Crise climática no RS entra na rota global de fake news da extrema direita
Há poucos dias, Jair Bolsonaro afirmou nas redes sociais que "problematização climática é desinformação". "Tudo orquestrado pelos gigantes que exigem dos outros o que não cumprem. Ou seja, inviabilizam o desenvolvimento de países com potencial, garantindo aos líderes destas repúblicas a sua manutenção no poder sob o custo de escravizar ainda mais seu próprio povo", escreveu.
Ele fazia alusão a uma reportagem, publicada no UOL, que revela como o governo Lula raramente convocou seu principal órgão destinado aos temas climáticos.
A afirmação do ex-presidente, porém, não é um caso isolado. Na Europa e em outros lugares do mundo onde a extrema direita ganha força, uma das mais profundas mudanças na estratégia eleitoral e política do movimento ultraconservador tem sido a de usar a questão climática para supostamente mostrar para a população que o tema é apenas uma invenção das elites e que o povo é quem paga a conta.
Assim como há uma década era a questão da imigração que servia de trampolim e bode expiatório para mobilizar votos, agora é a questão climática que desembarca como arma eleitoral.
Com desinformação e manipulando dados, a extrema direita passou a recorrer ao assunto para fortalecer um racha na sociedade, denunciar a "elite", incentivar a divisão e, assim, sair em busca de apoio.
No início de maio, a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen deu o tom: "A ideologia dos ambientalistas é a luta contra os seres humanos". Em seu novo programa eleitoral, ela defende uma ação ecologista que "respeite o equilíbrio entre as atividades humanas e a natureza".
Seu partido busca, faltando um ano para eleições francesas e com a votação para o Parlamento Europeu na mira, restabelecer o sentido de divisão na sociedade. De um lado, a população urbana, mais propensa a defender ecologistas. De outro, a população rural ou de pequenas e médias cidades que vê qualquer ato ambientalista como um peso para seu modelo de negócios e seu apego pela terra.
O mote de sua campanha, porém, nada mais é que uma promessa ao eleitorado de que o estilo de vida da população não mudará.
Aquecimento de casas na Alemanha vira símbolo
Le Pen apenas repetiu o que, meses antes, a Alemanha enfrentou. O governo de centro-esquerda de Olaf Scholz passou a implementar leis que transformariam certos aspectos da vida cotidiana, adotando finalmente medidas concretas para a transição energética. Para especialistas, tudo isso ocorre com anos de atraso.
Uma dessas medidas era a simples — mas fundamental 0- transformação do sistema de aquecimento das casas, o que causaria um impacto financeiro para a população.
Imediatamente, o partido herdeiro da ideologia nazista — o Alternativa para Alemanha (AfD) — se apossou do debate e passou a acusar os ecologistas e socialista de quererem "decidir" como a população deve aquecer suas casas. A "liberdade" estava em jogo, segundo eles.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberAssim, o aquecedor passou a ser usado como "exemplo" de como a esquerda não olha para sua população, enquanto a extrema direita se apresentava como a única a sair em defesa dos mais vulneráveis.
O aquecedor ainda foi transformado em arma na estratégia da extrema direita de recuperar o racha na sociedade alemã, temporariamente suspensa depois que o país foi alvo de enchentes que destruiram cidades inteiras.
Como resultado da manipulação e temendo ver a extrema direita ganhar força, o governo Scholz teve de reduzir sua ambição e acabou submetendo para a aprovação do Parlamento uma lei com certas flexibilidades.
Membros do AfD — inclusive uma herdeira de ministros nazistas — mantém uma estreita relação com o núcleo duro do bolsonarismo.
"Liberdade" aos fazendeiros holandeses
Um caso que sinalizou a força da extrema direita foi o da Holanda. Em 2019, a Corte Suprema do país determinou que a Holanda era obrigada a cumprir os padrões da UE em termos de preservação. A decisão foi comemorada por cientistas, pesquisadores e ambientalistas.
Mas, imediatamente, foi iniciado um protesto por parte de fazendeiros. Meses depois, o protesto se transformou no "Movimento Fazendeiro-Cidadão", que se atribuiu o papel de "falar por aqueles que são negligenciados no campo e cidadãos comuns".
Dali, um partido nasceu, com a bandeira de desfazer as medidas ambientais propostas pelo governo. Em grupos de Telegram e nas redes sociais, a extrema direita se aliou aos fazendeiros e passaram a difundir desinformações e a tese de que as produções agrícolas da Holanda seriam fechadas para dar lugar a refugiados.
Muitos desses grupos levam em seus nomes a palavra "liberdade" e são marcados por teorias conspiratórias. Num deles, foi divulgado o suposto plano de fechar as fazendas holandesas para que o acesso à alimentação seja mais fácil e, assim, o governo teria amplos poderes para controlar a população.
Meses depois, o BBB (a sigla do partido em holandês) causou um terremoto político nas eleições locais e passou a ser a maior força do Senado.
Herdeiros de Franco e negacionistas climáticos no comando
Na Espanha, o movimento que é herdeiro do franquismo, o VOX, deixou claro sua rejeição pelas medidas ecologistas durante as eleições de 2023. O partido acusa os socialistas de estarem sob ordens dos "ecologistas radicais" e fala em "religião climática".
O discurso, assim como na Alemanha e França, fala sobre a necessidade de sair ao suposto resgate do cidadão comum, contra as medidas ambientais.
Em seu programa eleitoral, o VOX acusa os ambientalistas de "impedir que os recursos sejam explorados e de colocar sobre os ombros dos espanhóis o peso da transição ecológica".
Contra qualquer ato que possa "criminalizar nossos trabalhadores e agricultores", o líder do movimento, Santiago Abascal, garante que protege o meio ambiente. Mas usa a mesma lógica de Le Pen: "O VOX parte do princípio que o ser humano é o elemento mais importante do meio ambiente".
Nos lugares que passou a governar, o VOX - que mantém uma relação intensa com o bolsonarismo - fechou agências de meio ambiente, cortou drasticamente recursos e passou a adotar um discurso abertamente negacionista.
Emblemático foi o caso do porta-voz do partido em Mallorca, Pedro Bestard, que assumiu a administração de Meio Ambiente do local e anunciou: "nego a mudança climática".
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