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Flordelis relata agressões e abusos do marido: 'hoje sei o motivo do crime'

7.nov.2022 - A ex-deputada Flordelis é julgada em Tribunal do Júri de Niterói (RJ) - Brunno Dantas/TJ-RJ
7.nov.2022 - A ex-deputada Flordelis é julgada em Tribunal do Júri de Niterói (RJ) Imagem: Brunno Dantas/TJ-RJ

Tatiana Campbell e Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, em Niterói (RJ)

12/11/2022 10h56Atualizada em 12/11/2022 17h24

Chamada a depor à Justiça no sexto dia de julgamento, a ex-deputada Flordelis afirmou hoje que ocorriam "abusos" dentro da casa da família, no Rio de Janeiro, e que "hoje sabe o motivo" do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo.

A ex-parlamentar é acusada de ser a mandante do homicídio, que ocorreu em 2019. O interrogatório dela no Fórum de Niterói, na região metropolitana do RJ, durou 42 minutos.

Flordelis afirmou ter sido abusada e agredida pelo marido, mas que "não acreditava" que Anderson pudesse ter conduta semelhante com as filhas do casal.

"Eu não sabia [dos abusos]. Eu amava demais meu marido, ele era tudo para mim, ele era a minha vida. Eu tive uma desconfiança, uma única vez, no decorrer de um tempo, com minha filha Kelly, mas eu mesma não acreditava que ele seria capaz de ter esse tipo de... Por tudo o que eu fazia por ele, pelo que eu representava na vida dele. Ele abusou de mim, eu não acreditava que em casa ele pudesse praticar com outras mulheres."

"Eu não posso acusar ninguém eu não estava presente no local, eu não vi. Eu não posso afirmar. Meu filho Flávio foi sentenciado, meu filho Lucas foi sentenciado. Hoje eu sei o motivo do crime. É muito difícil para mim falar, mas foram os abusos que aconteceram dentro da minha casa", comentou a ré.

Flordelis chorou durante todo o depoimento. Um dos jurados perguntou se o choro de Flordelis seria real. A ex-deputada respondeu "sim senhora" para a juíza, aos prantos.

Suspeita de envenenamento. Flordelis rebateu as alegações de que teria envenenado o marido com a tese de que ele estaria "melhorando" seu condicionamento físico antes de ser vítima de homicídio.

"Eu posso dizer pelo que vivia com ele. Meu marido pouco comia em casa, tinha uma padaria chamada 'Glamour', onde ele fazia reuniões, era perto de casa. Ele tomava café da manhã, às vezes almoçava. Tinha muitas manias e uma delas era ele colocar a comida dele no prato. Ele chegou a vestir 38, ficou magro e, quando meu marido morreu, ele estava vestindo 42. Quem estava sendo envenenado não melhora, e ele estava melhorando."

Enforcada com travesseiro. Flordelis relatou à Justiça que, entre os episódios de violência doméstica, chegou a desmaiar depois de ter sido enforcada com um travesseiro pelo marido.

"O meu marido só sentia prazer se me machucasse, ele me machucava, ele só chegava às vias de fato se me machucasse. Eu achava que era por problemas familiares de quando ele era criança e eu me sujeitava, porque eu aprendi com minha mãe, que era submissa. Ela dizia que se o marido fizesse algo, tinha que tentar resolver as coisas."

"Depois, ele deitava normalmente, pedia para deitar no peito dele e voltava a ser carinhoso. Era como se não tivesse feito nada. Chegou a ponto de me enforcar com o travesseiro e eu desmaiar."

Diálogo com os filhos. Questionada sobre o motivo pelo qual Flordelis procurou um dos filhos, Misael, para contar dos supostos abusos, a ex-deputada respondeu:

"Ele era meu filho mais próximo e eu não estava sabendo lidar com a situação. Eu fui pedir desculpas para ele, mas ele disse que eu não podia expor a família, o grupo político que a gente tinha".

Depois, a ré relatou o que uma das filhas, identificada como Kelly, teria sofrido.

