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Juiz rejeita ação do chefe do MP de Minas contra jornalista do UOL

Divulgação/Câmara dos Vereadores de São Francisco
Imagem: Divulgação/Câmara dos Vereadores de São Francisco

Do UOL, em São Paulo

21/09/2022 15h38Atualizada em 19/10/2022 16h51

O juiz Rodrigo Moraes Lamounier Parreiras, do 12º Juizado Cível de Belo Horizonte, determinou nesta segunda-feira (19) ser improcedente o processo em que o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, pedia para condenar o repórter e colunista do UOL Thiago Herdy ao pagamento de indenização por dano moral.

O processo foi movido em razão de reportagem sobre o acordo de reparação da tragédia ambiental de Brumadinho (MG), assinado pelo governo de Minas com a empresa Vale e que teve o procurador-geral como um de seus negociadores.

De acordo com a reportagem, publicada em janeiro, ao negociar o acordo compensatório de R$ 37,7 bilhões com a empresa responsável pela tragédia, Soares solicitou que fosse incluída uma obra de R$ 113 milhões para beneficiar São Francisco (MG), cidade do norte de Minas onde ele foi criado e onde vivem integrantes de sua família.

Trata-se de uma ponte sobre o rio São Francisco, que ligará a cidade de mesmo nome a Pintópolis, também em Minas. As duas cidades ficam a mais de 600 km de Brumadinho, local da tragédia que matou 272 pessoas e teve uma série de impactos sociais, ambientais e econômicos na bacia do rio Paraopeba.

De acordo com a coluna, o pedido de Soares para atendimento à demanda da cidade de sua família causou constrangimento entre representantes dos órgãos públicos à mesa de negociação, mas nem por isso deixou de ser atendido.

Com base nas informações da reportagem e em elementos levados ao processo pelo próprio procurador-geral de Justiça de Minas, o juiz identificou "censurável" proximidade entre o chefe do Ministério Público e o governo mineiro e classificou sua conduta como uma "violação do dever" de "manter ilibada conduta pública e particular". A íntegra da sentença pode ser lida aqui.

Juiz aponta falta de provas contra jornalista

Na sentença, Lamounier Parreiras destacou que Soares "não produziu prova na ação capaz de desqualificar as fontes da reportagem, tampouco solicitou que testemunhassem a seu favor".

"Não há sequer uma declaração escrita dos vereadores ou do prefeito que se preste a desmentir o réu. A coerência dessas manifestações, salvo por inaudita inocência que inabilitaria o réu para o jornalismo, seria suficiente para, à primeira vista, cogitar a veracidade do fato abordado", escreveu o magistrado.

A atuação do procurador em prol da ponte o levou a receber uma homenagem pública na cidade. Projeto de lei apresentado por um deputado estadual na Assembleia Legislativa de Minas Gerais propôs ainda que, quando a obra ficar pronta, leve o nome do pai do procurador-geral mineiro.

O juiz lembrou que outros atores signatários do acordo de Brumadinho — a empresa Vale e o governo de Minas — evitaram responder a perguntas do UOL sobre a o pedido de Soares pela ponte na cidade de sua família.

"Optaram por contornar a indagação com explicações didáticas, colegiais: a função do governador, da Assembleia Legislativa, quem decidiu incluir a ponte no acordo, se a inclusão foi precedida de estudos técnicos etc.", escreveu.

Para o juiz, "a sequência de omissões probatórias" e as "contradições verificadas entre as evidências circunstanciais produzidas" no processo pelo próprio chefe do MP "acreditam não somente a consistência do artigo jornalístico questionado e da denúncia que encerra".

Segundo Lamounier Parreiras, "tem-se, também, a certeza jurídica — ou seja, nos limites dos autos — de que o autor, se não teve papel determinante na inclusão da referida ponte no acordo de Brumadinho, concorreu eficazmente para obtê-la".

Juiz cobra "distanciamento funcional" de chefe do MP

O magistrado lembrou a importância de o Ministério Público manter "distanciamento funcional e um tratamento protocolar" em relação à administração estadual, em função de suas missões institucionais constitucionais.

"Para esses fins, a relação ostensiva entre o Ministério Público e o governo estadual contrapõe, respectivamente, fiscal e fiscalizado. (...) No entanto, a prova dos autos, respaldando essencialmente os fatos levantados pela investigação do réu, revela que o autor negligenciou esse distanciamento", escreveu o juiz, que classificou como "censurável" a proximidade entre o chefe do MP de Minas e o governo do estado.

"Se não teve atuação decisiva na inclusão da ponte de São Francisco e de outras obras no acordo de Brumadinho, pelo menos concorreu para a escolha política. Aliás, por se tratar de uma solicitação do síndico ao sindicado, é factível que o pedido tenha soado como uma exigência."

Para o juiz, a atitude de Soares lança "descrédito sobre a imagem de isenção do Ministério Público", o que configura, em seu entendimento, "ato atentatório à dignidade das funções ministeriais".

Por meio de suas redes sociais, Soares informou respeitar a decisão, mas anunciou que irá recorrer da sentença.

Procurador já havia desistido de ação criminal

Esta é a segunda ação do promotor contra o jornalista com desfecho desfavorável ao chefe do MP mineiro: em junho deste ano, a promotora de Justiça Andréa Bahury solicitou o arquivamento da ação criminal ajuizada pelo procurador-geral contra o repórter, por conta da mesma reportagem.

Em fevereiro, Soares anunciou por meio de suas redes sociais que estava apresentando uma representação criminal contra o jornalista pela reportagem e também uma ação com pedido de indenização. Para ele, o texto teria como objetivo "macular a imagem do servidor público" e "manchar sua honra".

Em abril, ele voltou atrás e pediu a retratação da representação criminal, desistindo do processo contra o jornalista. Em sua petição, ele não informa as razões da desistência.

Diante da medida, a promotora que cuidava do caso, Andréa Bahury, solicitou o arquivamento do processo.

Tanto na ação em âmbito cível quanto em âmbito criminal, o repórter do UOL foi defendido pelo escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados.