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Gaiolas, feira e surra: as últimas horas dos meninos de Belford Roxo

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

11/12/2021 04h00

Alexandre da Silva, 11, chegou por volta das 11h30 de 27 de dezembro do ano passado na casa onde morava com a mãe e a avó no Morro do Castelar, na Baixada Fluminense. Acompanhado do primo Lucas da Silva, 9, e do amigo Fernando Henrique Soares, 12, ele acordou a mãe com um pedido de dinheiro.

Na ocasião, Lucas aproveitou para tomar banho e trocar de roupa. Em seguida, os primos deixaram a residência com pães para lanchar, levando inclusive para o amigo que os aguardava do lado de fora. Esse foi o último contato dos meninos com a família de Alexandre antes de desaparecerem.

27.dez.2020 - Imagens de câmera de segurança mostram os meninos a caminho da feira de Areia Branca - Reprodução - Reprodução
27.dez.2020 - Imagens de câmera de segurança mostram os meninos a caminho da feira de Areia Branca
Imagem: Reprodução

Após 11 meses de investigação, a Polícia Civil do Rio de Janeiro encerrou na quinta-feira (9) o inquérito sobre o sumiço das crianças. A conclusão foi que os três foram torturados e mortos por traficantes do CV (Comando Vermelho) após terem furtado uma gaiola com passarinho de um tio de um dos traficantes da região.

De acordo com as investigações, os meninos foram capturados, mortos e tiveram os corpos ocultados no mesmo dia. Os corpos dos garotos até hoje não foram encontrados.

Veja o que a polícia apurou sobre os últimos momentos dos meninos:

1. Na manhã do dia 27, os meninos se reuniram para brincar em uma espécie de quadra na comunidade do Castelar.

2. Por volta de 11h30, foram até a casa de Alexandre. Era um dia chuvoso. Familiares relataram à polícia que os três saíram do imóvel sem gaiolas de passarinho.

3. Pouco depois de 13h, o trio deixa a comunidade do Castelar por meio de um buraco no muro do condomínio. Testemunhas relataram que as crianças carregavam duas gaiolas com pássaros e estavam a caminho da feira de Areia Branca —situada a 2 km de distância do Castelar. Uma das gaiolas teria sido furtada de um tio do traficante Wiler Castro da Silva, o Stala, um dos gerentes do tráfico de drogas da região.

4. Às 13h39, uma câmera de segurança grava os meninos a caminho da feira. Nas imagens, os garotos estão sem gaiolas. A polícia não soube dizer se as aves foram vendidas durante o trajeto ou guardadas em algum lugar.

5. Por volta de 14h, os meninos chegam juntos à feira, onde foram vistos por duas testemunhas.

A gente tem depoimentos de testemunhas que afirmam que eles saíram do condomínio com as gaiolas, mas chegam na feira sem (...) A gente não tem prova que eles foram na feira vender as gaiolas, a gente tem que eles iam fazer algum negócio com o pássaro. No retorno é quando tudo acontece
Uriel Alcântara, delegado responsável pelo caso

6. No fim da tarde, eles retornam para comunidade do Castelar, onde são capturados por traficantes do CV que domina a região.

7. Levados para um beco, os meninos foram torturados, segundo a polícia, como retaliação pelo suposto furto das aves. Com a morte de um deles durante as agressões, os criminosos resolvem matar as outras duas crianças para tentar ocultar o crime.

8. A traficante Ana Paula da Rosa Costa foi incumbida de ocultar os corpos. Tia Paula, como era conhecida, chegou a um bar na garupa de uma moto, perguntou a dois homens que bebiam se eles sabiam dirigir e convocou um deles para uma "missão". O homem foi levado para o alto da comunidade e assumiu a condução do veículo com os corpos dos meninos —o motorista responde em liberdade por ocultação de cadáver.

9. A polícia estima que os corpos dos garotos foram deixados em um rio de Belford Roxo entre 18h e 20h.

Quem são os 5 suspeitos do crime

1. Edgard Alves de Andrade, o Doca, é apontado como chefe do tráfico de drogas no Castelar. Segundo a polícia, ele autorizou o "corretivo" nos meninos. Ele está foragido.

O traficantes Wiler Castro da Silva, o Estala - Reprodução - Reprodução
O traficantes Wiler Castro da Silva, o Estala
Imagem: Reprodução

2. Outra liderança criminosa é José Carlos dos Prazeres Silva, o Piranha. Segundo a polícia, ele foi morto pelo "tribunal do tráfico". Juntamente com Doca, autorizava todo tipo de ação "corretiva" na comunidade. Uma testemunha-chave presenciou conversa em que Estala afirmou a outro criminoso que teve aval de Doca e Piranha para "dar um corretivo" nos meninos.

3. Wiler Castro da Silva, o Estala, é apontado como o principal articulador das mortes. Estala foi responsável por capturar as crianças. Ele também foi assassinado pelo CV, segundo a polícia.

Tia Paula, apontada como traficante envolvida na ocultação dos corpos - Reprodução - Reprodução
Tia Paula, apontada como traficante envolvida na ocultação dos corpos
Imagem: Reprodução

4. A traficante Tia Paula saiu pela comunidade em busca de alguém que pudesse dirigir o carro que levou os corpos das crianças do alto do morro do Castelar até um rio. Segundo a polícia, ela foi assassinada.

5. Um quinto traficante, cuja identidade não foi revelada pela polícia, também responderá pelas mortes. Ele está preso.

Suspeitos têm dezenas de mandados de prisão

Com exceção de Doca, que está foragido, a Polícia Civil diz acreditar que Estala, Piranha e Tia Paula estejam mortos após decisão da cúpula do CV em razão da repercussão do caso. Apesar disso, os três estão entre os indiciados pela morte das crianças.

Sem corpos e provas concretas dos homicídios, eles são tratados como vivos durante o processo criminal. O delegado Uriel Alcântara afirmou que há investigações paralelas para encontrar e agrupar provas dos homicídios. Quando isso acontecer, as acusações contra os três serão extintas.

De acordo com levantamento da Polícia Civil, Doca, Piranha, Estala e Tia Paula têm juntos 124 anotações criminais e já possuíam 29 mandados de prisão em aberto.

Doca aparece com a ficha criminal mais extensa: 86 anotações e agora, 15 mandados de prisão.