Após desistir de comprar 'kit Enem', RJ paga R$ 7 mi a mais à mesma empresa
O governo do Rio desistiu em 2021 da compra de kits de livros de preparação para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para adquirir em fevereiro material idêntico com a mesma empresa —só que R$ 7,3 milhões mais caro.
Já no início da pandemia, a MKS Soluções Comerciais e Distribuidora de Materiais fez negócios com o RJ na área da saúde, tendo vendido ao governo máscaras de proteção contra o coronavírus, com indícios de superfaturamento.
O UOL apurou que as concorrentes da MKS Soluções na disputa pelos "kits Enem" compartilham um mesmo número de telefone na Receita, sendo que o dono de uma delas já se apresentou como "representante legal" da vencedora.
Os 197.683 "kits Enem", que começaram a ser entregues nas escolas nas últimas semanas, custarão R$ 200,1 milhões aos cofres públicos.
Na compra que não foi concretizada no ano passado, o valor de cada conjunto de livros sairia por R$ 975,41. O governo, porém, fechou contrato a R$ 1.012,48. A economia seria de R$ 7,3 milhões, se a Secretaria Estadual de Educação tivesse adquirido os livros pelo preço anterior.
Em nota, a pasta afirmou que fez "o melhor investimento", com consulta a "diversas fontes", "sendo confirmada a vantagem econômica".
Por e-mail, o empresário Marcelo Konte, dono da MKS, afirmou que o valor dos kits de livros "era o mais vantajoso do mercado".
Antes de livros, máscaras
Fundada em novembro de 2018, a MKS Soluções, que tem sede em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, teve uma ascensão meteórica. Seu capital social começou sendo de apenas R$ 200 mil. Em março, após a assinatura do contrato com o RJ, atingiu R$ 35 milhões.
Antes dos livros, a empresa vendeu para o governo fluminense, em junho de 2020, sem licitação, máscaras contra a covid-19. O contrato foi de R$ 473,2 mil.
Um relatório do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio) apontou indícios de superfaturamento de R$ 310 mil, numa comparação com preços médios de mercado.
Marcelo Konte —que já foi candidato a vereador em Niterói (RJ) em 2016 (pelo PSDB) e em 2020 (pelo DEM), sem conseguir se eleger— afirmou que "estranha qualquer consideração neste sentido, pois a nossa política comercial prioriza a busca de preços competitivos e que, invariavelmente, estão dentro dos parâmetros de mercado".
QR Code definiu escolha de kits
Professores ouvidos pelo UOL, que pediram para não ser identificados, relataram que os kits —compostos por 16 livros, a maior parte com questões simuladas para o Enem— têm sido distribuídos sem qualquer preparação para alunos ou professores.
A secretaria diz, por sua vez, que promove "seminários com coordenadores pedagógicos e professores de toda a rede" para apresentar os kits e informa ter capacitado mais de 2.400 profissionais.
Ao todo, o governo assinou três contratos com a MKS, por R$ 338,8 milhões. Além dos "kits Enem"(R$ 200,1 milhões), estão sendo adquiridos mais de 600 mil livros voltados para cultura digital (R$ 119,2 milhões) e 90 mil de reforço de matemática (R$ 19,5 milhões).
Esse tipo de material, que não faz parte da grade curricular regular, pode ser comprado por estados e municípios com liberdade de definição de títulos. O governo federal, por sua vez, faz o fornecimento gratuito às escolas públicas dos itens que constam no PNLD (Programa Nacional do Livro e Material Didático), cuja seleção passa pelo controle de uma câmara técnica.
A Secretaria de Educação do Rio afirmou que a escolha do kit "é fruto de amplos estudos realizados por uma equipe técnica altamente capacitada e dedicada ao planejamento pedagógico da rede pública estadual de ensino".
No processo administrativo que trata da compra, porém, o UOL só localizou reproduções de buscas em alguns sites, tendo a definição sido feita basicamente porque as coleções vêm com um QR code que permite o acesso de conteúdo via celular.
'Carona' em licitação
Tanto agora quanto no ano passado, a Secretaria de Educação planejou a compra dos kits Enem por meio da adesão a uma ata de registro de preços. Nessa modalidade, o órgão pode pegar uma "carona" em um valor de licitação realizada por outro ente público.
Em julho, a pasta definiu que iniciaria um processo para a compra de 53.222 coleções, voltadas para compor o acervo bibliográfico das escolas e atender parte dos alunos do ensino médio.
Foram enviados e-mails para possíveis fornecedores, mas apenas a MKS Soluções respondeu, dizendo que forneceria o material a R$ 975,41 —equiparando um desconto de uma licitação que a empresa havia vencido, em setembro de 2020, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.
Esse valor, como acontece em atas de registros de preços, tinha validade de um ano, mas o governo fluminense não concluiu a compra em tempo, e o processo de contratação foi extinto.
Em dezembro, a Secretaria de Educação abriu um outro processo, novamente para a compra dos mesmos kits, que são fabricados pela Editora Divulgação Cultural.
Desta vez, porém, a quantidade foi maior: 197.683 coleções, o suficiente para atender a todos os estudantes do 3º ano do ensino médio (160.645) e outros 37.038, que cursam o EJA (Ensino de Jovens e Adultos).
O governo optou então mais uma vez pela adesão a uma ata de registro de preços, da mesma MKS Soluções, só que de uma licitação realizada em novembro pelo Instituto Federal do Espírito Santo —dessa vez, o valor saiu a R$ 1.012,48.
Concorrente atuou por empresa
Neste último processo, o governo recebeu por e-mail propostas de outras duas empresas: a Comercial Nova Trapiche e a Evolução Importação e Comércio de Vestuário e Seus Acessórios. As firmas —que não têm o comércio atacadista de livros como atividade registrada na Receita Federal— apresentaram os preços de R$ R$ 1.910 e R$ 1.903,50, respectivamente.
Os telefones das duas empresas que constam na Receita são de um mesmo escritório de contabilidade em São Paulo. A reportagem localizou ainda um documento de uma licitação de um consórcio paulista de municípios, de fevereiro do ano passado, em que o dono da Evolução, Elias Mariano Paes, se apresenta como "representante legal" da MKS Soluções.
O dono da MKS disse que teve a intenção de se unir com Elias Mariano Paes na licitação em São Paulo, mas que isso não foi formalizado e que não possui "qualquer relação societária ou pessoal com ele".
O UOL tentou contato por telefone com a Evolução e a Comercial Nova Trapiche, sem sucesso.
Tanto a MKS quanto o governo do Rio alegaram que a compra pelo preço mais barato não foi concretizada porque o preço da ata do ano passado havia expirado. Os dois não explicaram, no entanto, porque não houve negociação para que a empresa vendesse ao valor da contratação que não se concretizou.
A firma e a Secretaria de Educação também alegaram que houve variação no custo da matéria-prima ao justificarem a diferença. O valor do livro sem desconto, divulgado no site da Editora Divulgação Cultural, porém, não mudou entre um processo de contratação e outro: R$ 1.808.
O governo também disse que conseguiu 2.000 coleções a mais, de "bonificação" da MKS para "eventual reposição aos alunos".
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