"Ele era tudo para mim, meu marido era tudo para mim, ele era minha vida. Eu jamais imaginei a minha vida sem ele, eu o amava mais do que tudo, mais do que a mim mesma. Teve uma época que eu amava mais do que Deus. Quando a Kelly veio falar eu não acreditei. Ele me tirou do quarto e disse que queria falar com a Kelly em particular, ele tinha esse costume para me poupar de problemas. Eu sentei na escada do lado da porta do meu quarto e fiquei durante muito tempo do lado de fora sentada e, depois de um tempo, foi relatado isso para mim de abuso, mas não tinha como acreditar, era impossível acreditar."

Em seguida, a pastora falou sobre um outro episódio supostamente ocorrido em Brasília com a neta Rayane —também julgada hoje.

"Eu acordava para ir para a Câmara Federal, ele também levantava, para ver se eu estava vestida de forma adequada para o dia. Eu fiquei no quarto me arrumando, ele saiu e depois de alguns minutos eu saí. O quarto da Rayane ficava do lado e, quando eu sai, ele estava saindo do quarto da Rayane. Eu perguntei o que ele estava fazendo e ele disse que tinha ido se despedir. Naquele dia, a Rayane chorou o dia inteiro, eu voltei da Câmara, Rayane chorando. Eu achei que ela estava brigada com o marido, ela não quis me contar."

Neta de Flordelis. Rayane Oliveira —terceiro interrogatório do dia— foi questionada sobre a admiração pela avó. Com lágrimas nos olhos, a jovem respondeu que a ex-deputado é uma "mulher de muita fé".

"(...) sempre ensinou para a gente que, independente de tudo, a gente tem que ter muita fé", declarou.

"Já o Anderson era um homem extremamente inteligente, tudo o que a família conquistou, a maior parte foi por causa dele, por ser quem ele era, por dar a cara a tapa, tinha muitos defeitos, mas não era uma pessoa ruim. Eu admirava muito isso."

Filha afetiva fala sobre abusos. O julgamento teve uma pausa para almoço e retornou pouco depois das 15h. A filha afetiva, Marzy Teixeira foi a primeira a falar durante à tarde. Ela reafirmou as informações de abusos e contou já ter sido encurralada pelo pastor Anderson na cozinha de casa enquanto preparava um almoço.

"Ele me encurralou e disse: sabia que você tem um corpão? Eu pensei: como assim? Falei com licença e ele disse: você é muito gostosa. Empurrei ele e passei e por debaixo do braço dele".

Marzy disse ainda que Anderson tratava mal amigos e namorados de algumas integrantes da casa, em especial, pessoas ligadas à Simone. A filha afetiva disse ainda que flagrou uma vez o pastor acariciando Simone enquanto ela dormia. Marzy também relatou a mudança de comportamento de Ana Bel com o pastor. Segundo ela, a jovem teve as pernas acariciadas pelo pastor.
"A partir daquele dia, ela passou a não querer mais sair com ele".

Ela apontou Anderson também como o administrador da casa e disse que era obrigada a entregar metade do salário, no período que trabalhava. De acordo com o depoimento, o dinheiro era entregue a Mizael e repassado a Anderson.

"A metade do meu salário, eu tinha que dar na mão do Mizael para ele dar para ele. Não reclamava porque eram muitas crianças, e eu usufruía de muita coisa, então eu concordava que tinha que contribuir.".

Segundo a filha afetiva, Anderson determina a comida de Flordelis e dizia as roupas que a parlamentar deveria usar para cada evento.

Ao ser questionada pelo júri sobre o que merece um homem abusador, Marzy respondeu: "a morte." No julgamento, a filha afetiva de Flordelis admitiu que chegou a pensar em um plano para matar o pastor - o que não se concretizou. Ela chegou a pedir a Lucas, "irmão" já julgado e condenado a sete anos e seis meses de prisão por participação no homicídio - que matasse o pastor.

"É melhor denunciar [caso de abuso], mas já estava num momento de explosão e decidi matar." A motivação para o plano frustrado teria sido um episódio vivido por uma integrante da casa, Anabel, que teve as pernas acariciadas dentro de um carro pelo pastor.

Perguntada se Flordelis ordenou a morte de Anderson, Marzy negou. Durante todo depoimento, Marzy se refere à Flordelis como mãe e ao pastor pelo nome dele.

"Não gostava muito dele, sofri muito, mas fiquei em choque [com a morte] porque era uma coisa que não queria mais [a morte do pastor]. Hoje, me sinto culpada porque comecei o plano, mas não conclui, mas alguém concluiu. Em relação a ele, sou grata por ter me levado para morar, a gente estava se aproximando, mas infelizmente ele se foi."

