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Padre suspeito de abuso sexual é flagrado agredindo ex-seminarista em SP

José Dacau e Maria Carolina Trevisan

Do UOL e Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/12/2021 04h00

Um vídeo obtido pelo UOL mostra o padre Ismael Almeida Santana, 31, ex-reitor do Seminário Propedêutico Nossa Senhora do Socorro, em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo), ameaçando e agredindo o ex-seminarista João (nome fictício). As agressões aconteceram dentro das dependências da instituição.

A vítima, de 28 anos, acusa o padre de violência sexual. As imagens foram gravadas em fevereiro deste ano. O ex-seminarista fez denúncia ao tribunal eclesiástico da diocese de Mogi das Cruzes no dia 26 de fevereiro, que suspendeu e afastou o padre de suas funções na mesma data. Segundo a Igreja, o caso é grave e há uma investigação canônica em andamento.

Nas imagens que registraram as agressões, João pede para sair do local em que está com o padre Ismael, que é a casa do clérigo dentro do seminário. Chorando, ele anda de um lado para o outro e insiste que o padre Ismael abra a porta. O padre puxa João pelo braço e o empurra. "Você está me machucando!", repete três vezes. O padre pega no queixo de João, aperta e o empurra novamente.

Em outra cena, o padre Ismael tranca a porta, tira a chave e apaga a luz enquanto João caminha pelo cômodo, no escuro. Em uma terceira parte, o padre pega novamente o homem pelo pescoço. "Você está me enforcando. Você vai me matar", fala João. O padre o derruba e a tela fica preta.

Ismael, que é padre desde 2018, acumulava os cargos de reitor do Seminário Propedêutico Nossa Senhora do Socorro, de notário atuário do tribunal eclesiástico diocesano, de membro da comissão diocesana de tutela de menores, de responsável pelo programa semanal da diocese na Rádio Metropolitana FM e de assessor diocesano da Pastoral do Menor.

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Padre Ismael Almeida Santana é flagrado em vídeo agredindo um ex-seminarista em Mogi das Cruzes (SP)
Imagem: Reprodução

Em seu depoimento ao tribunal eclesiástico, o padre diz que teve envolvimento afetivo com o ex-seminarista. Afirma que João não aceita o fim do relacionamento e por isso teria feito as denúncias. O padre reconheceu que errou, se disse profundamente arrependido e pediu perdão à igreja, segundo os documentos da investigação interna da Igreja. O padre nega que tenha tido relacionamento sexual com outros seminaristas.

Além de denunciar o padre à diocese de Mogi das Cruzes na expectativa de um desfecho no âmbito da Igreja Católica, João entrou com processos na Justiça contra a própria diocese de Mogi das Cruzes, contra o bispo dom Pedro Luiz Stringhini e contra o vigário geral da cúria, monsenhor Antônio Robson Gonçalves. Ele alega que há acobertamento por parte dos clérigos e da instituição.

Em nota enviada à reportagem, a diocese de Mogi das Cruzes afirma que "o sacerdote foi imediatamente suspenso do uso de ordens e destituído dos ofícios eclesiásticos por tempo indeterminado e até que sejam devidamente apurados os fatos e responsabilidades mediante procedimentos jurídicos canônicos imediatamente instaurados e em andamento" e que as decisões das esferas eclesiástica e civil serão acatadas pela diocese.

Leia no link abaixo os decretos de suspensão de funções dentro da Igreja Católica, emitidos pela diocese de Mogi das Cruzes (SP):

https://download.uol.com.br/files/2021/12/2815179217_suspensao-e-afastamento_edit-281-29.pdf

Em resposta ao UOL, a defesa do padre Ismael disse que "o processo tramita em segredo de Justiça e somente se manifestará no curso do processo". Os advogados ameaçaram recorrer ao Judiciário caso alguma reportagem sobre o caso seja publicada.

Acusações e ameaças

O ex-seminarista João e o padre Ismael se conheceram em 2019, por meio de contatos nas redes sociais. Naquele ano, João estudava no Seminário Propedêutico, da Arquidiocese de São Paulo, e o padre era reitor do seminário de Mogi das Cruzes.

João conta que desde pequeno queria ser padre. "Era a minha vocação", diz. Cursou direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a pedido da família, antes de entrar para a vida na Igreja, em fevereiro de 2019. Ele afirma que se tornou próximo do padre Ismael e que foi se envolvendo. O padre também cativou sua família. Sua mãe chegou a trabalhar como faxineira no seminário onde Ismael era reitor e de quem recebia cestas básicas.

