Topo

De segurança a 'sócio': as relações de Ronnie Lessa com Rogério de Andrade

O PM reformado Ronnie Lessa (acima) e o bicheiro Rogério de Andrade - Marcelo Theobald/Agência O Globo e André Lobo/UOL
O PM reformado Ronnie Lessa (acima) e o bicheiro Rogério de Andrade Imagem: Marcelo Theobald/Agência O Globo e André Lobo/UOL

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

12/05/2022 04h00

De chefe da segurança da família do bicheiro Rogério de Andrade, o policial militar reformado Ronnie Lessa passou a integrante relevante dos negócios do contraventor, segundo investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) à qual o UOL teve acesso.

Os promotores obtiveram provas de que, a partir de abril de 2018, um mês após os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes —crimes pelos quais Lessa é réu—, a relação entre Lessa e Rogério se estreitou.

Sobrinho de Castor de Andrade —tido como o maior bicheiro da história do Rio e criador do modelo de cúpula do jogo do bicho—, Rogério se encontra foragido da Justiça.

Mensagem extraída do celular do PM reformado mostra conversa em que ele cita um encontro com Gustavo de Andrade, filho de Rogério. O teor do diálogo revela que Lessa foi indicado para resolver "burocracias" relacionadas a um bingo de Rogério de Andrade que funcionaria no Quebra Mar —área na praia da Barra da Tijuca, na zona oeste carioca.

"Ontem, estive com o Leandro. Ele estava com o filho do 'R' [Rogério de Andrade, segundo MP-RJ]. Foi ver um espaço lá de um brother meu para fazer um empreendimento. O 'R' vai botar lá no Quebra-Mar. Vai pegar os dois restaurantes. E ele que mandou me procurar, disseram pra ele que só eu resolvia isso lá", escreveu Lessa.

O interlocutor de Lessa respondeu: "Quando [psc] menos esperar vai cair no colo. Vê que só ajuda e não pede nada". O PM reformado disse então que conversou com Rogério por meio da intermediação do filho do bicheiro.

"Falei com ele [Rogério] no zap ontem. Através do filho. Me agradeceu e quer encontrar pessoalmente semana que vem." O interlocutor aconselhou: "Estreitar isso aí. Cerca mesmo. Com certeza vai te dar um pedaço". Em resposta, Lessa confirma que vai estreitar a relação.

Lessa e um comparsa deram prosseguimento à instalação do bingo, com máquinas caça-níqueis, no local acertado —"dando início aos primeiros atos materiais desta aliança ilícita e a integração de todos os envolvidos em um mesmo contexto criminoso organizado", destaca o MP-RJ em denúncia.

Os promotores dizem que Lessa se mostrou protagonista de toda a montagem e aparelhamento da casa de jogos, enquanto os serviços eram custeados pela organização de Rogério de Andrade.

O espaço foi inaugurado em 23 de julho de 2018. No entanto, no dia seguinte, a casa situada na avenida do Pepê, 52, foi interditada e as máquinas ilícitas, apreendidas e levadas para a 16ª DP (Barra da Tijuca). À época, Adriana Belém —presa na terça-feira (10) com cerca de R$ 1,8 milhão em espécie encontrado na casa dela pela Operação Gárgula— era a delegada titular.

O Caso Marielle Franco

Foi também na altura do Quebra-Mar, onde o bingo foi instalado, que a Marinha fez buscas, em março de 2019, para tentar localizar a submetralhadora usada nos assassinatos de Marielle e Anderson.

Na ocasião, uma testemunha informou à Delegacia de Homicídios que seis armas, uma bolsa e uma caixa lacrada foram jogadas por Lessa no mar, perto das Ilhas Tijucas. O informante disse que esse material estava armazenado em um apartamento no bairro do Pechincha, também na zona oeste.

As armas não foram localizadas pelas forças de segurança.

A região do Quebra-Mar também surgiu em outro momento nas investigações do Caso Marielle. A polícia tinha imagens de câmeras de segurança que mostravam parte do percurso do carro usado no crime —no Itanhangá, próximo à Barra da Tijuca.

Meses depois, os investigadores receberam a informação que o carro havia partido do Quebra-Mar. Ao analisar novamente o material coletado pelas câmeras, o veículo foi observado na região no dia do crime.

Após a interdição do bingo no Quebra-Mar, Lessa foi designado para negociar a liberação das máquinas da delegacia, segundo o MP-RJ.