Sexto dia de julgamento. O julgamento do caso Flordelis entra hoje em uma nova fase com o interrogatório dos cinco réus. A expectativa é que Simone dos Santos, filha biológica da ex-deputada federal, seja ouvida durante a audiência.

Foram cinco dias destinados às 24 testemunhas —sendo 13 de acusação e 11 de defesa. O primeiro a ser interrogado foi André Luiz, filho afetivo. Ele optou por não responder aos questionamentos da defesa, apenas aos do Ministério Público e da assistência de acusação.

Ordem dos depoimentos:

  • André Luiz (filho afetivo)
  • Flordelis
  • Rayane Oliveira (neta)
  • Simone dos Santos (filha biológica)
  • Marzy Teixeira (filha afetiva)

Primeiro interrogatório. Neste sexto dia de julgamento, o primeiro a ser ouvido é André Luiz, filho afetivo do casal. A oitiva teve início às 10h27. O réu contou como chegou na casa da ex-deputada, até então ainda na comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro.

Cerca de uma hora depois, questionado pela advogada Janira Rocha, André Luiz negou que o pastor Anderson do Carmo tenha agredido fisicamente a ex-deputada e informou só ter conhecimento da denúncia de abusos sexuais contra as irmãs após a morte da vítima.

"Agressão física não, mas ele era rígido na hora de falar. Se minha mãe interrompesse o raciocínio dele, por exemplo, ele falava mais ríspido. Mas minha mãe era uma princesa pra ele. Meu pai dava roupa, peruca, dente, tudo. Meu pai produzia, cuidava da imagem dela. Eu não sabia sobre isso [abusos sexuais] eu só tomei conhecimento após a morte do meu pai."

André Luiz relembrou o dia do crime. Ele relatou que estava no quarto, dormindo, quando ouviu os tiros.

"Eu achei que pudesse ser assalto na rua e acabo deitando, mas depois, alguns segundos, minutos, eu escuto o burburinho na casa, boto uma roupa e desço. Quando desço, vejo todo mundo olhando para algo, sem entender eu vou pra garagem e vejo meu pai caído próximo ao carro. Eu fiquei completamente nervoso."

O filho adotivo de Flordelis foi perguntado sobre as informações das tentativas de envenenamento que o pastor Anderson do Carmo sofreria por parte da ex-deputada e algumas filhas.

"Eu nunca vi alguém envenenando meu pai. Ele tomava remédio de pressão, ele tomava em comprimido. Eu já vi amassarem o comprimido para tomar, mas comprimido de envenenamento nunca houve."

Versões dos advogados. Ao chegar no Fórum de Niterói, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, o advogado da família do pastor Anderson do Carmo —assassinado em junho de 2019— disse acreditar que os réus não irão responder as perguntas da acusação.

"Eu acredito que eles [advogados dos réus] vão seguir a mesma tática da primeira fase, apesar da defesa ser outra. Eles [réus] não vão responder as perguntas do Ministério Público e nem as da assistência de acusação, somente do juízo e da própria defesa", destacou Ângelo Máximo.

O advogado falou ainda sobre um dos depoimentos realizados ontem pela neta de Flordelis. Lorrane dos Santos contou que uma vez ao entrar no banheiro de Anderson do Carmo e Flordelis teria visto o pastor se masturbando enquanto assistia um vídeo pornô.

"É uma tese defensiva absurda, leviana com quem não está mais aqui para se defender. A defesa acredita ser uma tese vazia caso eles mantenham isso hoje durante o plenário", finalizou Ângelo.

Já o advogado de Flordelis, Rodrigo Faucz, afirmou que a deputada irá provar a inocência na morte de Anderson do Carmo.

"Eles [os réus] vão poder explicar a situação a partir daquilo que já foi apresentado pelas provas nesses dias. Foi comprovado a partir das testemunhas e principalmente das provas técnicas que o envenenamento não aconteceu. Isso é uma ilação da acusação, não tem indícios, nada. Com relação ao homicídios não há qualquer vinculação de Flordelis, Rayane, Marzy e André com o fato, não tem como se falar que eles têm qualquer responsabilidade na morte do pastor."

A sessão estava marcada para 10h, mas atrasou.