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Padre Ismael Almeida Santana se ordenou como clérigo no ano de 2018
Imagem: Reprodução

Com a proximidade, começaram as agressões. Segundo João, ele era obrigado a se submeter a violações sexuais e se sentia impotente para reagir. "Eu não conseguia revidar as agressões do Ismael porque na minha cabeça ali não estava um homem qualquer. Para nós, católicos, para mim, ali estava a pessoa do Cristo, não estava apenas o padre Ismael. Aí eu não conseguia bater nele ou revidar. Eu fugia para ele não me pegar. Eu acreditava que aquilo ia cessar."

João afirma que "ele não era ruim sempre, era uma pessoa ótima com minha família". Relata que as agressões aconteciam toda vez que ele se negava a ter relações sexuais com o padre. "Quando eu não fazia, ele apertava o meu pescoço e eu desfalecia. Ele me batia, me fragilizava emocionalmente. Se ainda assim ele não conseguisse o ato sexual, ele me batia, me deixava mole e conseguia tudo o que ele queria."

Quando retomava a consciência, conta, o padre se mostrava arrependido e triste. "Não tinha um monstro do meu lado. Tinha um cara chorando e me pedindo perdão. Mas na semana seguinte ele faria de novo", afirma. Com o passar dos meses, João diz que o padre Ismael mudou e afirmava que ele merecia passar pela violência. Não se dizia mais arrependido.

"Ele dizia que se eu o denunciasse, nada aconteceria com ele". Segundo João, ele afirmava ter influência no Judiciário local e na diocese de Mogi. O padre Ismael ameaçava se matar e, segundo João, o intimidava dizendo que caso morresse, a culpa seria dele.

Em 26 de fevereiro deste ano, João decidiu denunciar à Igreja a situação que vivia. "Dom Pedro Luiz Stringhini, bispo da arquidiocese de Mogi das Cruzes, disse que rezaria por mim. Meu intuito não era expor a imagem da Igreja, era que eles fizessem a Justiça sem precisar expor as mazelas, que eles impedissem que pelo menos pelas mãos do padre Ismael ninguém mais fosse abusado, fosse obrigado a se submeter sexualmente e sofresse intimidações e ameaças."

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O padre Ismael Almeida Santana foi afastado de suas funções pela Igreja Católica
Imagem: Reprodução

Processo cível

Para dar respaldo às acusações e sem sentir que a Igreja tomaria as providências que João esperava — perda dos direitos canônicos e dispensa do estado clerical —, ele entrou com processos nas esferas criminal e cível, em abril deste ano.

Na área cível, João processa o padre Ismael Almeida Santana, o bispo da diocese de Mogi das Cruzes, dom Pedro Luiz Stringhini e o vigário geral da cúria, monsenhor Antônio Robson Gonçalves. Alega que sofreu abuso sexual e psicológico, além de violência física e ameaças por parte do padre. Quanto aos membros da diocese, João diz que houve acobertamento e pede indenização de R$ 560 mil por danos morais.

No processo, os advogados de defesa do padre Ismael, Jane Diefenthaler e Caio Cogonhesi, afirmam que seu cliente é inocente, que o padre e o ex-seminarista tiveram um relacionamento homoafetivo entre adultos e consensual e que, por isso, os atos não seriam abuso sexual, ameaça ou violência. Afirmam que as denúncias teriam sido motivadas por ciúme e interesse financeiro.

A defesa do bispo dom Pedro, do padre Robson e da diocese de Mogi das Cruzes segue a mesma linha. Alega que seria um relacionamento amoroso entre dois adultos, consensual. Descarta qualquer tipo de acobertamento por parte da Igreja. Afirma que a diocese agiu assim que tomou conhecimento do caso, afastando e suspendendo o padre Ismael.

A reportagem recebeu nota da Igreja em que afirma que está apurando os fatos. Leia no link abaixo a íntegra da nota:

https://download.uol.com.br/files/2021/12/1287601166_nota-de-esclarecimento.pdf

Processo criminal

A acusação entrou com um processo criminal contra o padre Ismael em abril. A promotora Roberta Andrade da Cunha, do MPSP (Ministério Público de São Paulo), ao analisar o caso, entendeu que havia indícios de crime sexual e lesão corporal, entre outros crimes não especificados. Ela pediu para que a documentação fosse remetida à comarca de Mogi das Cruzes, onde teriam acontecido os fatos.

Indicou abertura de inquérito policial, além da proibição dos acusados em manter contato com a vítima. A promotora Déborah Cristina Benetti pediu o arquivamento do caso. Segundo ela, não há indícios do crime sexual previsto no artigo 215 do Código Penal: ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

A promotora justifica que não há meio fraudulento por serem maiores de idade e que a relação abusiva não se configura, por ter se dado em prazo longo. Também descarta lesão corporal (art 129) e ameaça (art 147).

Os advogados de João estão recorrendo da decisão do Ministério Público de Mogi das Cruzes.