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De caxinga a íngua: aluno de medicina cria dicionário de sintomas populares

Aluno de medicina criou dicionário de sintomas paraenses - Arquivo Pessoal/Reprodução
Aluno de medicina criou dicionário de sintomas paraenses Imagem: Arquivo Pessoal/Reprodução

Luciana Cavalcante

Colaboração para o UOL, em Belém (PA)

13/02/2022 04h00Atualizada em 13/02/2022 10h29

Você já pode ter tido caxinga e íngua e nem sabe. Mas calma, é apenas a forma como alguns pacientes conhecem certas doenças ou sintomas. Isso não é nada mais do que machucados ou inflamações que fazem a pessoa mancar ("caxingar") e nódulos no corpo provocados por inflamações (íngua).

Para ajudar os médicos a entender esse dialeto popular falado em locais como o Pará, o estudante do décimo semestre de medicina de uma faculdade particular de Belém, José Wilker Jr, 23, criou um dicionário com mais de 100 termos "traduzidos" para a linguagem médica.

A ideia veio durante um atendimento feito durante o estágio obrigatório em uma unidade básica de saúde, no bairro do Tenoné, periferia da capital, onde atuou por quatro anos.

"A paciente disse que fazia tratamento para 'cobreiro' e eu não conseguia identificar o que era pelos sintomas", contou. Na cultura popular do Pará, "cobreiro" é o mesmo que herpes zoster.

Outra situação comum nos consultórios é a associação de sintomas físicos com crenças populares, como é o caso da palavra "quebranto", que é sempre associada a uma espécie de "mau-olhado", geralmente em crianças.

"Existe uma cultura de que as pessoas não devem sair com a criança quando é muito nova, senão ela pode pegar "quebranto", como se fosse alvo de uma energia negativa. Na medicina, seria um estado de indisposição qualquer, que associam a isso. Mas abre um leque enorme de possibilidades podendo ser desde anemia ou desidratação a uma gripe".

Segundo o estudante, essas denominações não estão restritas à idade ou classe social. "Apesar da pesquisa não fazer esse recorte, encontramos pacientes que usavam esses termos tanto no atendimento público, quanto no privado. É uma questão cultural mesmo", comenta.

Livro

A pesquisa, intitulada Termos Paraenses: Importância do conhecimento de termos populares paraenses para o desenvolvimento de habilidades profissionais médicas, durou um ano. Durante esse tempo, Wilker ouviu mais de 50 profissionais da área, entre docentes, médicos, enfermeiros, entre outros. "Muitos, que hoje são docentes, citaram termos do tempo em que atendiam que são usados até hoje".

O livro Dicionário médico de termos populares paraenses, lançado este ano, foi fruto do projeto de iniciação científica no Centro Universitário do Pará, aprovado em 2020. A versão comercial da pesquisa pode ser adquirida na Amazon ou na Editora Drago Editorial.

Foram reunidos mais de 100 termos usados pelos pacientes para identificar enfermidades, descritos em 84 páginas. "E isso é apenas um recorte, pois sabemos que há muito mais, já que o estado é muito grande e cada região tem sua particularidade", ressalta.

Na segunda fase da pesquisa, foi elaborado um questionário com dez perguntas para 186 alunos, simulando um atendimento real. "A média geral foi de apenas 4,4 de acertos, o que mostra que os alunos também não sabem o que essas palavras significam".

Falta de conhecimento dificulta o atendimento

Para o acadêmico de medicina, a falta desse conhecimento e de uma fonte específica para pesquisa prejudica a relação entre médico e paciente e pode até fazer com que ele desista do tratamento.

"Muitas vezes, o paciente fica com vergonha de não ser entendido. Se isso acontece na primeira consulta, ele até mente, diz que não está sentindo mais nada e vai pra casa sem ter seu problema solucionado".

O Wilker conta que também teve dificuldade de encontrar literatura sobre o tema para a própria pesquisa e quer incentivar profissionais de outras regiões replicar a ideia.

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