Policiais não citam em depoimento que jovem negro foi algemado em moto
Os policiais militares envolvidos na prisão de um homem negro de 18 anos não citaram na delegacia que ele foi algemado a uma moto da corporação e arrastado em via pública na zona leste de São Paulo. O UOL teve acesso ao boletim de ocorrência, registrado ontem à tarde no 56º Distrito Policial após prisão em flagrante por tráfico de drogas.
O cabo Jocelio Almeida de Sousa, 34 anos, identificado como o policial que aparece nas imagens conduzindo o veículo, pode responder pelos crimes de tortura, racismo e abuso de autoridade. Já o soldado Rogério Silva de Araújo, 39, pode responder por prevaricação.
Em depoimento, o cabo Jocelio limitou-se a dizer que o suspeito foi conduzido até a delegacia. Mas não informou de que forma isso ocorreu, mesma versão apresentada pelo seu colega de farda.
A PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) abriu inquérito para apurar o caso e afastou o cabo das ruas. A reportagem telefonou hoje à tarde para Jocelio, mas ele não quis se manifestar e desligou em seguida. Já o soldado Rogério não foi localizado para apresentar a sua versão.
O episódio, registrado em vídeo, revoltou internautas e gerou cobrança de autoridades. "A imagem lembra do período da escravidão, quando os negros eram submetidos a esse tipo de humilhação e constrangimento", criticou o advogado Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de São Paulo, que formalizou pedido de apuração do caso à PM-SP.
Na gravação, é possível ver o homem correndo atrás da moto enquanto o cabo Jocelio acelera. Pessoas por trás da câmera dão risada e uma delas debocha: "Olha, algemou e está andando igual a um escravo. Vai roubar mais agora?", questiona. A investigação também está sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo Grupo Tortura Nunca Mais.
Jovem não confirma versão dos PMs em delegacia
Segundo a versão dada pelos policiais militares na delegacia, o jovem de 18 anos manobrou a moto na contramão da avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello para escapar de uma barreira policial por volta das 11h de ontem, colidiu o veículo contra uma ambulância e fugiu a pé, mas acabou sendo capturado.
De acordo com os agentes, ele estava com uma mochila com 11 tabletes de maconha. Em depoimento, o cabo Jocelio disse que o jovem abandonou a mochila com as drogas antes de colidir a moto em uma perseguição com menos de dez minutos. Segundo ele, o material entorpecente acabou sendo retido pelo seu colega de farda, que confirmou a versão.
O cabo Jocelio então disse ter prosseguido em perseguição enquanto soldado Rogério informou em depoimento ter ficado pelo caminho com as drogas abandonadas pelo jovem.
Após a captura, os policiais militares disseram que o suspeito teria confessado em "entrevista informal" que a droga seria entregue a um traficante por R$ 150 em um bairro próximo. Contudo, o jovem não confirmou a versão contada pelos policiais e permaneceu em silêncio na delegacia.
Segundo o decreto 8.858 da Lei de Execução Penal, "é permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia" —não seria o caso, de acordo com a versão apresentada pelos policiais na ocorrência, já que o suspeito já havia sido capturado sem apresentar resistência.
No registro, o delegado Túlio Bueno de Alckmim Moraes representou pela conversão da prisão em flagrante por prisão preventiva devido ao cometimento de "crime de gravidade acentuada e que demanda atenção especial para a preservação da ordem pública".
"Tem-se que a alta quantidade de droga apreendida seria encaminhada a traficantes e certamente distribuída a vários usuários, o que sem dúvida traria danos consideráveis à saúde pública", complementou.
Em audiência de custódia na tarde de hoje, o jovem teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela juíza Julia Martinez Alonso de Almeida Alvim, do Departamento de Inquéritos Policiais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A magistrada não viu ilegalidade na prisão.
"O auto de prisão em flagrante encontra-se formalmente em ordem, não havendo nulidades ou irregularidades", declarou Almeida Alvim. "Embora haja alegação de violência praticada por um dos policiais militares no momento da prisão, tal circunstância não é capaz de macular a prisão pela prática do crime de tráfico de drogas."
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