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'Não sou miliciano, sou poeta', diz pai de Jairinho, acusado de matar Henry

14.dez.2021 - O deputado estadual Coronel Jairo e seu filho, o ex-vereador Dr. Jairinho, em audiência do Caso Henry - Arte UOL
14.dez.2021 - O deputado estadual Coronel Jairo e seu filho, o ex-vereador Dr. Jairinho, em audiência do Caso Henry Imagem: Arte UOL

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

18/12/2021 04h00

"O Jairinho cresceu em um ambiente de música, de poesia." É dessa forma que o deputado estadual Coronel Jairo (Solidariedade) resume a criação e a personalidade de seu filho, Jairo Souza Santos Júnior, "incapaz de matar uma mosca".

O ex-vereador Dr. Jairinho, como é conhecido na política, está preso desde 8 de abril, acusado de matar o enteado, Henry Borel, de quatro anos. O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) afirma que o menino foi morto por sadismo do padrasto com omissão da mãe, Monique Medeiros.

Em seu quinto mandato na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Coronel Jairo construiu uma imagem política de homem "durão". Essa figura entrou em cena nesta semana, quando o parlamentar afirmou na audiência judicial do Caso Henry, dedo em riste, que os laudos periciais são falsos.

Mas no mesmo depoimento à juíza Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, o coronel da reserva da Polícia Militar levou o primogênito às lágrimas, ao dizer que ele é a sua vida, e ainda revelou ser autor de composições musicais e poemas. Emergia ali uma faceta não conhecida do Coronel Jairo.

Deputado nega envolvimento com milícias

O deputado conversou ontem por duas horas com a reportagem do UOL em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) —uma sala grande, com poucos funcionários ("é sexta-feira") dispostos a atendê-lo prontamente.

Atrás da mesa, um quadro grande de cerca de 1 m de altura, com uma foto de pai e filho. Em cima do móvel, bandeiras do Flamengo, do Brasil e do estado do Rio, além de uma foto do Ceres Futebol Clube —agremiação carioca da série B2 (equivalente à quarta divisão) da qual Coronel Jairo é presidente. Em um balcão próximo à porta, duas garrafas de uísque.

Além de futebol, Jairo se diz apaixonado por escolas de samba e por Bangu, onde sempre morou —afirma viver na mesma casa há mais de 40 anos.

"Quando as pessoas melhoram um pouquinho, vão morar na Barra da Tijuca ou na zona sul. Eu continuo morando em Bangu, desfilando na Mocidade e na Unidos de Padre Miguel porque eu quero. Eu fico em Bangu porque minha raiz é de lá", diz.

Questionado na audiência sobre se sabia o que a família de Jairo supostamente comanda em Bangu, Reinaldo César Pereira, tio de consideração da mãe de Henry, disse: "Ouvi dizer que eles são donos de Bangu, donos de milícia".

Sem constar em investigações oficiais, Jairo diz conviver há anos com boatos de que é miliciano. Ele nega.

"Quando falam em milícia, eu fico triste. Eu moro na beira da estrada, não tenho carro blindado, não ando com segurança. Outra coisa: que milícia é essa em Bangu? Não conheço milícia em Bangu. Sei que tem em Realengo, Cosmos, Barra. Em Bangu, não conheço. E eles me botam dono da milícia lá. Eu sou o miliciano que não tenho medo de nada, então. Ando no pagode de madrugada, saio da Mocidade sozinho."

Jairo conta que compôs letras de músicas nas décadas de 1980 e 1990. "Claro que você conhece, eu comprei um Vectra com essa música", diz rindo após cantarolar trechos da música "Noite Linda de Natal", a 12ª de 14 faixas do álbum Papo 10, do grupo homônimo de pagode.

Outras quatro músicas de autoria do deputado constam no Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), sendo uma delas "Sedução da Magda", faixa que abre o disco Coquetel de Delícia, do grupo Sedução.

Jairo diz também escrever poemas e que lançou há uma década o livro "Pedaços da Vida". "Eu não sou miliciano, sou poeta", afirma. À reportagem, lê um trecho de um poema de amor e se empolga.

Nos últimos oito meses, diz ter deixado contudo a verve artística de lado —Jairo afirma que seu foco tem sido a pilha de documentos, laudos e partes do processo que acusa o filho.

"Eu estudo isso [o caso] dia e noite, está muito difícil", diz o pai de Jairinho.

Estudo sobre 'psicopatia'

Jairo afirma ser "um homem estudioso" e diz que a primeira coisa que fez, ao ver o filho acusado da morte do "neném", —como se refere ao menino Henry Borel— foi se afundar em livros sobre psicopatia. Queria descobrir se Jairinho poderia ser portador desse transtorno psiquiátrico. Segundo conta, não encontrou lastro nos livros que ligasse a personalidade de um psicopata a seu filho.

Jairo diz acreditar na inocência de Jairinho em razão da criação dada a ele. O deputado revela que os filhos —o deputado também é pai da fisioterapeuta Thalita Santos— moravam na casa dele e que são "super unidos" (antes de ser preso, Jairinho morava havia alguns meses com Monique e Henry).

De acordo com o deputado, Thalita é a filha mais "pulso firme", enquanto Jairinho "é um doce".

Ao longo da entrevista, Jairo atendeu a um telefonema da filha para tratar de questões pessoais. "É ela quem visita ele. Eles são muito ligados, são 100% unidos."

Thalita não prestou depoimento à Justiça sobre a morte de Henry ou sobre o irmão. Novos depoimentos estão previstos para fevereiro do ano que vem.

Relação com Monique era ótima, diz Jairo

O deputado conta que a beleza da professora sempre chamou sua atenção e que a paixão de Jairinho por ela foi "relâmpago". Segundo Jairo, a relação de Monique com a família era ótima —antes de o casal ir morar na Barra da Tijuca, ela frequentava a casa da família de Jairo em Bangu.

Henry sempre foi muito bem tratado ali, afirma o pai de Jairinho. Esse é o argumento que usa para embasar sua tese de que o menino não foi morto violentamente —os laudos periciais apontam 23 lesões no corpo do menino e que Henry morreu em decorrência de hemorragia interna e laceração no fígado causada por ação contundente.

"Uma mãe não mataria o filho e nem defenderia um namorado de meses se fizesse isso", opina. O pai de Jairinho não arrisca uma tese sobre o que possa ter ocorrido com Henry, mas fala em acidente doméstico e reproduz o que diz ter ouvido do filho —que ele estava dormindo.

Jairo vê erros nos laudos cadavéricos —foram seis produzidos durante a fase de inquérito: a cor dos olhos de Henry, que são azuis e constam como castanhos, e o uso de fraldas descartáveis na hora da morte.

"Eu vou até o fim, não vai prevalecer essa covardia e essa mentira. Eu não vou deixar. Não falo como deputado nem coronel, eu falo como pai: eu vou até o fim. Eles [os policiais], para ascenderem profissionalmente, se juntaram para prejudicar um médico e vereador, legitimado pelo voto popular. Podem saber que eu vou até o fim", finaliza.