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Advogado negro diz ter sido confundido com motorista por segurança do STF

Advogado negro, Nauê Bernardo diz ter sido confundido com motorista por segurança do STF - Arquivo pessoal/Nauê Bernardo
Advogado negro, Nauê Bernardo diz ter sido confundido com motorista por segurança do STF Imagem: Arquivo pessoal/Nauê Bernardo

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

29/03/2022 21h25

Conselheiro da OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal), o advogado Nauê Bernardo afirmou hoje que foi confundido por um segurança do STF (Supremo Tribunal Federal) com um motorista.

"Chegar no Supremo de carro bom e ser confundido com motorista: check. Para a galera branca do 'meu avô é negro': bora trocar de pele um dia só. Eu vou me vingar disso destruindo na sustentação oral, é meu compromisso", disse Nauê por meio de seu perfil no Twitter.

Procurado pelo UOL, o advogado afirmou disse que não culpa o segurança do STF pelo ocorrido. "A gente tem que educar as pessoas, reconhecer o problema e enfrentar", disse.

Nauê destacou ainda que a punição de casos isolados de microagressão não resolve a questão do racismo no Brasil, que é estrutural. "O indivíduo não me interessa muito nesse tipo de coisa. Aposto que na cabeça do segurança, ele pensou que estava sendo gentil", disse.

"A única coisa que eu quero é que as pessoas não individualizem o problema. O segurança não fez o que fez querendo me diminuir. Foi inconsciente... Uma negação de que uma pessoa como eu poderia ser advogado na mais alta corte do país", disse o conselheiro da OAB-DF.

Relato de Nauê: 'O funcionário não é o problema'

O episódio ocorreu depois de o advogado ter chegado no STF no próprio carro, um Honda HRV. Nesse momento, o segurança do prédio teria o orientado a sair do local após o desembarque dos outros três advogados brancos que estavam no veículo.

Leia o relato de Nauê Bernardo ao UOL:

"Entre o estacionamento do STF em que eu estava parando e o local de desembarque há uns cones e a rampa que leva para o anexo do Supremo. Ao me ver, o segurança não saiu da guarita.

Eu estava estacionando e ele ficou me chamando e mostrando que estava tirando o cone. Eu perguntei: 'Ué, é para eu ir para a garagem?" E ele respondeu: ''Não, é para você deixar o pessoal lá e ir embora'.

Uma das pessoas que estava comigo no carro então falou: 'Não, mas nós estamos juntos'. E o segurança repetiu o movimento. Então, a gente se deu conta do que tinha acontecido —e ficou todo mundo tão estarrecido que ninguém disse nada. Eu parei o carro todo torto, de tão perturbado que eu fiquei.

Só então o segurança pareceu ter percebido que eu não era motorista, e sim advogado. Eu era o único negro no carro, estávamos em quatro pessoas. Ele não me pediu desculpas. Se pediu, eu não ouvi.

O problema não é o segurança nesse caso. É muito cômodo para a empresa de segurança ou o STF dizerem que não compactuam com a atitude e demitirem um trabalhador (sobretudo no contexto econômico no qual vivemos). O problema é a estrutura social que provocou esse episódio."

O que diz o STF

Procurada pelo UOL, a Corte afirmou que apura mais informações sobre o caso e que todas as abordagens são previstas em manuais de orientação e referência. O Supremo informou ainda que investiga se o segurança é do quadro do STF ou terceirizado.

"O STF, desde já, informa que os funcionários são treinados para tratar todos os visitantes com cordialidade e respeito, e as abordagens são previstas em manuais de orientação e referência. O STF rechaça qualquer tipo de tratamento desrespeitoso ou preconceituoso, e está sempre atento para melhoria de suas práticas internas."

O que diz a OAB

Procurada pelo UOL, a OAB-DF disse que a atitude do segurança do STF reflete um comportamento social comum no Brasil.

"Desde 2020, nós da OAB-DF trabalhamos, por meio da campanha 'Racismo não é mal-entendido. Racismo é Crime!', com relatos reais acerca dos atos de violência racial sofrido por advogadas e advogados negros no exercício de sua profissão junto ao Poder Judiciário. A microagressão sofrida no dia de hoje não foi mero ato cotidiano", disse.

O presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF, Beethoven Andrade, disse que é importante tirar como lição a necessidade de olharmos com mais atenção aos casos de racismo, sobretudo nesses casos em que o comportamento aparenta algo corriqueiro.

"Somente conhece a dor do racismo, da discriminação e do preconceito quem passar por situações como a sofrida pelo Nauê, e por tantos outros advogados e advogadas negras no seu dia a dia. É imperiosa a mudança do comportamento institucional, modificando esse paradigma de que o negro é sempre o suspeito ou o subalterno", destacou.

O que é microagressão

O preconceito racial pode aparecer de maneiras diferentes: desde atitudes excludentes até as microagressões —caracterizadas como ofensas que são ditas em tom de brincadeira (como se fossem apenas uma piada) ou manifestadas de forma orgânica, por meio de orientações, comentários e abordagens que são proferidos sem que o interlocutor tenha plena consciência do teor agressivo ou viés racial de sua mensagem.