Justiça de MG torna réu ex-padre acusado de violência sexual contra monges
A Justiça de Minas Gerais recebeu a denúncia contra o ex-padre Ernani Maia dos Reis pelo crime de violência sexual mediante fraude contra quatro monges do Mosteiro da Santíssima Trindade, na cidade de Monte Sião, entre os anos de 2011 e 2018. A decisão é do juiz Roberto Troster Rodrigues Alves, da comarca do município mineiro.
Com o recebimento da denúncia do MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) foi instaurada uma ação penal na terça-feira passada (8). Ernani passou de denunciado a réu. Caso seja condenado ao fim do processo, a pena prevista é de dois a seis anos de reclusão.
Documento que serviu de base para a denúncia do MP-MG, o inquérito da Polícia Civil mineira foi aberto a pedido do próprio MP-MG, a partir das reportagens e do documentário "Nosso Pai", realizados pelo núcleo investigativo do UOL e MOV, a produtora de vídeos do UOL.
O trabalho jornalístico revelou, com exclusividade, as denúncias de assédio moral e sexual contra o ex-padre. Ele foi dispensado da Igreja Católica em decisão do papa Francisco.
Ex-padre negou as acusações
O inquérito policial apontou três vítimas de violência sexual mediante fraude. Ao analisar os autos, o MP-MG concluiu que Ernani tentou violentar sexualmente uma quarta vítima: o ex-padre teria determinado a um monge que ficasse nu a pretexto de verificar se de fato ele precisava de atendimento médico.
Ernani negou as acusações ao delegado de Monte Sião, Daniel Leme Amaral, em depoimento prestado no dia 7 de dezembro de 2021, alegando que as relações foram consentidas, entre homens adultos e não configurariam abuso de sua parte. Ele afirmou ter ficado "surpreso" com as acusações feitas pelos ex-monges.
A investigação conduzida por Amaral concluiu que o ex-padre cometeu o crime previsto no artigo 215 do Código Penal brasileiro: "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima."
A reportagem ligou para o celular do advogado João Humberto Alves, defensor do ex-padre. Ele reafirmou que só "pretende se manifestar apenas nos autos".
Relembre o caso
O caso foi revelado pela série de reportagens do UOL e pelo documentário "Nosso pai", publicados a partir do dia 30 de setembro de 2021. A investigação jornalística ouviu mais de 40 pessoas, entre vítimas, testemunhas da igreja e especialistas em direito penal, canônico e psicanálise.
Em uma dinâmica de abuso de poder, o padre Ernani usava seu lugar de líder espiritual para conquistar a confiança dos integrantes do mosteiro, se colocava como "um pai" com a intenção de envolvê-los pelo lado afetivo e oferecia "sessões de psicanálise" em que as próprias vítimas eram os pacientes.
Relatos dos crimes sexuais atribuídos a Ernani chegaram ao conhecimento da Igreja Católica por meio de investigações internas, mas o padre só foi afastado depois que ele mesmo pediu para sair do mosteiro, em agosto de 2018, alegando "cansaço" e "crise vocacional".
Dos 40 entrevistados, 19 afirmaram ser vítimas do ex-padre Ernani: oito homens, com idades entre 20 e 43 anos, acusam o religioso de ter cometido crimes sexuais. E 11 pessoas, de assédio moral, dizem que sofreram constrangimentos e agressões verbais — dez eram mulheres.
O papa Francisco desligou Ernani Maia dos Reis da Igreja Católica no dia seguinte à publicação da reportagem. A nota assinada pelo arcebispo informava que o ex-padre Ernani Maia dos Reis pediu afastamento da comunidade em 2018, perdendo automaticamente os direitos próprios do estado clerical. Exortou também fieis a não solicitarem sacramentos do ex-padre.
O arcebispo de Pouso Alegre (MG), dom José Luiz Majella Delgado, informou em comunicado que o papa Francisco "dispensou Ernani Maia dos Reis do celibato e de todas as demais obrigações inerentes ao estado clerical e decorrentes das Sagradas Ordens".
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