Zema breca há 3 anos depósito de mineradoras contra desastres em barragens
O governo Romeu Zema (Novo) breca há três anos a criação de um depósito caução a ser feito por mineradoras como garantia em caso de desastres em barragens como os que ocorreram em Mariana, em 2015, ou em Brumadinho, em 2019. A cobrança virou lei, mas aguarda regulamentação do Executivo para valer.
A cobrança da caução foi incluída na lei que criou a nova Política Estadual de Segurança de Barragens. Fruto de um projeto de iniciativa popular conhecido como "Mar de Lama Nunca Mais", a legislação, sancionada por Zema em fevereiro de 2019, cria um depósito caução a ser feito pelas mineradoras para cada barragem existente no estado.
Os recursos —seja em dinheiro ou em bens— servem como garantia em caso de desastres envolvendo as barragens. Nesse caso, o poder público pode usá-los imediatamente para reconstruir a infraestrutura destruída e auxiliar a população afetada. Atualmente, é necessária uma longa batalha judicial para que esse ressarcimento aos cofres públicos ocorra.
Apesar de incluída na lei, a criação da caução depende de uma regulamentação do governo do estado para passar a valer.
Em outubro de 2019, Zema criou por decreto um grupo de trabalho composto por diversas secretarias, além de outros órgãos públicos e privados, para elaborar as normas para o funcionamento do depósito caução. O colegiado tinha 180 dias para apresentar ao governador uma solução. O prazo acabou em abril de 2020, mas até hoje nenhuma providência foi tomada.
Nesse meio tempo, os licenciamentos ambientais para a construção ou descomissionamento (um tipo de desativação) de barragens no estado foram feitos sem esse compromisso financeiro.
O UOL procurou diversas vezes ontem a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais em busca de uma explicação sobre a demora na regulamentação da caução para as mineradoras, mas não obteve resposta até o momento.
O governo de Minas chegou a tentar publicar a regulamentação, mas a pressão da sociedade civil fez com que esses planos fossem revistos. A ambientalista Jeanine Oliveira, que integra o Projeto Manuelzão, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, ressalta que o projeto que o governo queria emplacar representava, na prática, a morte da lei "Mar de Lama Nunca Mais".
"Na época, a gente brigou e graças a Deus não saiu, porque era uma tentativa de desmonte", diz ela, antes de exemplificar. "Estavam alegando que faltava empresa de crédito que pudesse ser o fiador [da caução]. Que não tinha seguradora para isso. A caução virava uma outra coisa, com garantias que não eram mais financeiras."
Justiça bloqueia R$ 1 bi após vazamento em dique
No último sábado (8), o dique que faz parte de uma barragem de minérios da Vallourec em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, transbordou, deixando escapar água com rejeitos de mineração e interditando a rodovia BR-040.
Em uma ação conjunta do MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) e da AGE (Advocacia-Geral do Estado), a Justiça bloqueou R$ 1 bilhão para servir como garantia para eventuais ações de reparação por conta do acidente. A decisão contudo é liminar.
Segundo o deputado estadual João Vitor Xavier (Cidadania-MG), um dos articuladores do projeto "Mar de Lama Nunca Mais", a criação do depósito é uma forma de proteger o governo e a população de Minas de desastres que se tornaram cada vez mais frequentes nos últimos anos.
"Sabemos que novos desastres vão acontecer. A cada um ou dois anos temos um problema grave com uma mineradora. É uma garantia de ressarcimento do prejuízo para o estado e a população. Só agora o estado está começando a ser ressarcido pelo impacto de Brumadinho. E no caso de Mariana até hoje não temos o ressarcimento", exemplifica.
Ainda segundo o parlamentar, a influência política do setor de mineração no estado dificulta que mudanças saiam do papel.
"O projeto foi todo pensado de maneira muito respeitosa e responsável com o estado. Minas não pode continuar vivendo sob o jugo das mineradoras. A mineração é uma atividade importante para o estado, mas não pode continuar sendo feita como é em Minas Gerais. Tem que se pensar primeiro na qualidade de vida das pessoas", completa.
Julio Grilo, ex-superintendente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em Minas, explica que a caução foi pensado durante a elaboração do projeto como uma alternativa aos seguros feitos anteriormente pelas mineradoras, que se tornaram inviáveis.
"Antes as mineradoras faziam seguros. Mas em determinados projetos, como barragens de rejeitos, as seguradoras não se interessam porque sabem que a chance de haver um desastre é grande", afirma.
Grilo diz ainda que o cálculo do depósito deve levar em conta diversos custos que um incidente com uma barragem pode causar, como os danos com a infraestrutura urbana destruída, perdas materiais e imateriais da população atingida e o dano ambiental causado.
"É muito difícil mensurar isso. Mas se não se estabelecer um valor, isso tudo passa a não ter valor nenhum", resume.
Grilo aponta ainda que há um forte lobby das mineradoras contra a medida, que teria um impacto bilionário sobre a atividade.
"Existe essa pressão não é só para que essa regulamentação não saia. É para que a gente não consiga melhorar as leis e adequá-las à contemporaneidade", critica.
Em outubro, a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais afirmou ao jornal "O Tempo" que "em razão da complexidade do tema, o Executivo está estudando a viabilidade de execução da proposta, pelo setor bancário e de seguros", mas não deu nenhuma previsão de quando a medida sairá do papel.
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