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Parentes de isolados em MG tentam doar comida e água: "Só por helicóptero"

Ponte de acesso ao povoado de Dois de Abril, em Minas Gerais foi destruída pelas chuvas - Arquivo pessoal
Ponte de acesso ao povoado de Dois de Abril, em Minas Gerais foi destruída pelas chuvas Imagem: Arquivo pessoal

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

13/12/2021 17h50

A manicure Jéssica Fernandes, 22, não dormiu direito da última quarta-feira (8) até domingo (15). Ela mora em São Paulo, e estava sem notícias da família, que vive no povoado Dois de Abril, parte do município de Palmópolis, no norte de Minas Gerais. Atingido pelas fortes chuvas que caíram no norte do estado, o vilarejo ficou sem energia elétrica por quase cinco dias —e continua sem água.

Com a área ilhada, familiares de fora se uniram para fazer doações de comida e água potável, mas ainda não conseguiram entregar o material. As chuvas pararam, mas, com uma ponte danificada e outra submersa, o povoado a 700 km de Belo Horizonte segue sem acesso por terra. A Prefeitura de Palmópolis enviou cestas básicas por helicóptero nesta segunda-feira (13).

As enchentes no sul da Bahia e no norte de Minas foram provocadas por um ciclone extratropical formado na costa sul do país —o volume de chuvas chegou a 450 mm no extremo sul da Bahia no meio da semana. Até agora, a Bahia registrou dez mortos e 220 mil afetados e Minas, 2 mortos e 15 mil afetados em decorrência das enchentes, segundo as Defesas Civis dos dois estados.

Acesso via helicóptero

O povoado Dois de Abril, na divisa de Minas com a Bahia, tem duas pontes de acesso, uma para entrada e outra para a saída de veículos. A primeira foi destruída pela enchente no meio da semana passada e a segunda segue submersa por um córrego que transbordou —o nível de água ainda não baixou totalmente.

Como a tempestade destruiu postes e os canos de água, familiares que saíram do vilarejo decidiram formar um grupo no WhatsApp para organizar o envio de comida e água potável. Mas o acesso ao local continua difícil.

Formamos um grupo com filhos, sobrinhos, irmãos de moradores que estão em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e outros lugares. A gente arrecadou um dinheiro exclusivamente para comida e bebida, principalmente água. Como não voltou a água encanada, as pessoas estavam bebendo água do rio, barrosa, ou de bica acumulada da chuva."
Jéssica Fernandes, manicure

Ao tudo, o grupo conseguiu arrecadar R$ 2.475 para os mantimentos —R$ 835 por meio de vaquinha virtual, com doações do país inteiro, e R$ 1.600 de ajuda dos próprios familiares. Uma parente em Teixeira de Freitas (BA), a 150 km do povoado mineiro, ficou responsável por comprar os alimentos. O objetivo era fazer a entrega no domingo, mas, dada impossibilidade de acesso por terra, ainda não foi possível realizar a doação.

"O que conseguimos foram pessoas que se solidarizaram e decidiram ir a pé ou de moto que faz trilha, mas, ainda assim, estava muito difícil chegar à cidade porque tinha muita lama e muitas árvores no caminho. As pessoas estão fazendo o caminho com cordas", relata.

Eles conseguiram entrar em contato com o prefeito de Palmópolis, Marcelo Fernandes (DEM), que solicitou, por meio do governo estadual, dois helicópteros para levar cestas básicas entre domingo e segunda. Fernandes estima que toda a arrecadação feita por eles deverá ser enviada o quanto antes, só é preciso avaliar como.

Cestas básicas doadas pela Prefeitura de Palmópolis chegam ao povoado Dois de Abril, ilhado, via helicóptero - Reprodução/Arquivo pessoal - Reprodução/Arquivo pessoal
Cestas básicas doadas pela Prefeitura de Palmópolis chegam ao povoado Dois de Abril, ilhado, via helicóptero
Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

À população, foi prometido que a água e o acesso seriam restabelecidos ainda no início desta semana. A reportagem tentou entrar em contato com a Prefeitura de Palmópolis para saber quantas cestas foram entregues e o que deverá ser feito, mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem.

Incomunicáveis por cinco dias

As chuvas começaram com maior intensidade na madrugada da quarta-feira. Fernandes conta que, ao conversar com a família no início das chuvas, ficou mais tranquila porque não é raro que os níveis do rio subam e haja oscilação na energia. Ela só não esperava tamanha intensidade.

"Minha mãe entrou em contato comigo [na quarta], falou que as chuvas estavam devastando, já tinha passado por cima do rio e provavelmente ia ficar sem energia porque os postes estavam sendo arrastados", conta a manicure.

Ela começou a se preocupar no fim do dia, quando não conseguiu entrar mais em contato com nenhum dos cinco familiares que moram no povoado. Sem luz, as pessoas no local ficaram incomunicáveis até domingo. Só conseguiram mandar mensagens ou fazer ligações depois que a energia foi retomada.

Segundo Fernandes, todas as pessoas em sua casa ficaram bem e, dada a localização, não tiveram de ser desalojadas. "Infelizmente, duas pessoas que moram próximas à beira do rio tiveram as casas carregadas pela água", lamenta.

De acordo com o último boletim da Defesa Civil de Minas, desde a última quarta-feira (8), ao menos 28 cidades e mais de 15 mil pessoas foram impactadas pelas chuvas, em maior ou menor intensidade. Entre elas, quase 2.000 ficaram desabrigadas. Duas pessoas morreram.

Fernandes se diz aliviada por estarem todos bem, mas segue preocupada com a situação e tenta viabilizar uma forma de fazer as entregas com o dinheiro arrecadado. "Agora a chuva parou, graças a Deus, mas ainda não sei como vai ser."

Situação está sendo normalizada, diz governo

Ao UOL, o governo de Minas Gerias afirmou que a situação no povoado Dois de Abril "ainda está sendo normalizada" e que tem realizado uma força-tarefa para "desobstruir as estradas e reestabelecer os acessos às comunidades afetadas". O número exato de povoados atingidos não foi divulgado.

"Todo o apoio ao município [Palmópolis] tem sido dado por meio da frota aérea do estado, que tem prestado ações de socorro e Defesa Civil, além de transporte de materiais de ajuda humanitária", disse a Defesa Civil do estado.

"Os serviços essenciais de água e energia elétrica estão sendo restabelecidos em todos os municípios. As cidades afetadas já não se encontram mais embaixo d'água, o que facilita as ações de socorro e de atendimento às comunidades", afirma o órgão.