e de abuso de autoridade por parte do PM que efetuou a detenção do rapaz deveria gerar a anulação da prisão. Foi uma decisão lamentável".
Denúncia de agressões em viatura
Segundo Costa, após ser arrastado pela moto, Jhonny foi colocado em uma viatura da PM que chegou ao local em apoio à ocorrência para ser levado à delegacia. Lá, ainda de acordo com a defesa, ele ainda sofreu agressões cometidas pelos policiais dentro do veículo. "Além de ter sido arrastado por uma moto, ele ainda foi agredido", disse o defensor.
Após a conversão da prisão em flagrante em preventiva ontem, Jhonny foi levado para a carceragem do 31º Distrito Policial. Hoje, acabou sendo transferido para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Chácara Belém, na zona leste de São Paulo.
A ação, revoltou internautas e gerou cobrança de autoridades. "A imagem lembra do período da escravidão, quando os negros eram submetidos a esse tipo de humilhação e constrangimento", criticou o advogado Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de São Paulo.
Na gravação, é possível ver o homem correndo atrás da moto. Pessoas por trás da câmera dão risada e uma delas debocha: "Olha, algemou e está andando igual a um escravo. Vai roubar mais agora?", questiona.
O cabo Jocelio Almeida de Sousa, 34 anos, identificado como o policial que aparece nas imagens conduzindo o veículo, pode responder pelos crimes de tortura, racismo e abuso de autoridade. Já o soldado Rogério Silva de Araújo, 39, que também participou da ocorrência, pode responder por prevaricação.
A PM disse que abriu inquérito para apurar o caso e afastou o cabo das ruas. A reportagem telefonou ontem à tarde para Jocelio, mas ele não quis se manifestar e desligou em seguida. Já o soldado Rogério não foi localizado para apresentar a sua versão.
A investigação também está sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo Grupo Tortura Nunca Mais.
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