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Famílias têm corpos de parentes trocados por funcionários do DML no RS

Confeiteiro Jorge Antônio Nascimento e Silva, 52, morreu de causas naturais, mas família foi liberada para reconhecer corpo de homem morto a tiros - Arquivo pessoal
Confeiteiro Jorge Antônio Nascimento e Silva, 52, morreu de causas naturais, mas família foi liberada para reconhecer corpo de homem morto a tiros Imagem: Arquivo pessoal

Kyane Sutelo

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

21/07/2022 04h00

O momento triste da morte de um familiar tornou-se ainda mais delicado para Mauro Nascimento e Silva, morador do município de Osório (RS), no Litoral Norte, a 105 km de Porto Alegre. Ao chegar no Departamento Médico Legal (DML), a surpresa: o corpo do irmão havia sido trocado pelo de outro homem — e pior, já estava até enterrado.

O confeiteiro Jorge Antônio Nascimento e Silva, 52, morreu de causas naturais, segundo a família, e o corpo liberado para reconhecimento era o de um indivíduo com perfurações de disparos de arma de fogo — cujo nome não foi divulgado pelo IGP (Instituto Geral de Perícias do RS), responsável pelo DML.

"Minha sobrinha foi reconhecer e perguntaram se ela queria mesmo ver o corpo, porque estava desfigurado e com marcas de tiros. Foi quando ela percebeu que tinha algo errado, porque meu irmão morreu de causas naturais", conta Mauro, sem saber informar o nome do funcionário.

Os problemas não pararam por aí. Mauro relata que, quando perceberam o erro, a equipe do DML informou que o corpo de Jorge já havia sido entregue para outra família e sepultado. O drama, que começou na madrugada de domingo, 17, com a morte do irmão de Mauro, terminou apenas na noite desta quarta-feira (20), quando a família finalmente conseguiu levar o corpo para a cidade de origem, onde foi velado e sepultado.

Em busca de um fim digno

Foram três dias de espera e sofrimento longe de casa enfrentados pela família de Jorge. Mauro conta que o irmão foi encontrado morto pela sobrinha, Michele da Silva, quando ela levava almoço para o pai, que morava em casa no mesmo terreno que a dela.

"A vizinha ouviu ela gritar e me chamou. Eu moro perto. Fui pra lá na hora de moto, mas não me deixaram entrar, porque tinha que aguardar a perícia".

Conforme o irmão da vítima, houve demora na chegada da perícia, pois, segundo a Brigada Militar, a unidade de Osório estaria fechada e o caso seria atendido pela equipe de Porto Alegre. E foi para a capital que Jorge foi levado. Na segunda-feira, começaram as viagens da família — mais de 100 km de distância por trecho — para tentar a liberação do corpo. Inicialmente, o problema foi com o cadastro do irmão de Mauro na prefeitura do município litorâneo, que precisava ser localizado para o custeio do translado.

Na terça-feira, ocorreu a descoberta da troca dos corpos. Segundo Mauro, não houve nenhum suporte do DML. "Eles divulgaram uma nota dizendo que estavam nos ajudando, mas não teve auxílio nenhum. Tivemos que fazer até uma vaquinha para pagar a gasolina das viagens", desabafa o irmão.

Ele destaca que levou o caso ao conhecimento da imprensa para tentar pressionar a liberação do corpo de Jorge e para impedir que o caso se repita: "A gente não quer que aconteça com mais ninguém. É muito triste".

"Fato atípico"

A família de Jorge registrou um boletim de ocorrência na 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Porto Alegre (DPPA), mas o caso — considerado fato atípico pela polícia — será arquivado. A informação é do delegado da 10ª DP da Capital, Ajaribe Rocha Pinto, responsável pela área onde fica o DML.

"Em princípio, não há crime, mas erro de procedimento. No final, se a Corregedoria (do IGP) entender que ocorreu algum crime, encaminhará à DP competente", disse Ajaribe.

Em coletiva de imprensa, a diretora em exercício do IGP, Marguet Mittmann, admitiu o equívoco. O processo de reconhecimento teria sido crucial para evitar o erro, conforme a diretora.

Marguet afirmou que "a outra família estava profundamente abalada com o processo, com a forma violenta em que ocorreu o óbito do seu familiar, e optou por não fazer o reconhecimento visual".

O IGP optou por não divulgar o nome da outra vítima envolvida. A diretora do Instituto afirmou ainda que foram abertos processos administrativos para averiguar a "série de pequenos acontecimentos" que, segundo ela, levaram à troca de corpos.

"Faremos uma apuração séria, célere e seremos muito rígidos na definição e na apuração dos fatos que culminaram nesse triste momento", declarou.