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Minas: Juiz escreve sentença sobre usucapião em forma de verso

O juiz Antonio Augusto Pavel Toledo é titular da comarca de Miradouro e responde por processos em Palma - Arquivo Pessoal
O juiz Antonio Augusto Pavel Toledo é titular da comarca de Miradouro e responde por processos em Palma Imagem: Arquivo Pessoal

Daniel Leite

Colaboração para o UOL, de Juiz de Fora

28/01/2022 16h16

Um juiz de Minas Gerais redigiu uma sentença em forma de versos sobre uma ação de usucapião. Na decisão, assinada em 11 de janeiro, o magistrado aceitou o pedido do governo estadual para continuar usando um imóvel e registrá-lo. Para isso, escreveu mais de 100 linhas com rimas, explicando todo o contexto do impasse.

O juiz Antonio Augusto Pavel Toledo, autor dos versos, é titular da comarca de Miradouro (a 340 km de Belo Horizonte), e responde também pelos processos da cidade de Palma, distante 85 km, onde fica o fórum Wilson Alvim Amaral, instalado no imóvel que foi objeto da ação.

A sentença analisava o pedido do governo mineiro para poder registrar a construção como sendo de sua posse porque até então não havia documentação sobre quem é o dono.

Como o fórum de Palma deve se instalar em um novo prédio, a preocupação do estado foi em colocar o imóvel em seu nome para poder decidir sobre o destino da construção quando a mudança ocorrer.

"É um dos primeiros prédios da comarca de Palma; dizem que foi construído por um político antigo, mas nunca se preocuparam em registrar de tão antigo que era", explicou o juiz ao UOL.

O magistrado inicia a sentença explicando o impasse.

"Pede o Estado de Minas Gerais
Que se declare, por usucapião,
Observados os termos legais,
Em originária aquisição,
A propriedade de um sobrado
Onde se encontra instalado
Todo o serviço judicial:
O Fórum Wilson Alvim Amaral".


A ação de que trata o verso foi proposta no ano passado. As rimas seguem com o juiz explicando que o governo de Minas declara fazer uso do prédio do fórum há cerca de 80 anos.

"E para tanto o Estado argumenta,
Que desde a década de quarenta,
No século próximo passado,
Tem a posse do bem mencionado.
Alega que o possui mansamente
"

Uma prova apresentada pelo estado também vem em forma literária, ao afirmar o magistrado que "como prova que o ateste, a placa histórica da reconstrução".

Pavel disse ao UOL que se interessa por literatura e versos desde jovem, e esta foi sua primeira decisão proferida inteiramente nesse formato. Em outras, ele citou alguns poetas conhecidos ou incluiu versos de sua autoria: "Eu tenho uns versos guardados que escrevo há muitos anos".

O juiz garante que o estilo empregado no texto não prejudica o conteúdo:

"A sentença tem o relatório, a fundamentação e a decisão. Eu fiz um esboço do que eu deveria dizer em cada uma dessas partes. Na verdade, eu me preocupei em colocar na sentença aquilo que é exigido porque senão ela pode ser anulada. Eu não cheguei a fazer em prosa para depois transformar em verso, eu já fiz em verso."

Ele relatou ter conhecimento de pelo menos outros dois juristas no estado que escreveram decisões em forma de poesia. E que preferiu redigir dessa forma nesse caso por se tratar de algo histórico.

"Acho que fica mais marcado ter escrito assim", afirma o juiz. "O povo está perdendo a memória, perdendo a identidade."

Nos versos, Pavel faz um histórico do imóvel, classificado como um "portentoso e belo edifício", e sua ligação com o povo local.

"Faz-se importante ressaltar,
Que a história deste lugar,
Tem o Fórum como marca.
O surgimento do Município,
Se confunde, desde o princípio,
Com o nascer da Comarca.
Imponentemente erguido,
Na Praça Getúlio Vargas,
Por alguém temido e destemido
"

As rimas também explicam, segundo o magistrado, que o Código Civil define "possuidor de um bem imóvel" aquele que o adquire, "mas deve exercer esta posse, por década e meia, ao menos, sem interrupção, nem oposição, ter o bem como se próprio fosse".

De acordo com a sentença, as provas dos autos mostram que os serviços funcionam no prédio do fórum há mais tempo do que a lei exige. Outra prova considerada para dar ganho de causa ao estado de Minas foram os depoimentos de antigos moradores de Palma, transformados em versos assim:

"Além do acervo fotográfico,
Há nos autos, emblemático,
O depoimento de Dona Fia.
Tomado da varanda de sua casa,
De onde vê o que se passa,
Enquanto o terço desfia.
Testemunha presente da história,
Arquivo vivo da memória,
De um povo e seu dia-a-dia".
Ao final, Pavel rima para determinar o cumprimento da sentença.
"É assim que julgo procedente,
A pretensão estatal pertinente,
Declarando a aquisição originária
Da propriedade do bem descrito.
Determino expedição cartorária
Do mandado pra "lançar" o registro
"

O juiz afirmou à reportagem do UOL não saber se vai proferir decisões nesse formato novamente, mas não esconde o desejo:

"Depende do fato. Eu até gostaria de fazer mais, mas o tempo é escasso, e muitas coisas são comuns. De vez em quando aparece uma situação de maior sensibilidade e a gente fica tentado a fazer diferente".