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Policiais não citam em depoimento que jovem negro foi algemado em moto

Herculano Barreto Filho e Josmar Jozino

Do UOL, em São Paulo

01/12/2021 15h44

Os policiais militares envolvidos na prisão de um homem negro de 18 anos não citaram na delegacia que ele foi algemado a uma moto da corporação e arrastado em via pública na zona leste de São Paulo. O UOL teve acesso ao boletim de ocorrência, registrado ontem à tarde no 56º Distrito Policial após prisão em flagrante por tráfico de drogas.

O cabo Jocelio Almeida de Sousa, 34 anos, identificado como o policial que aparece nas imagens conduzindo o veículo, pode responder pelos crimes de tortura, racismo e abuso de autoridade. Já o soldado Rogério Silva de Araújo, 39, pode responder por prevaricação.

Em depoimento, o cabo Jocelio limitou-se a dizer que o suspeito foi conduzido até a delegacia. Mas não informou de que forma isso ocorreu, mesma versão apresentada pelo seu colega de farda.

A PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) abriu inquérito para apurar o caso e afastou o cabo das ruas. A reportagem telefonou hoje à tarde para Jocelio, mas ele não quis se manifestar e desligou em seguida. Já o soldado Rogério não foi localizado para apresentar a sua versão.

O episódio, registrado em vídeo, revoltou internautas e gerou cobrança de autoridades. "A imagem lembra do período da escravidão, quando os negros eram submetidos a esse tipo de humilhação e constrangimento", criticou o advogado Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de São Paulo, que formalizou pedido de apuração do caso à PM-SP.

Na gravação, é possível ver o homem correndo atrás da moto enquanto o cabo Jocelio acelera. Pessoas por trás da câmera dão risada e uma delas debocha: "Olha, algemou e está andando igual a um escravo. Vai roubar mais agora?", questiona. A investigação também está sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo Grupo Tortura Nunca Mais.

Jovem não confirma versão dos PMs em delegacia

Segundo a versão dada pelos policiais militares na delegacia, o jovem de 18 anos manobrou a moto na contramão da avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello para escapar de uma barreira policial por volta das 11h de ontem, colidiu o veículo contra uma ambulância e fugiu a pé, mas acabou sendo capturado.

De acordo com os agentes, ele estava com uma mochila com 11 tabletes de maconha. Em depoimento, o cabo Jocelio disse que o jovem abandonou a mochila com as drogas antes de colidir a moto em uma perseguição com menos de dez minutos. Segundo ele, o material entorpecente acabou sendo retido pelo seu colega de farda, que confirmou a versão.

cabo, jocelio - Reprodução - Reprodução
Cabo Jocelio Almeida de Sousa, 34 anos, identificado como o policial que aparece nas imagens conduzindo a moto com um suspeito algemado
Imagem: Reprodução

O cabo Jocelio então disse ter prosseguido em perseguição enquanto soldado Rogério informou em depoimento ter ficado pelo caminho com as drogas abandonadas pelo jovem.

Após a captura, os policiais militares disseram que o suspeito teria confessado em "entrevista informal" que a droga seria entregue a um traficante por R$ 150 em um bairro próximo. Contudo, o jovem não confirmou a versão contada pelos policiais e permaneceu em silêncio na delegacia.

Segundo o decreto 8.858 da Lei de Execução Penal, "é permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia" —não seria o caso, de acordo com a versão apresentada pelos policiais na ocorrência, já que o suspeito já havia sido capturado sem apresentar resistência.

No registro, o delegado Túlio Bueno de Alckmim Moraes representou pela conversão da prisão em flagrante por prisão preventiva devido ao cometimento de "crime de gravidade acentuada e que demanda atenção especial para a preservação da ordem pública".

"Tem-se que a alta quantidade de droga apreendida seria encaminhada a traficantes e certamente distribuída a vários usuários, o que sem dúvida traria danos consideráveis à saúde pública", complementou.

Em audiência de custódia na tarde de hoje, o jovem teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela juíza Julia Martinez Alonso de Almeida Alvim, do Departamento de Inquéritos Policiais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A magistrada não viu ilegalidade na prisão.

"O auto de prisão em flagrante encontra-se formalmente em ordem, não havendo nulidades ou irregularidades", declarou Almeida Alvim. "Embora haja alegação de violência praticada por um dos policiais militares no momento da prisão, tal circunstância não é capaz de macular a prisão pela prática do crime de tráfico de drogas."