Jamil Chade

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Reportagem

Crise climática no RS entra na rota global de fake news da extrema direita

Há poucos dias, Jair Bolsonaro afirmou nas redes sociais que "problematização climática é desinformação". "Tudo orquestrado pelos gigantes que exigem dos outros o que não cumprem. Ou seja, inviabilizam o desenvolvimento de países com potencial, garantindo aos líderes destas repúblicas a sua manutenção no poder sob o custo de escravizar ainda mais seu próprio povo", escreveu.

Ele fazia alusão a uma reportagem, publicada no UOL, que revela como o governo Lula raramente convocou seu principal órgão destinado aos temas climáticos.

A afirmação do ex-presidente, porém, não é um caso isolado. Na Europa e em outros lugares do mundo onde a extrema direita ganha força, uma das mais profundas mudanças na estratégia eleitoral e política do movimento ultraconservador tem sido a de usar a questão climática para supostamente mostrar para a população que o tema é apenas uma invenção das elites e que o povo é quem paga a conta.

Assim como há uma década era a questão da imigração que servia de trampolim e bode expiatório para mobilizar votos, agora é a questão climática que desembarca como arma eleitoral.

Com desinformação e manipulando dados, a extrema direita passou a recorrer ao assunto para fortalecer um racha na sociedade, denunciar a "elite", incentivar a divisão e, assim, sair em busca de apoio.

No início de maio, a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen deu o tom: "A ideologia dos ambientalistas é a luta contra os seres humanos". Em seu novo programa eleitoral, ela defende uma ação ecologista que "respeite o equilíbrio entre as atividades humanas e a natureza".

Seu partido busca, faltando um ano para eleições francesas e com a votação para o Parlamento Europeu na mira, restabelecer o sentido de divisão na sociedade. De um lado, a população urbana, mais propensa a defender ecologistas. De outro, a população rural ou de pequenas e médias cidades que vê qualquer ato ambientalista como um peso para seu modelo de negócios e seu apego pela terra.

O mote de sua campanha, porém, nada mais é que uma promessa ao eleitorado de que o estilo de vida da população não mudará.

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Marine Le Pen, líder da extrema direita francesa
Marine Le Pen, líder da extrema direita francesa Imagem: Manon Cruz - 1º.mai.24/Reuters

Aquecimento de casas na Alemanha vira símbolo

Le Pen apenas repetiu o que, meses antes, a Alemanha enfrentou. O governo de centro-esquerda de Olaf Scholz passou a implementar leis que transformariam certos aspectos da vida cotidiana, adotando finalmente medidas concretas para a transição energética. Para especialistas, tudo isso ocorre com anos de atraso.

Uma dessas medidas era a simples — mas fundamental 0- transformação do sistema de aquecimento das casas, o que causaria um impacto financeiro para a população.

Imediatamente, o partido herdeiro da ideologia nazista — o Alternativa para Alemanha (AfD) — se apossou do debate e passou a acusar os ecologistas e socialista de quererem "decidir" como a população deve aquecer suas casas. A "liberdade" estava em jogo, segundo eles.

Cartaz em Berlim da campanha eleitoral do partido de extrema direita AfD para as próximas eleições europeias de 2024
Cartaz em Berlim da campanha eleitoral do partido de extrema direita AfD para as próximas eleições europeias de 2024 Imagem: Lisi Niesner - 10.mai.24/Reuters
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Assim, o aquecedor passou a ser usado como "exemplo" de como a esquerda não olha para sua população, enquanto a extrema direita se apresentava como a única a sair em defesa dos mais vulneráveis.

O aquecedor ainda foi transformado em arma na estratégia da extrema direita de recuperar o racha na sociedade alemã, temporariamente suspensa depois que o país foi alvo de enchentes que destruiram cidades inteiras.

Como resultado da manipulação e temendo ver a extrema direita ganhar força, o governo Scholz teve de reduzir sua ambição e acabou submetendo para a aprovação do Parlamento uma lei com certas flexibilidades.

Membros do AfD — inclusive uma herdeira de ministros nazistas — mantém uma estreita relação com o núcleo duro do bolsonarismo.

"Liberdade" aos fazendeiros holandeses

O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, faz selfie durante posse da Câmara dos Representantes
O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, faz selfie durante posse da Câmara dos Representantes Imagem: Koen van Weel - 6.dez.23/ANP/AFP
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Um caso que sinalizou a força da extrema direita foi o da Holanda. Em 2019, a Corte Suprema do país determinou que a Holanda era obrigada a cumprir os padrões da UE em termos de preservação. A decisão foi comemorada por cientistas, pesquisadores e ambientalistas.

Mas, imediatamente, foi iniciado um protesto por parte de fazendeiros. Meses depois, o protesto se transformou no "Movimento Fazendeiro-Cidadão", que se atribuiu o papel de "falar por aqueles que são negligenciados no campo e cidadãos comuns".

Dali, um partido nasceu, com a bandeira de desfazer as medidas ambientais propostas pelo governo. Em grupos de Telegram e nas redes sociais, a extrema direita se aliou aos fazendeiros e passaram a difundir desinformações e a tese de que as produções agrícolas da Holanda seriam fechadas para dar lugar a refugiados.

Muitos desses grupos levam em seus nomes a palavra "liberdade" e são marcados por teorias conspiratórias. Num deles, foi divulgado o suposto plano de fechar as fazendas holandesas para que o acesso à alimentação seja mais fácil e, assim, o governo teria amplos poderes para controlar a população.

Meses depois, o BBB (a sigla do partido em holandês) causou um terremoto político nas eleições locais e passou a ser a maior força do Senado.

Herdeiros de Franco e negacionistas climáticos no comando

Na Espanha, o movimento que é herdeiro do franquismo, o VOX, deixou claro sua rejeição pelas medidas ecologistas durante as eleições de 2023. O partido acusa os socialistas de estarem sob ordens dos "ecologistas radicais" e fala em "religião climática".

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O discurso, assim como na Alemanha e França, fala sobre a necessidade de sair ao suposto resgate do cidadão comum, contra as medidas ambientais.

Em seu programa eleitoral, o VOX acusa os ambientalistas de "impedir que os recursos sejam explorados e de colocar sobre os ombros dos espanhóis o peso da transição ecológica".

Contra qualquer ato que possa "criminalizar nossos trabalhadores e agricultores", o líder do movimento, Santiago Abascal, garante que protege o meio ambiente. Mas usa a mesma lógica de Le Pen: "O VOX parte do princípio que o ser humano é o elemento mais importante do meio ambiente".

Nos lugares que passou a governar, o VOX - que mantém uma relação intensa com o bolsonarismo - fechou agências de meio ambiente, cortou drasticamente recursos e passou a adotar um discurso abertamente negacionista.

Emblemático foi o caso do porta-voz do partido em Mallorca, Pedro Bestard, que assumiu a administração de Meio Ambiente do local e anunciou: "nego a mudança climática".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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