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Dono de fazenda de Cunha nega maus-tratos a bezerros: 'Nem tivemos prazo'

Entidades de defesa animal afirmam que os 302 bezerros encontrados na fazenda em Cunha estavam extremamente fracos ou doentes - Reprodução/Redes Sociais
Entidades de defesa animal afirmam que os 302 bezerros encontrados na fazenda em Cunha estavam extremamente fracos ou doentes Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

16/02/2022 04h00

O proprietário da fazenda Roça Grande, na cidade de Cunha (SP), negou hoje que os cerca de 302 bezerros resgatados, na semana passada, por entidades de defesa animal estariam sofrendo maus-tratos. Os animais serão transferidos para um santuário na cidade de Camanducaia (MG). Ele afirma que estaria providenciando a solução de algumas irregularidades apontadas pela Polícia Ambiental e diz que ficou surpreso quando suas terras começaram a ser "invadidas" por entidades de proteção animal.

"Tudo começou quando recebemos a Polícia Ambiental, que enumerou algumas irregularidades que precisavam ser sanadas", declarou ao UOL o pecuarista Tanagildo Aguiar Feres Jr., de 43 anos. "Isso foi no dia 2. No dia seguinte, já estávamos começando a providenciar as soluções quando, à tarde, soubemos que havia algumas ONGs entrando na fazenda e aquilo virou um caos. Nem tivemos um prazo para continuar os trabalhos de regularização".

O pecuarista, sócio-proprietário da empresa Mashia Agropecuária, responsável pela fazenda, contou que o que ocorreu em Roça Grande pode ter sido provocado por uma série de fatores desencadeados num curto espaço de tempo. O excesso de chuvas que castigaram a região desde novembro, a morte da mãe no mesmo mês e seu adoecimento por covid-19 no final de janeiro.

Autoridades e ONGs afirmam que os bezerros foram encontrados em condições de maus-tratos em fazenda na cidade de Cunha, no interior de São Paulo - Reprodução/Redes Sociais - Reprodução/Redes Sociais
Autoridades e ONGs afirmam que os bezerros foram encontrados em condições de maus-tratos em fazenda na cidade de Cunha, no interior de São Paulo
Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Eu tive que me manter afastado por algum tempo, mas recebia informações de que estava tudo bem com os animais. Nós temos 10 funcionários, atendimento médico 24 horas para os bezerros. Saber que havia ONGs chegando à fazenda, fazendo fotos, isso tudo foi uma surpresa muito grande, um susto mesmo.
Tanagildo Aguiar Feres Jr., pecuarista

Segundo o pecuarista, as informações de que os bezerros estavam doentes ou extremamente fracos não condizem com a realidade. Ele concorda que havia, sim, animais doentes, mas que eles seriam em pequeno número e estariam sob tratamento. E explica que, quando a tutela dos animais passou para uma das ONGs responsáveis pelo resgate, a especificação era de que apenas os animais debilitados fossem levados.

Mas eles removeram todos os animais da fazenda, até mesmo os saudáveis. Uma prova disso é que uma parte do rebanho foi levada a pé até o recinto de exposições da prefeitura. São entre 4 a 5 km de estrada. Se todos os bezerros estivessem fracos, como eles disseram, aguentariam andar esse trajeto?

Feres Jr. afirma que chegou a sugerir que uma das entidades ficasse com a tutela dos animais, mas que os mantivesse na fazenda onde, segundo ele, teriam uma área coberta, para proteção da chuva, e comida. Ele garante que havia mais de 50 toneladas de milho no local, suficientes para até 20 dias. E diz que, mesmo após terem levado os bezerros, sua fazenda continua fornecendo comida para eles.

O dono da fazenda afirma que estava providenciando soluções, como a construção de mais abrigos e uma oferta maior de silagem de milho - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O dono da fazenda afirma que estava providenciando soluções, como a construção de mais abrigos e uma oferta maior de silagem de milho
Imagem: Arquivo Pessoal

"Poderíamos ter ficado com os animais abrigados lá e custear tudo. Já tínhamos contratado emergencialmente outros dois veterinários e havíamos comprado lona para a construção de mais abrigos para os bezerros. Somos solidários à causa animal. Meu pai era pecuarista, vivo no campo e convivo com gado desde criança", declarou.

O tipo de negócio representado pela Mashia é o trabalho de engorda de bezerros para posteriormente vendê-los a frigoríficos. Eles são comprados ainda muito jovens, a maioria logo após o desmame. "Eles chegam magros mesmo, pois o preço de compra é estabelecido pelo peso. Depois da engorda, que leva alguns meses, a gente vende e é aí que temos lucro. Compramos um animal magrinho, engordamos e vendemos para o abate. Não faria sentido mantermos os animais magrinhos de propósito".

Investigação de pirâmide

O grupo oferecia investimentos em gado de engorda, com pagamento de lucros na venda dos animais. "Lucre 25% ao ano sem pôr o pé na lama", prometia um dos anúncios veiculados no site e redes sociais da empresa. Os animais eram disponibilizados a R$ 2 mil por cabeça, com "lucro garantido" de R$ 500 ao final da engorda, que ocorreria em até 12 meses.

Além de ter sido multada em R$ 905 mil pelo suposto crime de maus-tratos e ter sofrido um bloqueio de bens no valor de R$ 3 milhões, a Mashia agora está sendo investigada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil por suposta prática de pirâmide financeira em seus negócios. Mas o pecuarista nega as acusações.

"As pirâmides prometem altos ganhos, condicionados à indicação de novos membros. Só que jamais pagamos um centavo sequer de indicação. As pirâmides nunca têm um negócio na economia real, basicamente se resume a sistemas, bens intangíveis, trabalho, serviços. No nosso caso, a situação é completamente diferente, há gado, há um comércio de carnes, existe uma atividade no mundo real, que assegura trabalho e renda para aproximadamente 40 famílias", afirmou.

Relembre o caso

Movidos por uma denúncia anônima, agentes da Polícia Ambiental estiveram na fazenda Roça Grande no dia 2 de fevereiro e encontraram 302 bezerros em situação precária, com fome e sede. Entidades de defesa dos animais foram acionadas e, quando os voluntários chegaram, 295 ainda estavam vivos. Ou seja, 7 não resistiram e morreram no local.

Outros cinco foram levados, em estado avançado de desidratação e desnutrição, para hospitais veterinários credenciados junto ao Instituto Luisa Mell, na capital paulista. Além disso, um dos bezerros ficou cego de forma irreversível. Os demais animais foram levados provisoriamente a um recinto de exposições da prefeitura, onde foi improvisado um hospital de campanha.

No local onde os animais eram criados, havia covas e ossos pelo chão. Em apoio à polícia ambiental, os voluntários desenterraram 9 bezerros inteiros, recém-sepultados. A polícia aguarda os resultados da necropsia que está sendo realizada por peritos.

Os proprietários da fazenda foram multados em R$ 905 mil pela Polícia Ambiental e a Polícia Civil abriu inquérito por crime ambiental. Além de investigados pela situação em que foram encontrados os bezerros, os sócios-proprietários da Mashia também responderão por crimes contra a flora.