O PM reformado acionou o então delegado Marcos Cipriano —também preso ontem—, segundo mostram mensagens obtidas. Eles se reuniram com a delegada Adriana Belém e com o policial civil Jorge Luiz Camillo Alves, firmando um "espúrio esquema corruptivo que culminou com a liberação do maquinário retido", diz o MP-RJ.

Os caça-níqueis foram retirados com caminhões da delegacia da Barra da Tijuca, segundo as investigações.

Investigações da Polícia Civil apontam que, quase dez anos antes da parceria nos negócios entre Lessa e Rogério apontada pelo MP-RJ, ambos já se relacionavam.

O PM reformado atuava como segurança do contraventor quando perdeu parte da perna esquerda em um atentado a bomba em 2009. Seis meses depois, um crime parecido matou o filho de Rogério, Diego Andrade, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste, em 2010.

Pai e filho estavam juntos no carro. Rogério foi internado e passou por uma cirurgia. Diogo morreu na hora.

Após a Operação Gárgula, o MP-RJ informou que apura se Rogério de Andrade foi o mandante do assassinato de Marielle.

A denúncia destaca que Ronnie Lessa ganhou autonomia na organização criminosa um mês após o assassinato. No entanto, o próprio MP afirma que não há provas para denunciar o bicheiro pela morte de Marielle.

Quem é Rogério de Andrade?

O sobrinho de Castor de Andrade herdou o domínio dos jogos de azar após a morte dele, em 1997. Rogério ficou com os pontos de jogo do bicho, enquanto seu genro Fernando Iggnácio assumiu o controle dos caça-níqueis.

Logo, os dois iniciaram uma sangrenta guerra pelo controle de todo o espólio de Castor. Foi nesse contexto que Rogério e Lessa se conheceram. O PM foi recrutado pelo jogo do bicho e passou a atuar como segurança da família Andrade.

O atentado contra Rogério que tirou a vida do filho dele teria sido causado por disputas por pontos de máquinas caça-níqueis. Fernando Iggnácio foi apontado como suspeito dos atentados contra Lessa e Rogério.

A disputa entre os dois herdeiros de Castor de Andrade seguiu até novembro de 2020, quando Iggnácio foi morto a tiros após sair de um helicóptero no Aeroporto de Jacarepaguá, também na zona oeste do Rio. Rogério foi denunciado pelo crime e, desde então, está foragido.

Outro lado

O advogado Ary Bergher, que defende Rogério de Andrade, afirmou ao UOL que a operação deflagrada nesta semana, "além de não deixar demonstrada a necessidade de prisão cautelar do Rogério, reluz claramente uma afronta ao STF que acaba de conceder o trancamento de uma ação penal contra ele".

De acordo com o advogado, trata-se de uma tentativa de burlar as decisões do Supremo.

Segundo o Bergher, a 2ª Turma do STF trancou em fevereiro uma ação penal contra o Rogério, acusado de ser o mandante da morte do rival Fernando Iggnácio, em 10 de novembro de 2020. Os ministros decidiram também revogar a prisão cautelar decretada contra o bicheiro.

Ele avaliou como ridícula a tentativa de relacionar o cliente à morte da vereadora Marielle Franco.

"Até o presidente da República foi investigado por esse crime. Infelizmente, em vez de criar factoides, já deveriam os responsáveis, depois de tantos anos, terem apresentado os mandantes dessa brutalidade".

A defesa de Rogério já disse ao UOL, em 2020, que seu cliente não conhece Ronnie Lessa e que o PM aposentado jamais foi seu segurança.

O advogado Bruno Castro, que defende Lessa, afirmou que vai analisar a denúncia da Operação Gárgula antes de se posicionar.

As advogadas Luciana Pires e Sandra Almeida relataram à colunista Juliana Dal Piva que a origem do dinheiro apreendido na casa de Adriana Belém será esclarecida nos autos e que não há necessidade da prisão. Por isso, as defensoras vão entrar com um pedido de habeas corpus.

O advogado Ricardo Braga, que representa Marcos Cipriano, afirmou que "será demonstrada no processo uma inocência que está mais do que comprovada nas próprias investigações". Braga disse ainda que a relação do delegado com Lessa foi pontual e que nada tem a ver com alguma ajuda relacionada a máquinas caça-níquel.

A defesa do policial civil Jorge Luiz Camillo Alves não foi localizada.